LusoJornal / Mário Cantarinha

Bordeaux: Comité Aristides teve de adiar as comemorações de junho para o 2° semestre

O Comité Nacional de Homenagem a Aristides de Sousa Mendes, em Bordeaux, tinha previsto para o primeiro semestre deste ano, um grande evento para comemorar os 80 anos dos vistos passados pelo antigo Cônsul de Portugal em Bordeaux durante a II Guerra mundial, mas as comemorações acabaram por não acontecer devido à situação de pandemia e o programa foi adiado para o segundo semestre.

Durante a II Guerra Mundial, Aristides de Sousa Mendes preferiu desobedecer a Salazar e salvar milhares de vidas, passando vistos de circulação para Portugal. Toda a família da apresentadora de televisão e ex-mulher de Dominique Strauss-Kahn, Anne Sinclair, foi salva pelo ex-Cônsul de Portugal em Bordeaux, “assim como a família Rothschild, a família real do Luxemburgo, a família real da Áustria, uma parte do Governo belga, o General Leclerc recebeu um visto do Aristides em Bayonne no dia 22 de junho de 1940 e passou por Lisboa para se juntar ao General De Gaulle em Londres, o grande artista espanhol Salvador Dalí e outras grandes figuras foram salvas por Aristides de Sousa Mendes” disse Manuel Dias, Fundador e Vice-Presidente do Comité. “Mas Aristides de Sousa Mendes não salvou apenas pessoas ilustres, salvou milhares de pessoas do povo, algumas delas nem tinham dinheiro para pagar os vistos”.

Numa entrevista “Live” ao LusoJornal, evocando o evento que devia ter tido lugar no primeiro semestre deste ano, Manuel Dias explicou que “este projeto consistia em recordar o que se passou aqui em França, mas também o papel de Portugal durante a II Guerra mundial”.

“Trata-se da invasão da França, em 1940, da multidão de refugiados que vieram para Bordeaux, que era, naquela altura, a sede do Governo francês, e também o papel relevante de Portugal porque 360.000 refugiados transitaram por Portugal. Todos os inquéritos que foram feitos nos Estados Unidos, no Brasil, no Canadá, revelam o acolhimento e a hospitalidade do povo português. Todos os refugiados que passaram por Portugal guardaram uma imagem muito boa do povo português e não forçosamente do regime” diz Manuel Dias.

 

Uma exposição em três línguas

Um dos objetivos do Comité Aristides de Sousa Mendes era fazer o inventário dos arquivos, em França, em Portugal, nos Estados Unidos, no Canadá, na Holanda, no Luxemburgo, na Bélgica… “Procuramos os vistos, testemunhas de refugiados, arquivos dos próprios refugiados, procuramos nos arquivos públicos, mas também nos arquivos privados, muito trabalho foi feito junto da família do Aristides, mas também nas famílias dos refugiados. É um trabalho extraordinário que foi feito no Canadá e nos Estados Unidos para a Fundação Aristides americana”.

Deste trabalho resultou uma exposição em 3 línguas – português, francês e inglês – que se chama “Vistos pela vida e pela liberdade”, que devia ter sido inaugurada no dia 17 de junho, em Bordeaux, mas foi adiada para 9 de outubro. O Comité também mandou gravar uma medalha comemorativa e concebeu um catálogo da exposição, também em 3 línguas.

A exposição deve depois circular entre Bordeaux, Nova Iorque e Lisboa, sabendo que em Portugal, por exemplo, várias outras cidades se mostraram interessadas em a programar, como é o caso da Figueira da Foz, do Porto ou de Cascais…

Para além do Comité francês de homenagem a Aristides de Sousa Mendes, em Bordeaux, existe também uma Fundação em Portugal e uma Fundação Aristides nos Estados Unidos, com antena no Canadá. “Nós trabalhamos em rede, mesmo se cada uma das estruturas tem os seus objetivos e a sua realidade. Temos encontros todos os anos” explica Manuel Dias.

Também o programa pedagógico que o Comité Aristides tem mobilizado nos colégios e liceus da Nouvelle Aquitaine teve de ser interrompido este ano, mas Manuel Dias diz que vai continuar no próximo ano letivo. Em 2019/2020 o programa implicava cera de 370 alunos, mas no ano letivo 2020/2021 devem juntar-se mais 200 alunos.

 

Projeto de um Museu em Cabanas de Viriato

A casa de Aristides de Sousa Mendes em Cabanas de Viriato, no concelho de Carregal do Sal, foi enfim intervencionada e já não está em riscos de ruir. “A casa foi salva e no interior há um projeto para ali criar um museu. A restauração está a ser negociada com a Câmara municipal do Carregal do Sal, com a Direção regional da cultura do Centro, em Coimbra e com fundos europeus” diz Manuel Dias ao LusoJornal. “O objetivo era criar naquela casa um polo de reflexão em Portugal sobre a ação do Cônsul Aristides de Sousa Mendes, claro, mas também sobre a problemática dos refugiados porque Portugal recebeu durante o período da II Guerra Mundial mais de 360.000 refugiados, algumas delas figuras importantes, que circularam pelo nosso país e não há praticamente nada em Portugal que evoque este período”.

