“Gente melancolicamente louca” de Teresa Veiga nas livrarias francesas

Não é apenas o longo advérbio de modo no título – que foi ignorado no título da edição francesa – que torna este livro de Teresa Veiga raro. A raridade começa pela própria autora – nos anos 90 correu o boato de que seria um homem – que optou desde o ano da sua estreia, em 1980, aos 35 anos de idade, por se esconder atrás de um pseudónimo, recusando ser entrevistada e conhecendo-se dela apenas um punhado de fotografias. Um mistério que paradoxalmente tem tanto de anacrónico como de cool, não vivêssemos nós neste tão mercantilizado mundo em que todos – desde escritores famosos, atores célebres ou meros desconhecidos – (se) vendem a privacidade (e intimidade!) nas redes sociais como famintos à procura de migalhas, os tais likes virtuais que tanto excitam jovens e velhos.

Teresa Veiga e a sua literatura são também um paradoxo: um estilo que não agradará a todos – alguns considerarão as histórias secas e sem ritmo -, uma visão da “alma humana” com excesso de estrogénio e nenhuma testosterona (um salutar excesso que servirá porventura para compensar os séculos de submissão da mulher ao poder do homem), tudo embrulhado na escrita magnífica e na inegável qualidade literária da autora.

Esta semana, então, a Éditions Chandeigne lança no mercado francês “Folles Mélancolies” graças à tradução de Ana Torres e infelizmente sem o tal advérbio de modo que enriquece o título original português.

Neste livro, a misteriosa escritora, contista de enorme qualidade, oferece ao leitor onze contos escritos com uma linguagem meticulosa, escalpelizada, um português fabricado com luvas de veludo que, como acontece quase sempre com este tipo de escrita, conquistou os júris dos prémios e os hosanas dos críticos. “Gente melancolicamente louca” venceu o Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco/APE do ano 2016.

São onze contos (só) com mulheres como protagonistas e que estão sempre em posição de cativeiro. Cativeiro efetivo apenas uma vez, das outras vezes trata-se de cativeiro moral, financeiro ou familiar. Natacha, Clarissa, Isabela, Dinora entre muitas outras roçam por vezes a perfeição, seja como mães seja como esposas, mas também mentem, enganam, passando da posição de carrasco ao de vítimas com grande à-vontade. A ironia, nunca de mau gosto, corre a rodos como aquela bela história, logo no primeiro conto, em que um menino assiste ao suicídio por autodegolação de uma criadora de frangos e, vinte anos mais tarde, para desgosto da sua mãe, acaba casado com uma especialista na alimentação de galináceos.

Teresa Veiga diverte-se. Ela percorre todos os géneros, desde o policial ao falso gótico, passando pelo libertino e mergulhando de cabeça nos clássicos ingleses como Charles Dickens ou Conan Doyle. Ela submerge-nos nesse mundo feminino feito de mulheres orgulhosas, alegres, tristes, oscilando entre a loucura e a melancolia. Um universo povoado de personagens de grande densidade emocional e pelas quais, como leitores, não deixaremos de sentir nunca, de uma forma ou de outra, uma forte empatia.

 

[pro_ad_display_adzone id=”37509″]