Nuno Gomes Garcia conversa com Adriana Brandão: “Paris foi a capital do exílio brasileiro”

“Les Brésiliens à Paris, au fil des siècles et des arrondissements” de Adriana Brandão, jornalista no serviço brasileiro da RFI desde 1997 e doutorada em História, é uma espécie de guia que nos conduz pela história brasileira através das ruas parisienses. Percorrendo os vinte bairros parisienses, além de cinco departamentos vizinhos da capital, e encontra, em cada um deles, vestígios do Brasil, pegadas que vão desde o século XVI, pouco depois da “descoberta” de Pedro Álvares Cabral, até aos exilados, como Chico Buarque, que foram forçados a abandonar o Brasil para escaparem à perseguição da ditadura militar que oprimiu o país entre 1964 e1985. E são tantas as marcas do maior país lusófono do planeta em Paris que Adriana Brandão começa o livro no Louvre dizendo “A França é a madrinha de um dos mitos fundadores do Brasil”, isto a propósito do batismo da ameríndia Paraguaçu e do seu casamento com o aventureiro português Diogo Álvares.

É assim, bairro a bairro, que o leitor descobre com surpresa a ligação entre o Brasil e a cidade de Paris, passando pela obra de Óscar Niemeyer, o criador da sede do PCF na place Colonel-Fabien, sem esquecer o domicílio parisiense de Juscelino Kubitschek, o Presidente que idealizou a cidade de Brasília, ou o sucesso de Elis Regina em concerto no Olympia que, a propósito, relatou a seu marido: “esta gente aqui é bastante fria, mas só até ao momento em que eu começo a cantar”. Um livro que permite navegar, saltar páginas, pesquisar como se fosse um catálogo de eventos quase esquecidos ou de factos que nunca nos passaram pela cabeça.

 

Adriana, já sabemos que os franceses, desde o tempo da França Equinocial e da França Antártida até aos dias de hoje, sempre tiveram um grande interesse no e pelo Brasil. Ao ler o seu livro vemos porém que as ligações são ainda mais profundas do que se geralmente se pensa. A que se deve esta tão grande proximidade entre os dois países?

Olha, Nuno, como você sabe, os franceses nunca aceitaram o Tratado de Tordesilhas de 1494 que dividia o mundo, incluindo o Novo Mundo “descoberto” pelas grandes navegações ibéricas, entre Portugal e Espanha. E desde a “descoberta” do Brasil pelos portugueses, os franceses começaram a ir ao Brasil para explorar o pau-brasil, a árvore que deu o nome ao país. E nessas explorações, os franceses se aliaram aos índios tupinambás que eram contra a presença dos portugueses. Estes se aliaram com outras nações indígenas, mas não com os tupinambás. E vem daí o início dessa relação franco-brasileira. Muitos índios tupinambás vieram a França várias vezes. Houve por exemplo a festa brasileira de Rouen que inspirou Montaigne e começou o mito do selvagem que o Montaigne falou nos seus escritos.

 

E o próprio Rousseau mais tarde.

Sim, e depois o Rousseau. Vem então daí esse mito do bom selvagem. E, em 1613, esses tupinambás vieram então a Paris. Foi uma embaixada de seis tupinambás que vieram tentar convencer o rei, ainda uma criança, o Luís XIII, a investir na colónia da França Equinocial que os franceses tentaram estabelecer no Maranhão. Mas, bom, como se sabe hoje, a França não investiu nessa colónia e ela durou apenas quatro anos.

 

Apesar de São Luís do Maranhão ter sido fundada por franceses.

Sim, o próprio nome é em homenagem ao rei. E hoje os moradores de São Luís são muito orgulhosos dessa origem francesa que vem dessa época e dessa tentativa fracassada de colonização.

 

Eu já estive em São Luís e a cidade pareceu-me muito mais a baixa pombalina lisboeta e não uma cidade francesa. Onde estão os vestígios da presença francesa no Maranhão?

Existe a estátua do Daniel de la Touche, o fundador da França Equinocial, no centro histórico da cidade. Mas a presença francesa está essencialmente presente na memória das pessoas e é um vestígio mais simbólico do que real.

 

Lembro-me que do outro lado da Baía de São Marcos, em Alcântara, tem uma fortaleza portuguesa. E em São Luís tem um forte francês?

Sim, tem, e no alto do forte tem uma praça onde está a tal estátua do De La Touche. Mas, sim, Alcântara é uma cidade totalmente portuguesa. Se esperava uma visita do Pedro II que nunca aconteceu a Alcantâra e por isso se diz que ela ficou em ruínas porque, como o rei não apareceu, as pessoas deixaram de construir a cidade.