Brevemente vai haver uma cerimónia de homenagem a Aristides de Sousa Mendes no Panteão Nacional – sem transladação do corpo – numa iniciativa da Deputada Joacine Katar Moreira, votada quase por unanimidade na Assembleia da República, não fosse a abstenção do Deputado André Ventura do partido Chega.

Manuel Dias evocou também o facto do Papa Francisco, no dia 17 de junho, Dia mundial da consciência, ter recordado e sublinhado o papel relevante do diplomata português que desobedeceu às ordens de Salazar e que salvou milhares de pessoas. “Eu acho que o facto de se dignificar a memória do Aristides e o papel do povo português durante o período da Guerra pelo acolhimento aos refugiados, é uma maneira de estar a dignificar a nossa nação. Eu penso que os Portugueses de França, de Portugal e do mundo, devem sentir-se orgulhosos de ter na nossa cultura e na nossa história uma figura como Aristides de Sousa Mendes” diz o Vice-Presidente do Comité Aristides. “O trabalho que nós fizemos aqui foi nesse sentido, que a Comunidade portuguesa de França se aproprie de uma das figuras importantes de Portugal no século XX, que marcou a história de Portugal e a história da humanidade”.

Muito trabalho de divulgação já foi feito. Existem livros em diferentes línguas, existem filmes, conferências, bandas desenhadas e “o Comité também acompanhou um projeto que está em curso realização de um novo filme sobre a herança do Aristides, produzido pela Pyramide Productions para a televisão francesa. O Comité foi um parceiros e também parceiro financeiro deste novo filme que vai sair na televisão portuguesa e na televisão francesa em fins de 2020, princípio de 2021”.

 

Comunidade portuguesa implica-se menos

Manuel Dias diz que na vida do Comité, criado em Bordeaux há 33 anos, houve três momentos importantes: o primeiro foi a vinda da família – “porque nós, quando começámos o nosso trabalho fizemos vir os membros da família aqui a Bordeaux. Foi um momento importante da vida do Comité” – o segundo momento importante foi o processo Papon e o terceiro foi a inauguração do busto da Aristides na capital da Nouvelle Aquitaine.

O busto de Aristides em Bordeaux foi inaugurado pelo então Presidente da República portuguesa Mário Soares e pelo então Maire de Bordeaux Jacques Chaban-Delmas, que nessa altura era o Presidente da Assembleia Nacional francesa. A iniciativa é do Comité e o busto foi financiado pela Comunidade portuguesa de França, com o apoio do Conseil Départemental e do Conseil Régional.

Nos últimos 5 anos, todos os anos, no dia 18 de junho, depois da cerimónia oficial comemorativo do Apelo do General De Gaulle, “há uma segunda cerimónia oficial presidida pelo Préfet, na presença dos autarcas da região, com as autoridades civis e militares da República francesa e com a presença, evidentemente, do Cônsul geral de Portugal em Bordeaux” lembra Manuel Dias.

O processo de Papon, que teve lugar há 22 anos em Bordeaux, foi um bom pretexto para destacar o ato de Aristides de Sousa Mendes. Enquanto que a defesa de Papon dizia que ele era apenas um mero executante das ordens superiores, o Comité contrapôs que Aristides de Sousa Mendes ousou desobedecer a Salazar porque mais importante eram as vidas que estavam em jogo.

Uma grande parte da família de Aristides de Sousa Mendes emigrou para os Estados Unidos e para o Canadá. “Uma parte também está na Bélgica, com quem nós estamos em contacto. O neto de Aristides, Gérald Mendes, mora em França e é Vice-Presidente do Comité” explica Manuel Dias. Também a filha de Aristides, Marie Laure, da segunda mulher francesa do ex-Cônsul, que mora em Pau, é membro do Comité. “O Comité não faz nenhuma iniciativa em Bordeaux sem associar a família”.

Na região Nouvelle Aquitaine, mas não só, existem dezenas de ruas com o nome de Aristides de Sousa Mendes, em Hendaye, em Bayonne, em Pessac, em Bégles… mas em Bordeaux há também uma escola com o nome de Aristides, a Biblioteca central de Anglet chama-se Aristides de Sousa Mendes, em Léognan há também uma praça consagrada a Aristides…

“Nós começámos há 33 anos a plicar todas as coletividades locais. Houve também uma implicação muito significativa da Comunidade judaica na região de Bordeaux, foi menos verdade da parte da Comunidade portuguesa” lamentou Manuel Dias. “Isso não quer dizer que a Comunidade portuguesa não adere, mas não se implica tanto, não houve uma grande apropriação da nossa Comunidade”.

 

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