Joseph Charles d’Almeida, um génio de origem portuguesa totalmente esquecido

Há homens que muito fizeram neste ou naquele domínio, aquando da passagem pelo nosso mundo e que a história esqueceu. Ou que alguns fizeram para que fosse esquecido, em proveito de outros que a história reconhece como tendo sido os precursores.

É o caso do físico de origem portuguesa Joseph Charles d’Almeida (José Carlos de Almeida), nascido em Paris no dia 11 de novembro de 1822 e falecido na mesma cidade no 9 de novembro de 1880.

Mas quem é afinal Joseph Charles d’Almeida?

Joseph Charles d’Almeida, fundador do Journal de Physique em (1872) foi membro fundador da Société Française de Physique (1873), foi um modelo de integração na República Francesa.

Foi nomeado Oficial da Légion d’Honneur e da Instrução Pública a 10 de agosto de 1872, na altura lecionava como professor no Liceu Corneille de Paris.

Mais tarde viria a ocupar o cargo de Inspetor Geral da Educação Pública Secundária.

“Grand patriote”, a pedido do Ministro da Guerra, cumpriu uma missão, tentando estabelecer uma comunicação entre Paris, em 1870, e a província, usando o rio Sena como elemento condutor. Vemos aqui uma contribuição determinante para o envio do telegrama sem fio (1).

 

Filho de pai português

Joseph Charles d’Almeida é o filho de Manuel d’Almeida, tendo sido por este abandonado. No ato de nascimento, datado do 13 de novembro de 1822, é dado como pai François d’Almeida.

François d’Almeida, pai oficial, era diplomata da delegação portuguesa em Paris, declarado “rentier” no ato de nascimento de Joseph Charles d’Almeida.

De notar que Joseph Charles d’Almeida foi declarado como tendo nascido na rue Vermeil, domicílio da mãe, enquanto o pai oficial habitava o 114 rue de l’Université.

Manuel d’Almeida, o pai natural, nasceu no Porto a 14 de março de 1780. Foi soldado da Marinha francesa, tendo sido feito prisioneiro do Império, a bordo do navio Suzanne et Marie.

Da pesquisa efetuada por Franck d’Almeida – que há 25 anos se interessa pela vida do físico Joseph Charles d’Almeida – nada conseguiu encontrar como elemento que indicasse que o pai natural tivesse uma relação familiar com o pai oficial.

A mãe de Joseph Charles d’Almeida, Louise Miller terá tido uma relação com Manuel d’Almeida sem se casar com ele. Viria a casar com François d’Almeida e celebrou segundo casamento em 1846, com o professor Charles Adrien Choquet (Abbeville 1798 – Paris 1880). Este professor ensinou matemática na Mayer Institution, onde foi professor e padrasto de Urbain le Verrier em 1837. A maioria dos “Condiscípulos de Galois en Math Spé” veio dessa escola particular apelidada: “A caixa de competição”.

 

Um cientista vanguardista

Tendo nascido de pai português, Joseph Charles d’Almeida naturalizou-se francês em 1844 e estudou no Collège Saint Louis e no Collège Henri IV.

Formado, tornar-se-ia professor numa escola de Argel até 1850. De regresso a Paris, juntou-se a Marcelin Berthelot no Laboratório Balard, em Paris.

O trabalho de Joseph Charles d’Almeida na decomposição da pilha de sais dissolvidos na água valeram-lhe o título de Doutor em ciências em 1852.

Foi um dos precursores de anáglifos a partir 1858. Anáglifos são imagens bidimensionais capazes de causar um efeito tridimensional, quando vistas com lentes especiais (lentes de cores diferentes para cada olho).

Joseph Charles d’Almeida viria a ser um dos convidados para assistir à inauguração do Canal de Suez, no dia 17 de novembro de 1869. Ajudará a recolher imagens sobre a dita inauguração.

Durante o Cerco de Paris (de 20 de setembro a 28 de janeiro de 1871) e depois de uma viagem no balão “Le Gutenberg” em 17 de dezembro de 1870, Joseph Charles d’Almeida foi o primeiro físico a conseguir enviar despachos com fotografias (2).