 

Sim, e que nos estiver a ouvir, se um dia visitar o Maranhão tem mesmo de visitar Alcântara que é uma espécie de Pompeia tropical do século XVII.

Sim, parada no tempo.

 

Quando, no seu livro, avançamos no tempo e chegamos à Ditadura Militar percebemos que a França recebeu muitos e importantes exilados brasileiros, como Óscar Niemeyer ou Chico Buarque. A França foi o principal destino de exílio ou houve outros destinos mais importantes?

A França foi desde o início, desde de 1964, quando os militares criaram a primeira lista das pessoas que tiverem os seus direitos políticos cassados, o destino principal desses primeiros perseguidos pela ditadura, como o Juscelino Kubitschek que você já citou, o Celso Furtado, que foi um economista e Ministro do planejamento do Presidente João Goulart. Muitos intelectuais brasileiros desse primeiro período também foram para o Chile, nessa época governado por Salvador Allende, um Governo socialista.

 

Antes do golpe de Estado de 1973.

Sim, e depois desse golpe do Pinochet, essas pessoas, que tinham encontrado refúgio no Chile, vieram para Paris. E Paris foi a capital do exílio brasileiro no estrangeiro durante a ditadura militar. Calcula-se que 1.500 exilados viveram em Paris durante a ditadura, mas, na verdade, essa comunidade foi muito maior porque as outras pessoas, por se sentirem ameaçadas ou não se sentirem livres, impuseram a si próprias um autoexílio e também vieram para Paris. Muitos artistas que não conseguiam trabalhar corretamente no Brasil vieram para aqui e a cidade foi um lugar que acolheu esses brasileiros, permitindo a continuidade da expressão da cultura brasileira durante o período da ditadura militar. Você falou no Chico Buarque que inicialmente foi para Roma, mas que vinha muitas vezes a Paris.

 

Daí aquela história deliciosa que está no livro que explica a história por detrás do “Samba de Orly”.

Exatamente, ele se exilou em Roma e o “Samba de Orly”, na verdade, foi escrito em Roma, mas como era Paris realmente a cidade que reunia a maioria dos exilados brasileiros, ele o chamou de “Samba de Orly”, um samba que fala do exílio, da tristeza de estar longe de seu país, e cuja letra é da autoria de Vinicius de Moraes que também viveu muito tempo em Paris.

 

A respeitar-se a verdade o samba deveria chamar-se “Samba de Fiumicino”!

É verdade, e o Chico conta isso.

 

Adriana, falou há pouco do autoexílio desses anos de chumbo da ditadura brasileira. Hoje, nas devidas proporções, está um novo autoexílio a acontecer depois da tomada do poder, por via eleitoral, neste caso, de Jair Bolsonaro? Há, por exemplo, uma vaga enorme de brasileiros a aterrarem a Portugal. Há, hoje, um autoexílio ou é exagero falar nisso?

Há, sim. Ele não tem a mesma proporção que teve durante a ditadura militar, mas há sim. O Deputado do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) Jean Wyllys, defensor da causa LGBT, que foi eleito para um novo mandato e, antes mesmo de o assumir na Câmara dos Deputados em Brasília, como era vítima de críticas do então Presidente-eleito Jair Bolsonaro e ameaçado constantemente nas redes sociais, ele decidiu se exilar. Começou o exílio na Alemanha, passou pela França e hoje está nos EUA. Também a filósofa Márcia Tiburi, uma ex-candidata ao Governo do Rio de Janeiro pelo PT (Partido dos Trabalhadores), se autoexilou em Paris junto com o marido, um jurista importante. Eles também se sentiam ameaçados. E outras pessoas também, embora não tão ameaçadas e não tão expostas, decidiram sair do país, conseguiram bolsas de estudo e estão aqui na Europa devido a esse clima no Brasil de perseguição aos intelectuais e à cultura em geral. Houve já casos de censura de peças de teatro. Podemos, sim, então, embora não na mesma proporção, de falar em autoexílio.

 

Entrevista realizada no quadro do programa «O livro da semana» na rádio Alfa, apoiado pela Biblioteca Gulbenkian Paris

Próximo convidado: Francisco Carvalho autor de “Crimes de Hamburgo”

Quarta-feira, 18 de dezembro, 9h30

Domingo, 22 de dezembro, 14h25

 

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