Um livro de Joëlle Nascimento : “Les Disloquées” – A emigração no feminino

Neste seu primeiro romance, “Les Disloquées” (Petra), acabado de chegar às livrarias, Joëlle Nascimento oferece-nos uma história alicerçada numa abordagem diferente e inovadora da emigração portuguesa em França. Feminina e contemporânea, visto girar em torno de duas mulheres – Milène e Edite – profundamente modernas, a história é tomada por um salutar vazio masculino.

A autora, em entrevista à rádio AligreFM, na qual também é animadora, salientou que “já existe tanta Literatura sobre homens e quando falamos de emigração colocamos sempre em destaque as figuras masculinas. Eu, pelo contrário, quis contar uma história no feminino, colocando os homens em segundo plano”.

Graças às suas duas protagonistas, este romance, “escrito em nove meses”, insere-se na temática da procura da identidade e da transmissão cultural.

Milène, uma advogada de 40 anos, viveu em Portugal até aos 11. Veio então para França onde, sem reservas, se deixou assimilar pela sociedade e cultura francesas. “Milène inseriu-se na sociedade francesa, renunciando a uma parte dela mesma, ao seu início de vida, quando era uma criança portuguesa. Ela desejou tanto fundir-se na sociedade de acolhimento que optou por renunciar a sua cultura de origem. E essa atitude deu resultados, funcionou, até chegar aos 40 anos de idade”, esclarece Joëlle Nascimento.

A autora, à semelhança deste seu personagem, é diplomada em Direito, viveu em Portugal até aos 11 anos e redescobriu tarde as suas origens. “Eu nunca vivi rodeada pela Comunidade portuguesa em França”, diz Joëlle Nascimento, “os meus pais não mantinham grandes relações com portugueses ou lusodescendentes. E eu reatei os laços com os meus compatriotas de origem bastante tarde, aos 40 anos, quando senti vontade de me ligar à minha própria história”.

A outra personagem, Edite, 20 anos, é uma jornalista portuguesa cuja mãe nasceu em França. Talvez por isso, ela resolve vir a França fazer uma reportagem sobre mulheres lusodescendentes. É nesse momento que conhece Milène e se gera uma amizade que levará ambas as mulheres a fazer as pazes com o seu passado.

Outro dos elementos pertinentes contidos neste livro é a premissa que lhe dá corpo: poderá uma mulher amputada da sua cultura e da sua língua de origem ser uma mãe completa?

Joëlle Nascimento admite que, embora não se tenha colocado diretamente a questão, fosse natural que ela “a habitasse já sem que eu o soubesse”, pois sentiu dificuldades inexplicáveis, enquanto mãe, em transmitir o seu passado, “em transmitir qualquer coisa que ainda não tinha assumido”, explicando que “transmitir é ter e nós só podemos transmitir o que temos e o que somos. Quando estamos nós próprios ainda em busca de identidade, é-nos difícil transmitir o que quer que seja”.

Um romance que funciona como um vaivém entre a França e Portugal, entre as duas culturas, que abarca diferentes gerações e que tenta combater certos clichés sobre Portugal e os portugueses que ainda persistem na sociedade francesa. Estereótipos que para os portugueses que cresceram no pós-25 de Abril não passam, no mínimo, de puros anacronismos, mas que provam a resiliência dos clichés, por mais disparatados que sejam.

Um livro que, através de personagens em pleno processo de busca do sentido da existência no caldo pluridentitário da Diáspora, explica ao leitor, nas palavras de Joëlle Nascimento, que “há a tendência para olhar para as deslocações migratórias como sendo realizadas em grupo. Ora, dentro desse grupo existem indivíduos e cada um deles vai viver o seu exilio à sua maneira”.

 

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LusoJornal