Joseph Charles d’Almeida saiu no balão da estação Orléans e aterrou em Montépreux, onde foi recebido pelo Maire Alexandre Petit, em Plancy – l’Abbaye (Aube).

O “Gutenberg” subiu até 2.045 metros da altura e aterrou por volta das 9h15 da manhã, a Oeste de Montépreux (Marne). O balão foi pilotado por M. Peruchon, acompanhado por outros dois passageiros – Isaac Georges Levy e Louisy – e transportou seis sacos de correio, seis pombos-correio e equipamento necessário para tirar fotografias.

Outros tempos outros costumes, outras influências: por ter tentado estabelecer uma comunicação entre Paris e a província, Joseph Charles d’Almeida irritou os altos funcionários da província, o mesmo aconteceu com o fotógrafo Isaac Georges Lévy, vítima de intimidação. Foi-lhes imposto de não publicar mais despachos sob pena de terem que comparecer perante uma Corte marcial. Joseph Charles d’Almeida fala sobre o assunto no seu relatório disponível para consulta na Biblioteca Histórica da cidade de Paris.

Durante o Cerco de Paris, Louisette Miller, mãe de Joseph Charles d’Almeida, exilou se em Londres, momento que o físico aproveitou para visitar a irmã e a mãe na capital inglesa. Tudo indica que Louisette Miller tinha origens inglesas e era parente do astrónomo William Allen Miller que Joseph Charles d’Almeida conhecia.

 

Um busto desaparecido

Joseph Charles d’Almeida foi também membro da Société Philomathique de Paris (3).

Em 1880, a Société Française de Physique presta homenagem a Joseph Charles d’Almeida erguendo-lhe um busto que foi colocando na sala de reuniões, no 44 rue de Rennes, em Paris.

Mas, um ou dois anos depois, o professor Bertin retira o busto da sala, afirmando a estátua não justifica estar ali exposta (4). Esta atitude do professor Bertin tem a ver, entre outros, com o fato de Joseph Charles d’Almeida ter sido um ardente defensor do seu colaborador judeu Isaac Georges Lévy (1833 – 1913) quando este último tinha sido ameaçado de passar diante de uma Corte marcial.

Joseph Charles d’Almeida tinha como um dos seus princípios, ensinar ciências físicas a todas as pessoas, qualquer que fosse a sua categoria sócio-profissional, razão pela qual foi demitido da função de professor pelo Lycée Henri IV. Joseph Charles d’Almeida era considerado, na altura, como alguém com ideias demasiado liberais para a época. Alguns tempos depois voltaria a dar aulas no mesmo liceu.

Joseph Charles d’Almeida apaixonou-se durante a sua existência por várias culturas, nomeadamente pela cultura do Índios norte-americanos e dos Egípcios.

Amigo de Jules Verne, Joseph Charles d’Almeida participou da redação da primeira edição (20 de março de 1864) da revista Éducation et Récréation para crianças.

Jules Ferry, numa carta datada de 14 de dezembro de 1870 dirigida a Léon Gambetta e na qual evoca o Cerco de Paris, revela ao seu correspondente que o portador da carta, Joseph Charles d’Almeida, é um de seus “velhos e muito fiéis amigos”.

Como Jules Ferry, Joseph Charles d’Almeida foi um dos homens que participou do secularismo como Inspetor Geral de Instrução Pública.

 

Suicídio?

A 8 de novembro de 1880 foi publicado aviso de casamento que mencionava que “esta semana são publicados os banhos do casamento do Sr. Joseph Charles d’Almeida com Miss Edith Felicité Drummond de Melfort, filha de Louis Charles Mackenzie – Drummond, conde de Melfort”. O casamento não será celebrado porque o físico morreria um dia depois da publicação dos banhos, tendo sido encontrado morto na sua própria cama. O funeral foi civil.

A última residência do físico Joseph Charles d’Almeida foi na 31 rue Bonaparte, apartamento nº6, 2º andar, lado esquerdo, de frente para a rua. Foi enterrado no Cemitério de Montparnasse, em Paris, sob concessão perpétua N°220 PP 1880. No entanto, a cidade de Paris retomou a concessão em 12 de julho de 2000 e os restos mortais do falecido foram transferidos para o Ossuário do Père-Lachaise.

