Vítimas portuguesas dos atentados: Julgamento é “importante” para quem testemunhou no processo do 13 de novembro

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Os testemunhos de vítimas e familiares no julgamento dos atentados de 13 de novembro de 2015, em Paris, terminam na semana passada, com os familiares das vítimas portuguesas a reforçarem que “não há justiça” possível, mas o processo “é importante”.

“Não há justiça possível. Eu perdi o meu pai, ele não vai voltar. As pessoas que estão a ser acusadas não são a pessoa que matou o meu pai. Para a história é importante e indispensável haver este julgamento, mas não dá para voltar atrás”, afirmou Sophie Dias, filha de Manuel Dias que morreu no dia 13 de novembro no Stade de France, em declarações às Lusa.

Seguindo a ordem cronológica dos ataques, 350 vítimas e familiares de vítimas, contaram nas últimas cinco semanas o impacto que os atentados do 13 de novembro tiveram nas suas vidas.

Entre os relatos aterrorizantes de quem sobreviveu aos ataques ao Bataclan e aos cafés no 11º bairro, o vazio deixado nas famílias das vítimas mortais e quem lá esteve para os primeiros socorros, viveram-se momentos de grande emoção no Tribunal de Paris.

Sophie Dias foi uma destas pessoas, lembrando o pai e dando conta da dificuldade de contacto com as autoridades francesas naquela noite. “Expliquei onde estava nesse dia, quem era o meu pai, as buscas que realizei e a espera muito longa até saber o que realmente aconteceu. Foi difícil, é sempre difícil voltar a explicar tudo”, disse a lusodescendente que falou no final de setembro no Tribunal de Paris.

Algo ainda mais complicado para a filha de Manuel Dias, que perdeu a vida há quase seis anos, foi falar ao lado dos 14 homens acusados, considerando que há falta de respeito para com as vítimas. “A atitude deles é completamente inadmissível. São pessoas que não respeitam a nossa presença, que estão a dormir durante o julgamento”, lembrou.

Patrícia Correia, mãe de Precilia Correia que morreu no ataque ao Bataclan, também deu o seu testemunho, considerando que esta é uma etapa “necessária” para inscrever as vítimas destes atentados na história francesa e do Mundo. “Era algo necessário, porque contei tudo o que vivi nos últimos seis anos. É uma etapa e não é isto que nos vai ajudar a avançar, porque é tão difícil perder um filho. Estamos lá para falar sobre as nossas emoções, a nossa dor e há muitas pessoas que têm dificuldade em fazê-lo, mas eu tinha de fazer pela memória da minha filha”, indicou Patrícia Correia, que testemunho no tribunal a 22 de outubro.

Entre alguns os momentos mais marcantes nestas cinco semanas ficam os relatos sobre a repetição das justificações dos terroristas enquanto disparam sob a multidão no Bataclan, os reféns que conviveram com os terroristas e a difusão de uma gravação de mais de quatro minutos do que se passou dentro da sala de espetáculos encontrada no telemóvel de uma vítima.

Para dar apoio às testemunhas e à audiência, vários psicólogos foram destacados para o tribunal, acompanhando quem se mostrou mais emocionado pelos relatos.

Mesmo sendo difícil, Sophie Dias pensa continuar a acompanhar o julgamento, até porque é quase impossível fugir ao tema que domina a atualidade francesa. “Não voltei ao Tribunal [depois de testemunhar], tentei não acompanhar, mas é difícil. Conheço várias vítimas ou famílias de vítimas do Bataclan. Basta ligar a televisão ou ver jornais para se falar no julgamento. Conectei-me algumas vezes à webradio, apesar de ter prometido a mim própria que não o ia fazer”, confessou.

Os familiares que não se quiserem deslocar até ao tribunal, têm acesso às audiências através de uma emissão em tempo real e difundida na internet.

Já Patrícia Correia tenta intercalar as presenças em Paris com viagens até Portugal, onde Precília está sepultada. Algo que lhe permite recuperar as forças para voltar ao processo. “Tudo está bem organizado, temos tempo para falar, ninguém nos censura, embora seja uma organização complicada. É muito duro ouvir os outros testemunhos, porque estão também presentes as pessoas que ficaram gravemente feridas naquela noite. Já para não falar das pessoas que nos pedem desculpa por estarem vivas e os nossos filhos não estarem”, contou.

Do Estado francês, Sophie Dias não espera mais nada. O processo de indemnização das vítimas não está resolvido com o Fundo de Garantia das Vítimas de Terrorismo, os advogados são custeados pelas próprias famílias e desde que o atual Presidente, Emmanuel Mácron, subiu ao poder, não houve qualquer contacto com a família de Manuel Dias. “Não tenho qualquer expectativa. Não sei o que faz o nosso Presidente francês, mas ele nem está presente nas cerimónias nacionais. É só lamentável. Este ano ele pode lá estar, por razões de campanha, mas nós não temos qualquer contacto com o Governo francês”, explicou, salvaguardando o papel das autoridades portuguesas, já que foi o Consulado-Geral de Portugal em Paris que confirmou à família a morte de Manuel Dias – 24 horas antes de qualquer contacto por parte das autoridades francesas.

Apesar de obedecer a todos os trâmites legais, Patrícia Correia não acredita que haja algum desfecho satisfatório para este julgamento, já que não é possível contabilizar em anos de prisão para os acusados a dor das famílias. “A justiça vai fazer-se de acordo com as leis da República francesa e nos limites dos Direitos do Homem, mas muitas pessoas lesadas não vão ficar satisfeitas. A dor, a perda, a ausência no quotidiano não pode ser ressarcida pela justiça. Haverá uma grande frustração”, concluiu.

Nos atentados de 13 de novembro de 2015 morreram 130 pessoas e mais de 400 ficaram feridas em ataques que aconteceram no Stade de France, em Seine-Saint-Denis, na sala de espetáculos Bataclan e também em vários cafés e bares do 11º bairro de Paris.

O julgamento entrou agora numa nova fase onde os acusados vão estar sob análise, podendo exprimir-se sob o seu papel nos atentados. O fim do julgamento está previsto para maio de 2022.

 

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LusoJornal