Home Cultura Mia Couto: Uma história moçambicanaNuno Gomes Garcia·21 Fevereiro, 2020Cultura Entre 2015 e 2017, Mia Couto (Beira, 1955) publicou em três volumes “As Areias do Imperador”. Esta sua “epopeia” acaba de sair em língua francesa – “Les Sables de l’Empereur” – num único volume de quase 700 páginas graças à Éditions Métaillié e à tradução de Elisabeth Monteiro Rodrigues. Esta publicação é um contributo inestimável para o conhecimento de um dos mais dramáticos episódios da História moçambicana e, paralelamente, a mais importante incursão militar portuguesa de fins do século XIX nesta então colónia de Portugal. Mia Couto, galardoado com o Prémio Camões em 2013, é um dos mais importantes escritores africanos do momento e “adoçou” a língua portuguesa com o rico léxico moçambicano, criando assim uma prosa lírica bastante original e imediatamente reconhecível. Antigo estudante de medicina, biólogo e jornalista, dedicou-se à ficção, publicando, em 1992, o seu primeiro romance, “Terra Sonâmbula”. “As Areias do Imperador” retratam então os últimos anos do Império de Gaza e do seu chefe, Gungunhana (1850/1906), que, derrotado e aprisionado pelos Portugueses comandados por Mouzinho de Albuquerque, viria a morrer em Angra do Heroísmo. É este o cenário para a história de amor criada pelo autor moçambicano. Germano de Melo, um sargento português, é enviado para o sul de Moçambique para lutar contra a expansão de Gaza, cujo imperador, Gungunhana – aproveitando o jogo duplo da rainha Vitória de Inglaterra, isto num mundo pós Conferência de Berlim (1885), onde os europeus se entretiveram a partilhar entre si a terra roubada aos povos africanos – colocava em risco o predomínio português na região. O sargento e os seus companheiros de armas têm por objetivo pôr um fim às aventuras de Gungunhana que, por essa altura, já vê o seu poder enfraquecido por querelas internas. Estacionado no lugarejo de Nkokolani, o militar conhece uma adolescente de quinze anos, Imani, que se torna na sua intérprete. Ela é também a narradora da obra. “Chamo-me Imani. Este nome que me deram não é um nome. Na minha língua materna «Imani» quer dizer «quem é?». Este é um símbolo da permeabilidade da identidade de Imani, que não passa de mais uma negra para os Portugueses e que é desprezada pelos africanos que duvidam da sua fidelidade. A outra forma de seguirmos a história é através das cartas escritas por Germano de Melo. Ferido na guerra contra Gaza, Germano é levado para o hospital onde é tratado por Imani. O inevitável amor floresce e a rapariga engravida do sargento. São estes dois amantes que ao longo do livro narram alternadamente os acontecimentos que conduzirão à derrota e à captura de Gungunhana. O fim trágico de mais um império africano às mãos de uma potência europeia, abrindo-se assim as portas a um século XX tão sangrento para os povos africanos como os anteriores. Uma longuíssima obra, para degustar com calma, que termina com a viagem de Gungunhana até aos Açores, onde morrerá esquecido por todos. [pro_ad_display_adzone id=”37509″]