Nuno Gomes Garcia conversa com Eunice DM: “Guardei essa alma de criança”

Eunice DM, pseudónimo de Eunice dos Santos Martins, é ribatejana e veio viver para França ainda criança, regressando muito depois a Portugal onde viveu 10 anos até que, há mais de duas décadas, voltou definitivamente para o hexágono. Autora de obras infanto-juvenis que se enquadram no género fantástico, doutorou-se com a tese “La Fantasy, phénomène littéraire, editorial et social en littérature jeunesse”.

Há pouco reeditada, a sua trilogia – “Le Royaume de Messidor”, que começa com “Derrière le Livre”, seguindo-se “Dans les entrailles de la Terre” e concluindo-se com “Le frère du roi” – segue as aventuras de Thomas, um adolescente perfeitamente normal que é forçado pela família a viajar para a Escócia, país onde deverá passar as férias na companhia do seu tio.

Ora tudo muda quando o avião onde viaja sofre um acidente. E, de repente, Thomas encontra-se num mundo paralelo que tem o condão de abrir as comportas à imaginação de Eunice DM, levando-a a criar uma fabulosa terra nova chamada Messidor, terra repleta de criaturas mágicas e paisagens de cortar a respiração, tudo isso fazendo relembrar as melhores páginas de grandes autores do género. É neste reino, até então desconhecido, que Thomas, agora transformado em águia, viverá as suas aventuras ao lado de outro rapaz, um habitante de Messidor chamado Anaël. Estes dois heróis, a quem tudo opõe, deverão unir esforços para levar de vencida as terríveis ameaças que pairam sobre Messidor.

 

Eunice, neste livro o Thomas transforma-se em águia. Numa das suas obras mais recentes, “Lunes de Sang”, existe também uma antropomorfização de lobos. É essa a grande vantagem de escrever livros de fantasia: o facto de o processo criativo não estar manietado pela realidade?

Sim, claro, essa é uma grande vantagem. Na Fantasia, a porta está aberta para a imaginação e podemos inventar tudo o que ela nos quer dar: que um jovem se transforme em águia ou que um lobo se transforme em ser humano.

 

Até há poucas décadas, o género fantástico, tanto para adultos como para jovens ou crianças, era o parente pobre da literatura. Existem, claro, exceções como o “Frankenstein” da Mary Shelley ou “As viagens de Gulliver” do Jonathan Swift, mas nada que se compare com os nossos dias. Na verdade, ao sucesso de fenómenos globais potenciados pelo cinema como “Harry Potter”, “O senhor dos anéis” ou “As crónicas de gelo e fogo” juntam-se centenas e centenas de outros. O que mudou para que repente o género fantástico tivesse uma tão grande aceitação?

Precisamente, eu acho que foi a chegada do “Harry Potter” e de “O senhor dos anéis” que, juntamente com esses grandes autores, abriram a porta a este género de literatura que era um pouco malvista antigamente. Foi então a partir daí que se começaram a publicar, pelo menos aqui em França, livros de Fantasia porque antes disso os editores não queriam publicá-los, diziam que não iria funcionar…

 

Mas porquê? Por puro preconceito? Sabemos agora que existia um grande potencial de leitores.

Em França, não existia essa total liberdade de imaginação, ao contrário do que acontece com ingleses ou norte-americanos.

 

Também acontecia isso em Portugal.

Agora, em Portugal, há bons autores de Fantasia. Tal como em França. Eu conheço vários. Durante o meu trabalho académico sobre a Fantasia na Literatura, tive a oportunidade de conhecer autores reconhecidos.

 

Eunice, fale-nos agora um pouco desta sua vida dividida entre duas culturas e duas línguas. Para si, escrever em francês foi uma escolha natural?

Sim, visto que vivo aqui já há muitos anos, foi-me mais fácil escrever em francês. E também por causa da publicação, para ter leitores tinha de ser escrito em francês. Eu pratico pouco a língua portuguesa.

 

E nunca pensou numa tradução para português?

Eu gostaria, mas antes disso tem de se encontrar alguém que traduzisse, porque eu não tenho tempo para os traduzir. E depois também era preciso arranjar uma editora interessada… e isso é tão difícil. Sou portuguesa e, claro, isso é o que eu mais desejo.

 

E escrever para adultos? É um projeto?

Sim, eu tenho um projeto, mas não será Fantasia. Uma história assim como está agora na moda, um pouco cor-de-rosa. Fantástico é mais para crianças. Eu fui criada pelos avós que me contavam histórias à noite, ao serão, como se fazia antigamente. E isto de poder fugir para outro mundo ficou-me desde criança. Guardei essa alma de criança e por isso agrada-me mais escrever para jovens. Escrever para adultos? Tenho esse projeto que ainda está cá dentro.

 

Ainda não começou a escrever?

Já escrevi meia dúzia de páginas, mas está tudo por concretizar. É ainda um esboço.

 

E esta reedição da trilogia do “Royaume de Messidor”?

Sim, eu estive no Salão do Livro de Paris com esta nova edição. A primeira edição esgotou e como a editora mudou de ilustradora, nós aproveitamos para mudar o visual.

 

Bem, chegamos ao fim. Para terminarmos, sugere-nos um romance.

Eu, além do “Harry Potter”, gosto muito de “As Crónicas de Nárnia” do C. S. Lewis, mas eu li tantos livros juvenis que é muito difícil escolher um.

 

Entrevista realizada no quadro do programa «O livro da semana» na rádio Alfa, apoiado pela Biblioteca Gulbenkian Paris

Próximo convidado: Itamar Vieira Junior, autor de “Torto Arado”

Quarta-feira, 27 de março, 9h30

Domingo, 31 de março, 14h25

 

 

LusoJornal