Saúde: Ficar na cama o dia todo


Todos nós já tivemos um dia de preguiça na vida. Faz parte. No final de uma semana de trabalho além da conta, o dia em que ficamos na cama até mais tarde ao sábado de manhã ou o dia de feriado em que chove lá fora e só queremos ficar deitados no sofá debaixo de uma manta. A nossa energia varia e isso, até certo ponto, é normal.

A doença mental não é um estado de espírito ou um fenómeno de um único dia. Mas a vontade de ficar na cama, o dia todo, todos os dias, pode indiciar um problema. A maioria das vezes é.

O cansaço extremo, a falta de motivação ou vontade e o receio de enfrentar o dia podem ser sintomas de doenças médicas não tratadas (como anemia ou doenças da tiroide, por exemplo) ou sintomas de uma depressão ou ansiedade não tratadas.

Na depressão estamos cada vez mais tristes, muitas vezes sem razão, e já não somos capazes de apreciar aquilo que antes nos dava prazer. É uma doença e, como doença que é, precisa de tratamento.

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A cama deve servir a sua função – dormir. A partir de um certo ponto, quanto mais tempo na cama, mais cansados, física e psicologicamente. As costas doem, os músculos ficam tensos, as pernas inchadas. A energia e a motivação escapam, ficamos tristes e ansiosos.

E, muito importante, vamos ter muita dificuldade em adormecer na noite seguinte. Muitas queixas do sono descritas pelos doentes como “insónia” têm uma causa evidente – demasiadas horas na cama. Isto torna-se mais frequente à medida que a idade avança e há duas coisas que mudam simultaneamente – temos menos obrigações e precisamos de menos horas de sono. “Fico acordado até tarde a fazer o quê?” Ou “Vou-me levantar cedo para quê?”.

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Isto pode vir como uma surpresa, mas estar mais tempo na cama ou a dormir não nos vai deixar menos cansados. Não basta dormir muitas horas ou “sem interrupções” para ter um sono reparador.

A alternância de fases de sono (REM e NREM, cada uma com a sua função) é essencial para a sensação de sono reparador. É isto que nos dá a sensação de uma noite de sono reparador e a energia que precisamos para o dia seguinte.

O padrão de sono é variável de pessoa para pessoa e é regulado por um “relógio” interno que se situa ao nível da glândula pineal. Os seres humanos têm este “relógio” programado para estarem acordados durante o dia, quando existe luminosidade, e dormir de noite, quando a luminosidade está reduzida ou é inexistente. A este ritmo de sono / vigília de cada pessoa chama-se ritmo circadiano. Quando não respeitamos este nosso “ritmo”, há alteração na produção de neurotransmissores e hormonas de stress. Além de causar “estragos” ao cérebro, existe prejuízo do pensamento, comportamento e regulação emocional, que podem condicionar o aparecimento de doença mental.

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Dormir, sim. Descansar, sim. Mas, ao final de uma noite de sono bem dormida, devemos levantarmo-nos e levar a vida o mais ativa possível. Exercício físico e momentos do dia no exterior (o escritório sem janelas não conta como tempo no exterior).

“Mas e se eu não me sinto descansada ou dormi mal?” A luta contra o sono existe. E, muitas vezes, quanto mais o tentamos agarrar mais ele insiste em fugir. A dança das horas “quando os outros dormem, mas eu não” pode ser um desafio. A triste resposta é: é mais importante ainda levantarmo-nos de manhã. Dormir até mais tarde, descansar os olhos no sofá ou fazer uma sesta para “compensar as horas que não dormi à noite” só vai ajudar a desregular ainda mais o nosso relógio biológico. E descansar na cama sem dormir, também não vai ajudar.

As tradicionais curas de sono que tanta gente me pede na consulta são um tratamento do passado e que deve permanecer no passado.

Mas, se o problema persistir, as noites em claro não têm que ser uma constante. A ajuda existe. Quando não se dorme é preciso perceber porque é que não se dorme. É essencial uma avaliação capaz e um tratamento – o adequado. O psiquiatra está lá para isso.

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Dra. Maria Moreno

Médica Psiquiatra

Clínica Fisiogaspar, em Lisboa

LusoJornal