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À descoberta do Museu e da Arrecadação do Cemitério Militar Português de Richebourg

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Por António Marrucho e Christine da Costa

 

No fundo do Cemitério militar português de Richebourg existem duas pequenas construções, a da direita considera-se como sendo o Museu e a da esquerda servindo de arrumações.

Estão em curso atualmente obras no telhado destas duas construções, razão que nos despertou a curiosidade de conhecermos o conteúdo destes dois espaços.

 

A arrecadação

O conteúdo da da pequena arrecadação questiona por diversas razões, mas confirma também algumas suposições. Ali existem mais de duas dezenas de pedras, as quais podemos chamar de marcos. Estas pedras teriam feito parte do Cemitério, delimitando os quatro talhões – A, B, C e D. Marcos que, segundo informações recolhidas pelo LusoJornal, foram removidos pela empresa responsável pela manutenção do Cemitério sob pretexto que as ditas pedras perturbavam o trabalho ou dariam mais trabalho no corte da relva.

Ali estão igualmente presentes todos os nomes – ou quase todos – dos soldados enterrados no cemitério, dentro de um saco repleto de pequenas placas nominativas, provavelmente para serem colocadas nas campas e assim paliar o facto de grande parte dos nomes dos soldados estarem parcialmente ou totalmente invisíveis nas respetivas lápides.

O mais curioso, estranho e que questiona, é o facto de ali estarem 8 pedras com um metro de altura, tais como as outras 1.831 do Cemitério militar português, 7 com nomes de soldados e uma com a inscrição de soldado desconhecido. Sete das pedras estão em muito bom estado, prova de não terem estado muito tempo de pé no exterior da arrecadação.

Estranho, porque tivemos a impressão que todas as pedras estiveram em parte enterradas, cerca de 30 centímetros. Há como que uma linha de demarcação, esta parte das pedras estando um pouco usadas, mais sujas e com pequenas brechas. Se estiveram enterradas, quando e onde? Se colocadas no seio do Cemitério de Richebourg, teriam sido retiradas antes do acabamento e forma atual do Cemitério (1938)? Este último não teria a forma geométrica que o caracteriza desde 1938 se as pedras tivessem sido retiradas depois desta data.

Outra hipótese, está baseada em testemunho oral que terá passado do primeiro guarda do Cemitério, o soldado gaseado Augusto, a Francisco Duarte – o tio Chico do esteireiro de Marinha do Ribatejo – e finalmente a José Silva, último guarda do Cemitério: houve pedras que foram esculpidas em duplicata, algumas delas teriam ido para um monte, havendo com certeza ainda hoje nas redondezas algumas destas pedras que estão em entradas e em casas, recuperadas que foram por habitantes da zona.

O último guarda do Cemitério militar português de Richebourg lembra-se de ter movido duas das pedras que estão na arrecadação, estas estando uma contra a outra perto do pequeno monumento comemorativo junto ao Museu. Será que todas as outras placas assim estiveram – umas contra as outras – protegendo-se das condições climatéricas e explicando o bom estado de conservação?

Uma dessas placas encontradas na arrecadação está partida na parte cimeira, trata-se da campa do soldado n°21787, Batista Soares, natural de Esposende, Cinfães, dado como desaparecido durante a Batalha de La Lys. Houve neste caso uma substituição da pedra. A atual encontra-se em excelente estado. Batista Soares está enterrado no talhão B, linha 3, campa 14. Aqui temos a prova, se necessário fosse, que campas houve no Cemitério, que não conseguimos situar no tempo, foram substituídas. Quantas e quando?

A pedra com a indicação de “Soldado Desconhecido” não é do soldado desconhecido que foi levado da Flandres e está sepultado no Mosteiro da Batalha, porque a sua chegada à Batalha data de 10 de abril de 1921 e nessa altura o Cemitério militar português de Richebourg ainda não existia.

Uma das placas não coloca problema particular na sua identificação: trata-se de Óscar Monteiro Torres, o único aviador que faleceu em combate na história de Portugal.

Foi abatido a 20 de novembro de 1917. Óscar Monteiro Torres teve 3 sepulturas em França antes de ser definitivamente enterrado em Portugal: como foi abatido na região, foi uma primeira vez sepultado em Laon, foi num segundo tempo transferido para o Cemitério britânico de Vieille Chapelle e depois para o Cemitério militar português de Richebourg. Interessante seria localizar o túmulo que o substituiu em Richebourg. Óscar Monteiro Torres foi transplantado para Portugal onde teve cerimónias nacionais a 22 de junho de 1930. Está sepultado no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, na Cripta dos Combatentes.

Será que dois dos soldados que deveriam estar sepultados em Richebourg acabaram por não o ser, estando ambos em dois outros cemitérios? Francisco Simão, soldado n°22.956, natural de Torre de Coelheiros, Évora, encontra-se entre os 44 sepultados no Cemitério de l’Est de Boulogne-sur-Mer (B/3/4). Este soldado foi ferido por gases a 1 de janeiro de 1918, tendo falecido no mesmo mês no hospital Canadiano, enquanto que Inocêncio Luz Pacheco, natural de Esmoriz, está enterrado entre os 7 soldados portugueses do Cemitério de Anvers. Inocêncio Luz Pacheco faleceu já depois do fim da guerra, no hospital de Sainte Elisabeth, em Anvers, de tuberculose pulmonar, tendo sido sepultado no Cemitério de Schooslhof daquela cidade.

