Casal de emigrantes queixa-se que Câmara de Amarante lhes destruiu um sonho


Em Telões e Freixo, duas freguesias do concelho de Amarante, um casal de emigrantes portugueses em França, entre os 70 e os 80 anos, está envolvido num “processo kafkiano” que dura há mais de uma década, culminando na destruição do seu “projeto de vida”. “São vítimas colaterais de um projeto industrial ilegal apoiado pela Câmara Municipal de Amarante” diz Roger Carvalho, filho do casal, explicando que os pais “veem o seu lar ser sufocado por ruído, poluição e abandono institucional”.

António e Maria viveram muitos anos em França, mas ambos sonhavam regressar à sua terra natal e passar ali os últimos anos com dignidade. Durante décadas, pouparam com esforço para adquirir e construir uma pequena casa num terreno rodeado de vinhas, habitações e zona florestal em Telões, confrontando com Freixo. “A casa, apesar de modesta, simbolizava o regresso às origens, após anos de trabalho árduo na emigração” explica Roger Carvalho, que foi cofundador da extinta Confraria dos Financeiros, em Paris.

Só que, logo por cima da casa, foi construída e depois expandida uma fábrica de urnas “sem as devida licenças, nem condições de segurança”.

“Apesar das dezenas de denúncias, relatórios técnicos e decisões judiciais pendentes, a Câmara Municipal não só ignorou os alertas como licenciou a ampliação da unidade industrial em 2025” denuncia Roger Carvalho.

Segundo o casal de emigrantes, em 2009, a empresa RC Global Urnas Lda adquiriu um pavilhão comercial implantado numa zona classificada no Plano Diretor Municipal (PDM) de Amarante como ‘Espaço Urbano Consolidado’ e ‘Espaço Agrícola Complementar’. Esta zona estava integrada num contexto claramente residencial e agrícola, sem qualquer vocação industrial. No ano seguinte, vizinhos começaram a notar a instalação de maquinaria pesada. A primeira queixa formal à Câmara Municipal data de maio de 2010. Alegavam-se irregularidades das obras, risco de incêndio (a fábrica já tinha sofrido um incêndio na Lixa), poluição atmosférica e sonora. A partir desse momento, foram apresentadas dezenas de queixas e comunicados formais à Câmara Municipal, à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), a ministérios e outras entidades competentes. Nenhuma respondeu com ações concretas” dizem numa nota enviada ao LusoJornal.

“Durante anos, a atividade industrial da RCG continuou a desenvolver-se, apesar de não cumprir normas legais básicas. A unidade está a menos de 50 metros de residências, não tem acessos compatíveis com veículos de emergência e emite partículas perigosas e odores tóxicos que impedem os residentes de usar os seus jardins ou mesmo manter as janelas abertas”.

Em 2016, o casal intentou uma ação judicial no Tribunal Administrativo de Penafiel, incluindo uma providência cautelar. O processo arrastou-se por anos, mas em 2023, o Tribunal ordenou uma perícia técnica independente.

Esta perícia confirmou as suspeitas. “A localização da fábrica é totalmente inadequada para atividades industriais; os níveis de ruído são excessivos e ilegais; as emissões atmosféricas são nocivas à saúde; a fábrica foi construída em violação da legislação urbanística e ambiental; o risco de incêndio é real e grave” resume o casal na nota enviada ao LusoJornal.

Mas o resultado é que, contrariamente ao que esperava o casal, “em março de 2025, a Câmara Municipal de Amarante aprovou a ampliação da fábrica, agravando os problemas já existentes e tornando a convivência impossível. Em 2017, já tinha modificado o PDM para ‘legalizar’ a situação, invertendo o princípio da legalidade e colocando o interesse privado acima do interesse público e do ordenamento do território” explica Roger Carvalho. “O processo judicial, inexplicavelmente, permanece sem decisão até hoje. Pior: o requerente foi multado pelo tribunal por ter perguntado o que se passava com o andamento do processo”.

Roger Carvalho não se poupa a críticas: diz que se trata de “um caso de abandono” e “levanta dúvidas legítimas sobre a incompetência ou outra forma de influência institucional nas autarquias e no sistema de justiça. Como é possível que um projeto industrial com provas de ilegalidade documentadas e risco ambiental concreto, seja não só permitido, mas alargado com o apoio da autarquia?”

O que começou por ser o sonho de um regresso tranquilo à terra natal, tornou-se num pesadelo ambiental e jurídico. Um casal de emigrantes portugueses, de 70 e 80 anos viu esse sonho “aniquilado”. Hoje, em vez de paz, encontraram “ruído constante, cheiros químicos intensos e um sentimento crescente de abandono pelas autoridades que deveriam protegê-los”.

O casal “sente-se traído por um Estado que devia protegê-los” e não esperava que fosse o próprio país a negar-lhe “um lar seguro no final da vida”.

Roger Carvalho deixa um “apelo à ação”. Considera que “este caso não é apenas sobre poluição ou urbanismo. É sobre justiça, dignidade e direitos fundamentais. É sobre como o poder público pode ser instrumentalizado contra os mais fracos quando a transparência e a legalidade são substituídas por conveniências privadas”.