Livros: A diplomacia brasileira em África

Lionel Amahata Kiabega, professor de Ciência Política na Universidade de Yaoundé II (Camarões), analisa em “Le Positionnement du Brésil dans le Paysage Diplomatico-Politique Africain” (publicado em finais de 2019) o papel do Brasil na revitalização da cooperação Sul-Sul. Uma ofensiva diplomática brasileira nos anos pós-2003 graças a uma mudança de paradigma fomentada pelo Governo Lula que viu em África um dos polos dinamizadores da afirmação do Brasil no mundo.

Este trabalho de Kiabega parte de um facto muito simples: o Brasil é o segundo país do mundo, a seguir à Nigéria, com maior população negra. Como este facto, por muito interessante e relevante que seja, não é suficiente para justificar seja o que for, o autor salienta também a emergência do Brasil, a nova potência económica e política, além do desejo brasileiro de ter uma palavra a dizer em África.

Aproveitando então o caso do seu país natal, os Camarões, o autor alicerça este seu estudo na atual cena internacional, muito mais próxima de um mundo multipolar do que bipolar (domínio dos EUA e da URSS durante a Guerra Fria) ou unipolar (hegemonia dos EUA entre 1990 e 2008). Hoje, embora a China seja o mais que provável substituto dos EUA como primeira potência mundial – permitindo assim ao “Império do Meio” retomar o seu lugar de centro do mundo perdido para a Europa e para o Ocidente durante os últimos quinhentos anos, desde a chegada de Vasco da Gama à Índia em 1498 – existe uma série de potências regionais que têm uma palavra a dizer na política e na diplomacia global.

É então neste sentido que entra, por um lado, o Brasil, que, como potência regional, pode, graças à sua dimensão, população e recursos, aspirar a um papel global e, por outro lado, a África como principal campo de batalha. O potencial demográfico e os riquíssimos recursos do subsolo do continente africano fazem dele um parceiro insubstituível para as potências que aspiram à hegemonia global. Devido a uma Europa ultrapassada pela sua própria História colonial e a uns EUA absolutamente incapazes de compreender as sinergias africanas, a China tornou-se no parceiro preferido da maioria dos países africanos graças, dizem os interessados, a uma postura pós-colonial do Estado chinês que, ao contrário das potências Ocidentais, olha para os Estados africanos “como iguais” e não como “vassalos”.

O Brasil – que juntamente com a China, Rússia, Índia e África do Sul forma aquilo a que se convencionou chamar de BRICS (se hoje ainda faz sentido falar em BRICS é toda uma outra questão) – partilha com África, segundo o autor, “numerosas similitudes ligadas às variáveis geofísicas, climáticas, espirituais e raciais. O que participa ao reforço do sentimento de fraternidade e de solidariedade”.

Estas afinidades entre África e Brasil, todavia, não chegam para equilibrar as relações entre os dois lados do Atlântico, pois esta jovem política exterior brasileira no que concerne a África está repleta de “pontos fortes” e de “descontinuidades” sendo as mais recentes, respetivamente, a grande ofensiva diplomática de Lula da Silva e a sua “diplomacia de viagem”, seguida do seu enfraquecimento no Governo de Dilma Rousseff, crime económica oblige, e, mais recentemente, o total retrocesso devido à viragem protagonizada pelo Governo Bolsonaro, cuja política neoconservadora o faz olhar para o norte e para os EUA de Trump.

Um livro de grande utilidade para nós, europeus vitimados por uma abordagem sempre eurocêntrica e pró-ocidental que nos é martelada através daquilo que lemos e ouvimos nos órgãos de comunicação social, pois abriga-nos a ver o mundo com outros olhos, os olhos daqueles que foram colonizados e explorados pelos nossos países.

 

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