Carta aberta do barítono Jorge Chaminé: “Para onde vai Portugal?”_LusoJornal·Opinião·19 Agosto, 2025 O barítono português Jorge Chaminé, nascido no Porto no dia 30 de abril de 1956, radicado há muitos anos em França, onde é Presidente-Fundador do Centro Europeu de Música de Bougival, acaba de partilhar nas redes sociais uma “Carta aberta” que intitulou “Para onde vai Portugal?” e que o LusoJornal transcreve na íntegra. . “Para onde vai Portugal? O meu pai partiu. Aos quase cem anos, deixou-nos com plena consciência do mundo em que vivia, como quem se despede de uma casa que já não reconhece. Na véspera da sua morte, perguntou-me com os olhos cheios de lucidez e gravidade: “Para onde vai Portugal?” Era a pergunta de um homem que dedicou a vida inteira à liberdade e à justiça. Democrata desde sempre, opositor ao regime fascista, o meu pai não era dado a dramatismos – mas conhecia o valor da palavra dita no momento certo. A sua questão não foi retórica. Foi um grito contido, um gesto de amor por um país que ajudou a construir e que via, com dor, a perder-se nos labirintos do esquecimento e da indiferença. Para onde vamos, afinal, quando os incêndios lavram sem coordenação, quando os meios aéreos estão avariados, quando as urgências hospitalares se encerram por falta de médicos e condições mínimas, e bebés nascem na estrada, sem dignidade nem socorro adequado? Para onde vamos quando o discurso político cede à tentação da xenofobia, do racismo, da violência verbal – envenenando o espaço público e ameaçando as bases da democracia? Para onde vamos quando a Cultura – essa raiz profunda da nossa identidade, da nossa liberdade e da nossa dignidade como povo – é sistematicamente ignorada, subfinanciada, tratada como adorno e não como alicerce? Durante décadas, Portugal sobreviveu a ditaduras, crises e emigrações. Mas hoje, atravessa algo mais subtil e mais perigoso: a erosão lenta do seu tecido cívico, a desvalorização do pensamento, a desertificação da escuta e da compaixão. A burocracia cresceu como um polvo. As portarias mudam ao sabor dos dias, as comissões multiplicam-se como se fossem solução em vez de entrave, os conselheiros florescem mesmo onde faltam pão, justiça e horizonte. E o País sofre. Sofre no olhar dos professores exaustos, dos artistas invisíveis, dos médicos que desistem, dos jovens que partem. Sofre no silêncio dos velhos deixados para trás. Sofre na tristeza dos que ainda acreditam – mas se perguntam até quando resistirão. E eu, filho de um homem justo, herdeiro de uma geração que lutou para que nunca mais se calasse o pensamento livre, pergunto: Para onde vai Portugal? E pergunto mais: Para onde vai o mundo? Para onde vai a nossa Casa comum, este planeta azul que se incendeia, se asfixia, se afoga – e que continua a ser governado por lógicas de acumulação e cegueira? Esta carta não é uma acusação. É um apelo. Um apelo à consciência, à lucidez, à coragem de recomeçar. Um apelo a todos – cidadãos, artistas, professores, profissionais de saúde, políticos de boa vontade – para que não deixemos morrer o que ainda pulsa. A memória do meu pai exige de mim esta fidelidade: a fidelidade a Portugal – não o dos slogans fáceis, mas o da dignidade, da beleza, da resistência e da esperança. Não é tarde. Mas é urgente. Com respeito, tristeza e esperança firme, . Jorge Chaminé Músico, cidadão europeu 14 de agosto de 2025, Porto”