Home Cultura Livros: Os Anos (quase) Loucos de Lisboa publicados pela L’HarmattanNuno Gomes Garcia·1 Novembro, 2019Cultura Fernando Curopos é especialista em Literatura de Fin-de-Siècle e do Modernismo, ensina Literatura Portuguesa e Civilização Brasileira na Universidade da Sorbonne e acaba de publicar mais uma obra que incide sobre as questões de género, da sexualidade e das identidades “queer” na Literatura portuguesa. “Lisbonne 1919-1939: des Années Presque Folles” faz um trabalho comparativo entre a emancipação da cultura homossexual nas grandes capitais europeias, como Londres ou Paris, nestes Anos Loucos decorridos entre as duas guerras com uma Lisboa muito mais comedida, onde a comunidade LGBTQ era apenas visível nas sombras, longe de exibir a louca vivacidade parisiense, londrina, berlinense (até à ascensão de Hitler) ou mesmo madrilena (até à vitória de Franco na guerra civil). Depois de três obras, também publicadas pela L’Harmattan, nos últimos dez anos – “António Nobre ou la Crise du Genre”, “L’Émergence de l’Homosexualité dans la Littérature Portugaise: 1875/1915” e “Queer(s) périphérique(s): représentations de l’homosexualité au Portugal: 1974/2014” – Fernando Curopos regressa então a uma temática que conhece como ninguém para demonstrar como a comunidade LGBTQ portuguesa se manteve à margem da sociedade nas décadas de 20 e 30, sofrendo com o preconceito promovido pelas Teorias Declinistas. Os teóricos do declínio iminente acreditavam que a diferença e a diversidade, nomeadamente ao nível da orientação sexual, eram as principais causas de um suposto declínio da civilização. De salientar que essas teorias declinistas, que sempre se provaram falsas, promoveram por esses anos a ascensão do totalitarismo nazi-fascista que perseguiu, no caso do III Reich, milhares de homossexuais graças ao famoso Parágrafo 175 do código penal alemão que proibia e criminalizava a homossexualidade. Hoje, por exemplo, não fossem as correntes declinistas uma constante ao longo da História, corre-se um risco em tudo semelhante com a promoção da teoria conspirativa do Grand Remplacement, segundo a qual está em marcha, na Europa, a substituição premeditada e planeada da população europeia por população não-europeia. Assim, os curtos Anos (quase) Loucos portugueses terminaram abruptamente com o golpe de Estado de 28 de maio de 1926 e com a chegada de Salazar ao poder. Com a instauração do Estado Novo, a obsessão da degenerescência da nação (a tal teoria declinista em versão lusitana) encontrou na comunidade homossexual um dos seus principais bodes-expiatórios. Apenas, dizia-se à época, Salazar e a religião católica poderiam salvar a nação. Esta obra é então uma espécie de cartografia, uma história literária da representação da homossexualidade em Portugal do período de entre guerras. Um contraste entre uma sociedade como a parisiense, já liberta de certos atavismos fomentados por uma religiosidade de raiz medieval, e uma outra sociedade como a lisboeta, profundamente conservadora e a dois passos de escancarar as portas ao mais reacionário dos regimes: o salazarismo. [pro_ad_display_adzone id=”2724″]