Muito se tem dito, muito se tem escrito estes últimos tempos sobre a participação portuguesa na Grande Guerra, outros escreveram no momento – antes de partir, durante a guerra, nas trincheiras – e um dos exemplos sendo é Joaquim dos Santos Andrade, apelidado, mais conhecido, nas suas terras, por «Pai Andrade».
Joaquim dos Santos Andrade nasceu a 16 de novembro de 1892, em Murtais, na freguesia de Moncarapacho e faleceu a 2 de agosto de 1971, no Instituto dos Inválidos do Comércio, em Lisboa.
Era filho do trabalhador agrícola, Manuel Andrade e de Maria da Cruz Viegas. Casou com Adélia de Jesus, da freguesia de Quelfes, quando ela tinha apenas 19 anos, a 9 de dezembro de 1916, estando Joaquim dos Santos Andrade já mobilizado aquando do casamento. Embarcou para França alguns meses depois do casamento, a 27 de julho de 1917.
Joaquim dos Santos Andrade participou na Batalha de La Lys, a 9 de abril de 1918. Fazia parte do Regimento de Infanteria de Tavira, e era miliciano. Desapareceu naquele dia, tendo sido feito prisioneiro. Regressou a Portugal e desembarcou em Lisboa a 28 de janeiro de 1919.
O casamento entre Joaquim e Adélia foi dissolvido, por falecimento desta, bem cedo, a 2 de junho de 1926.
Pelos poemas que escreveu foi chamado de «O Poeta das Trincheiras», poemas nos quais se fala do viver, da experiência do que foi a I Guerra mundial, a sua guerra.
Reproduzimos um dos seus poemas no qual este reflecte a vivência e as experiências da guerra.
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Nas Trincheiras
Mote
Metido em mísera trincheira,
Ouvindo o troar do canhão
Vou responder à tua carta
Querida esposa do coração.
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Glosas
Não sei quando há-de terminar
Esta ausência tão custosa
E venha a hora ditosa
De te tornar a abraçar
Só quando rebentar
O eixo desta barreira,
E desapareça a cegueira
Desta luta – o tirano autor;
Que me causa tanto horror,
Metido nesta trincheira!…
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Eu ouço zumbidos estranhos
Atravessando a atmosfera;
Eu vejo revolver-se a terra
Com os morteiros tamanhos;
Cercado de fogos medonhos
Se vê o meu coração;
Eu peço a Deus perdão
E à Virgem Maria socorro
A ver se ainda não morro
Ouvindo troar o canhão!…
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Mas sempre há uma esperança
É nessa crença que eu vivo
Porque não vejo nenhum motivo
De morrer assim criança,
A saudade é uma lança
Que risca o espaço de prata
Oh! Que vida tão ingrata
Estou próximo da sepultura
E vivendo na amargura
Vou responder à tua carta!…
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Escrevo-te com mil carinhos,
Já que não pode ser mais,
Dá saudades aos nossos pais
E recebe ternos beijinhos
Roga a Deus e aos anjinhos
E ao Santo João
Que me leve em salvação,
P’ra minha terra natal
Querida esposa do coração!…
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In António Telo, «As Forças Armadas ou a República Decapitada» in História de Portugal. Dos tempos pré-históricos aos nossos dias, direção de João Medina, Volume XV, Ediclube, 2004, pp.61-70.