A Livraria Portuguesa e Brasileira de Paris acolheu, no sábado passado, dia 5 de abril, um debate sobre “A livraria como espaço de democracia” com intervenções de Tiago Rodrigues, Diretor do Festival de Teatro de Avignon, e da atiz Rachida Brakni, que também é cantora e escritora. O debate foi moderado pelo Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Paris, Jorge Barreto Xavier.
“A razão que levou a este encontro associa-se diretamente à Livraria portuguesa e brasileira. Nós achamos que é referencial a existência de uma livraria – que é a única aliás em França – que promove a língua e a literatura portuguesa ou de língua portuguesa, e por isso o Camões – Centro cultural português de Paris quis, com a livraria, organizar este debate para chamar a atenção para a livraria e através do tema que hoje tratamos – a importância das livrarias como espaços de democracia – encontrar um fio condutor para a valorização das livrarias em geral e desta livraria em particular” explicou Jorge Barreto Xavier ao LusoJornal.
A livraria é pequena para acolher debates, mas estava presente a Maire do 5° bairro de Paris Florence Berthout, o Embaixador de Portugal junto da OCDE Manuel Lobo Antunes, o antigo Embaixador de Portugal em França Jorge Torres Pereira, a Cônsul Geral de Portugal em Paris, Mónica Lisboa, mas também Ana Paixão da Cidade Universitária Internacional de Paris, Graça dos Santos da Universidade de Paris Naterre, os atores Jacqueline Corado e Jorge Tomé, os Diretores do Festival de cinema Português de Paris Fernando Ladeiro Marques e Wilson Ladeiro, entre muitos outros participantes.
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“Vivemos uma grande intoxicação do olhar”
“A leitura e o livro são espaços de liberdade, de libertação e de abertura ao mundo. Ora, tudo isso tem a ver com democracia. A democracia é exatamente o espaço da liberdade e da abertura ao mundo, portanto contrapõe-se ao autoritarismo e à ditadura, que são aqueles espaços, aqueles territórios físicos e mentais, que nos cortam a liberdade de expressão, a liberdade de pensar e a liberdade de olhar” argumenta Jorge Barreto Xavier. “Hoje, apesar de termos propostas milhentas, nomeadamente a nível digital, vivemos uma grande intoxicação do olhar. Intoxicação que acontece por via das mensagens ‘fake’, através das novas ‘polícias do pensamento’ e por isso as livrarias, com as propostas alargadas que têm nas suas prateleiras, são exatamente espaços de proposta livre de democracia e a democracia é um valor que nós achávamos que estava adquirido e hoje sabemos que não está. Portanto, celebrar a democracia e os lugares da democracia, parece-me importante” afirma o Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Paris, que já foi Secretário de Estado da Cultura. “Não esqueço que foi o Jorge que me nomeou Diretor do Teatro Nacional D. Maria II” referiu Tiago Rodrigues logo no início da sua intervenção.
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Rachida Brakni viveu alguns anos em Lisboa
Rachida Brakni é uma atriz, encenadora, cantora e autora, que viveu em Lisboa com o companheiro, Éric Cantona, para onde foram “à procura de um estilo de vida mais tranquilo e ensolarado, num ambiente ideal para a família, com boa comida, diversidade social e proximidade com a França”.
Mylène Contival, da Livraria portuguesa e brasileira, contou que Rachida Brakni entrou na livraria à procura de uma escola para que os filhos continuassem a estudar português em Paris.
“Kaddour” é o livro autobiográfico escrito por Rachida Brakni, onde conta os seis dias que seguiram a morte do pai, em agosto de 2020. Foi uma oportunidade para falar das lembranças de criança na Argélia, dos desafios da imigração, dos pais analfabetos e da educação que lhe deram, e, na sua intervenção, falou da importância dos primeiros livros que o pai lhe comprava quando ia comprar tabaco ao PMU, “por vezes livros inadaptados para a minha idade”.
Para Jorge Barreto Xavier, era importante convidar estas duas personalidades importantes. “Era importante deslocar a ideia dos debates à volta dos livros, que têm de ser feitos com editores e livreiros, considero que é importante trazer pessoas que têm um papel importante no domínio da cultura, mas que não são diretamente pessoas da área do livro, mas são amantes de livros, para podermos falar de livros”.
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“Se isto não é democracia, então não sei o que é”
Para Tiago Rodrigues, uma livraria é “um espaço onde as pessoas fisicamente se encontram com o objeto livro e face à questão escolha. O que é que eu tiro desta estante? Porque é que eu pego aqui no Camões e não pego na Lídia Jorge? Porque pego na Lídia Jorge e não pego no Herberto Helder? E aí, começa qualquer coisa que é da ordem da democracia. Eu posso praticar a minha curiosidade e pratico a minha curiosidade com livreiros conhecedores – como é o caso aqui da Livraria portuguesa e brasileira de Paris – com os quais posso conversar, com os quais posso começar a estabelecer um diálogo. Se isto não é democracia, então não sei o que é”.
O mediático Diretor do Festival d’Avignon – que também é um “pensador” como diz Jorge Barreto Xavier – considera que “é importante que livreiros, vizinhos, sociedade civil, mas também políticos, ponham em marcha políticas que privilegiem as livrarias, que privilegiem a presença das livrarias na cidade e a relação da cidade com as livrarias. Nós sabemos que as livrarias são espaços absolutamente vitais nas cidades, mas para que esses espaços vitais continuem a existir, têm de ser animados, têm de ter vida dentro e para essa vida acontecer é preciso estar do lado dos livreiros e inventar formas de dar vida às livrarias”.
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Florence Berthout defende uma rede “obrigatória” de livrarias
A Maire de Paris 5, Florence Berthout defende que devia haver uma legislação que obrigue a criação de livrarias sobretudo em espaços rurais onde há “desertos literários”, mesmo se o Embaixador Jorge Torres Pereira lembrou a existência das Bibliotecas e Mediatecas. “Quando as Bibliotecas funcionam bem, as livrarias também funcionam bem” respondeu Tiago Rodrigues.
A proposta de Florence Berthout foi considerada “muito interessante” e ficou expressa a ideia que ela possa realizar-se.
Entretanto a Maire do 5° bairro de Paris disse que todos os anos oferece livros aos alunos dos estabelecimentos de ensino do bairro, “públicos ou privados” e todos os anos escolhe 4 ou 5 livreiros para que os alunos possam trocar os “vales de compras”. “Assim fazemos viver toda a gente. Este bairro tem muitas livrarias” contou.
“O tema do debate é muito importante porque tem a ver precisamente com a ideia das livrarias serem lugares de democracia. Como praticar essa democracia? Não há democracia só em teoria, no papel, por muito que gostemos de livros e de papel, é preciso praticá-la e uma das práticas da democracia é pegar no livro e lê-lo” concluiu Tiago Rodrigues.