Júlio Soares Serrão da Silva Machado, natural de Lisboa, onde nasceu a 30 de junho de 1882, foi incorporado em 1901 na Escola do Exército, Capitão da Infantaria 29, embarcou a 28 de fevereiro de 1917 para França onde viria a falecer na Batalha de La Lys a 9 de abril de 1918. Recebeu a título póstumo a Cruz de Guerra de 3ª classe. São relatadas as circunstâncias da sua morte: “Comandante da 1ª Companhia do BI 29, sob o comando do Major Xavier da Costa, tomou todas as disposições para atuar com a sua Companhia debaixo de bombardeamento intenso. No decurso da organização da defesa de um ponto de suporte da 2ª linha, arrastando os subordinados com o seu exemplo de valentia e destemor, faleceu esmagado por uma granada inimiga”. A sua sepultura terá sido no Cemitério Militar de Vieille Chapelle.

Deste, onde havia sepulturas de britânicos, indianos e portugueses falecidos nos campos de batalha vizinhos, os túmulos portugueses foram transferidos para o Cemitério militar português de Richebourg-l’Avoué, em 1925.

Os restos mortais do Capitão Júlio Soares da Silva Machado, segundo Carlos Alves Lopes (1), teriam sido repatriados para Portugal na mesma altura que o soldado desconhecido. Nesta mesma data também teriam sido repatriados os corpos do tenente Vidal Pinheiro e do alferes Carrazeda de Andrade. O primeiro faleceu em combate no dia 9 de abril de 1918. Num primeiro tempo, o seu corpo foi sepultado no Cemitério de Haverskerque. Carrazedo de Andrade foi feito prisioneiro durante a Batalha de La Lys, gazeado, faleceu a 11 de abril numa ambulância alemã, tendo sido sepultado no Cemitério civil de Gondecourt, numa campa da família Vandame. De notar contudo que no memorial virtual, estes dois soldados ainda estão indicados como estando nos ditos cemitérios franceses.

Duas outras das pedras da arrecadação, são nominativas de soldados sepultados num primeiro tempo em Merville: António Pinto, soldado n°46021 e Manuel António Pereira de Sá, soldado n°49977.

António Pinto, da Infantaria 8, promovido a Sargento, foi ferido em combate a 31 de março de 1918, tendo falecido dos ferimentos sofridos a 4 de abril, foi inicialmente sepultado em Merville, cova 56, talhão CII.

Manuel António Pereira de Sá, nascido em Messegães, Monção, desembarcado em França a 25 de abril de 1917, foi ferido em combate a 4 de abril de 1918, tendo falecido no dia seguinte e enterrado no Cemitério de Merville, cova 1, talhão D2.

O que se terá passado com estes dois soldados, entre os Cemitérios de Vieille Chapelle e Merville e o Cemitério militar português de Richebourg, para termos estas duas placas nominativas na arrecadação?

A hipótese mais provável é que os restos mortais destes soldados, ao transitarem entre os cemitérios se tenham confundido e que, de soldados conhecidos se tivessem tornado soldados desconhecidos. A segunda hipótese é a de que tenham sido considerados, erradamente, como soldados ingleses e que tenham sido sepultados em Cemitérios do Commonwealth. A terceira hipótese é que as famílias tenham recuperado os corpos e e os tenham trasladado para Portugal.

A 23 de janeiro de 1929, o jornal “Les Echos d’Alger” relata o repatriamento do corpo de António Gonçalves Curado (2) do Havre em direção a Lisboa, acompanhado de um Sargento. Seria este último o corpo de António Pinto? (3)

 

O Museu Militar

O que pudemos encontrar no Museu do Cemitério militar português de Richebourg?

Dado a pequena dimensão da construção, o Museu é constituído por um número de peças reduzidas e simbólicas: o manequim de um soldado vestido com farda do Corpo Expedicionário Português (CEP), um conjunto de fotografias da época, de momentos relevantes do CEP, algumas medalhas, dois quadros com fotografias e homenagem de familiares, um exemplar do livro do Capitão Augusto Casimiro intitulado “Calvário de Flandres” no qual é contada a vida nas trincheiras do soldados do CEP, uma fotografia de um soldado vestido de forma particular, com casaco de peles para proteger do frio, um conjunto de fotos da arca oferecida por Portugal à cidade de Lille, que datam de 1976, aquando da visita de Mário Soares àquela cidade.

Uma mesa central, ladeada com a bandeira portuguesa e a da Liga dos Combatentes, permite acolher Presidentes da República, Primeiros Ministros e outras personalidades que ali assinam o Livro de Honra do Cemitério militar português de Richebourg.

A história é feita de grandes, mas também de pequenas coisas, pequenas histórias, grandes e pequenas descobertas.

 

António Marrucho e Christine da Costa

 

Notas:

(1) http://www.momentosdehistoria.

(2) Natural da Barquinha, faleceu em combate a 4 de abril de 1917, tendo sido na altura sepultado no Cemitério inglês de Laventie.

(3) Desconhece-se o número de corpos de soldados portugueses repatriados para Portugal. Aos nomes dos corpos repatriados que fazemos referência no presente texto, poderemos acrescentar o de Maximiliano Cordes Cabedo, repatriado para Lisboa a 24 de julho de 1925.

 

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