Este físico, com origens numa das “mais antigas famílias de aristocráticas portuguesas”, do Porto, e, apesar de nascer e morrer na capital, a cidade de Paris não lhe atribuiu nenhuma placa ou rua em seu nome.

Marcelino Berthelot, na rubrica “Nécrologie” do jornal Le Temps de 10 de novembro de 1880, escreve: “A ciência e a educação pública acabam de sofrer uma grande perda, na pessoa de M. d’Almeida, Secretário da Sociedade de Física, Inspetor-geral. Espírito fino e distinto, dedicado às coisas do espírito, amado e estimado por todos, Joseph Charles d’Almeida deixa um vazio considerável entre os homens do nosso tempo. Não esqueçamos o seu papel no Comité científico de Defesa Nacional, nem a criação do Journal de Physique e da Société de Physique, do qual ele era o principal promotor; nem as boas-vindas benevolentes e o encorajamento que ele deu aos inovadores científicos e jovens professores. Poucas perdas podem ser mais sensíveis à Universidade”.

De notar que com a invenção da estereoscopia de Charles Wheatstone e os anáglifos 3D trabalhados por Joseph Charles d’Almeida, Louis Lumière retomará esse trabalho adaptando-o ao cinema em 1936.

Louis Houllevigue foi o único jornalista-cronista de ciência a escrever no jornal Le Temps sobre Joseph Charles d’Almeida, num artigo intitulado “Causeries scientifiques” em 1913. Louis Houllevigue evoca o possível suicídio do físico. É verdade que durante o Cerco de Paris, em 1870, Joseph Charles d’Almeida descontentou o Diretor dos correios de Bordeaux e os altos funcionários de Lyon, na sua colaboração com o hábil fotógrafo estereoscópico Isaac Georges Lévy (1833 – 1913), na “Mission d’Almeida – Lévy” em balão. Houllevigue descreveu sobre Joseph Charles d’Almeida como tendo sido o primeiro a conseguir a reprodução microscópica de informações através da fotografia.

Joseph Charles d’Almeida, um físico, um cientista, um homem a descobrir, a lembrar, a homenagear, tanto em França como em Portugal.

 

Notas:

(1) Claude Chappe é o primeiro físico que consegue transmitir informações através de uma linha elétrica entre Paris e Lille, numa distância de 200 km e com 15 estações. Esta construção/descoberta data de 1795. A transmissão de informações entre a província e Paris por esse meio não era simples, principalmente porque a linha podia ser destruída, cortada pelo inimigo. Restava encontrar outro método de transmissão das informações. Joseph Charles d’Almeida encontrou a solução enviando informações graças à água do rio Sena e à reação química chamada eletrólise. Paul Janet, durante o seu discurso de inauguração da Secção de Radiotelegrafia na Escola Superior de Eletricidade, evoca o trabalho de Telegrafia sem fio de Joseph Charles d’Almeida usando o rio Sena como condutor, a fim de estabelecer uma comunicação entre a província e Paris.

(2) Um documento científico escrito imediatamente após a missão só viria a ser publicado em 1913, tendo por título: «Relatório sobre uma missão confiada ao Sr. Charles d’Almeida pelo Governo da Defesa Nacional, tendo como objetivo: estabelecer comunicação entre a província e Paris”. O relatório pode ser consultado na Bibliothèque Historique de la ville de Paris.

(3) A palavra philomatique vem do grego philo (amar) e matemática (ciências). O termo vem do século XVIII, designa todas as abordagens científicas e centros de interesse de um lugar, de uma época, de uma civilização.

(4) Foi Franck de Almeida que nos forneceu um número importante dos dados que utilizamos para redigir o presente artigo. Franck de Almeida já interrogou inúmeros organismos para detetar onde se encontra a estátua de Joseph Charles d’Almeida. Até hoje nenhuma informação lhe foi fornecida sobre o dito busto.

 

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LusoJornal