Opinião: Ponham-nos na rua

Foi, embora por outras palavras, esta a indicação dada pela senhora Coordenadora de Ensino aos professores de um país da Europa onde a vergonhosa taxa ou Propina é de pagamento obrigatório.

Conforme informação veiculada em dezembro aos docentes, deveriam estes alertar os pais que não tivessem ainda efetuado o pagamento da citada para a necessidade de o fazer o mais rapidamente possível, pois, caso contrário, em janeiro os seus filhos não poderiam continuar a frequentar as aulas de português.

Note-se que não seria a senhora Coordenadora, instalada na sua zona de conforto no edifício da Embaixada, a comunicar a “boa nova”, competindo aos professores a execução da desagradável tarefa e, logicamente, também a receção das reações dos pais dos alunos em causa, que, como é fácil de imaginar, não seriam das mais agradáveis.

Portanto, os professores teriam de assumir funções de cobrador de dívidas, isto além de estarem incumbidos de receber e enviar os comprovativos dos pagamentos em atraso para os serviços de ensino.

Tudo isto, segundo informação dada ao Sindicato dos Professores nas Comunidades Lusíadas pelo senhor Presidente do Instituto Camões, em seguimento do protesto apresentado, absoluta e totalmente compreensível, pois era necessário efetuar o balanço de fim de ano civil e, além disso, tratava-se de uma disposição legal que tinha de ser cumprida, acrescendo ainda que em caso algum se tratava de expulsão de alunos.

Assim, das palavras do Exmo. senhor Presidente do IC, podem ser tiradas três conclusões: a primeira é que certamente existe uma firma, denominada Camões & Cia ou algo semelhante, para a qual a verba da Propina é imprescindível e tem de dar entrada pontualmente.

A segunda é que o citado pagamento se baseia em disposição de caráter legal, embora a dita disposição seja diametralmente oposta ao constante no Artigo 74° da Constituição, segundo o qual é obrigação do Estado português proporcionar aos filhos dos emigrantes portugueses aulas da sua língua e cultura de origem.

Além disso, mesmo que tal disposição legal existisse, seria a mesma de validade muito questionável, pois a inconstitucional taxa é apenas obrigatória para a totalidade dos alunos da Alemanha e da Suíça, para os alunos em França e no Luxemburgo apenas a partir do 5° ou 6° ano de escolaridade, estando aqueles que frequentam os cursos em Espanha e na África do Sul isentos de qualquer tipo de pagamento.

De tudo isto se depreende, segundo o Sr. Presidente do IC, que no século XXI, ano de 2020, se encontra em vigor uma disposição dita legal que beneficia uns e discrimina abertamente outros.

Em terceiro lugar, é no mínimo interessante a afirmação de que não está em causa a expulsão de alunos, quando na circular enviada pela Senhora Coordenadora está bem explícito que aqueles em falta com o pagamento serão impedidos de continuar a frequência, sendo de levar em conta que até à data a referida Senhora Coordenadora nada enviou aos docentes a seu cargo contrariando o disposto na comunicação datada de dezembro.

Impedir que os alunos continuem a assistir às aulas pode ser, além de expulsão, designado por muitos outros termos, por exemplo exclusão, afastamento, segregação, etc., mas no fundo a ordem é, simplesmente, “ponham-nos na rua!”.

E ponham-nos na rua porque, segundo declarações do Senhor Presidente do IC e do antigo Secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, a verba angariada através do pagamento obrigatório só para alguns é imprescindível para custear a formação de professores, os manuais gratuitos, o processo de certificação e alegadas iniciativas culturais, coisas de que todos os alunos e professores em todos os países do EPE usufruem, mas que existem à custa do pagamento feito apenas por alguns.

Aqui cumpre informar que os manuais não são na verdade gratuitos, aqueles que pagam a Propina têm o manual incluído no preço, enquanto que quem não paga a dita devia em teoria pagar o manual, embora não seja de excluir a hipótese de existirem algumas exceções sancionadas pelo IC nesse campo, sempre à custa de quem paga.

A inegável verdade é que, desde que o Instituto Camões assumiu a tutela dos cursos de ensino básico e secundário no Ensino do Português no Estrangeiro, nada mais soube fazer que cortes, despedimentos e poupanças.

Assim, em 2010, primeiro ano em funções, ordenou o Instituto que as professoras em licença de maternidade não fossem substituídas, o que ocasionou haver muitos cursos sem professor durante cerca de seis meses, mas como nessa altura ainda não havia a Propina os protestos foram poucos, se alguns.

E em 2012, fim de dezembro, terminaram as comissões de serviço a 49 professores, sob pretexto de falta de verba, deixando mais de 6 mil alunos sem aulas.

Seguiu-se, em 2013 /14, a instituição da obscena Propina, paga, como já dito acima, só por alguns, embora todos tirem proveito desse pagamento.

Todos não, pois aqueles que deixam de frequentar as aulas porque não aceitam fazer o pagamento, assim como todos os outros que não puderam continuar a aprendizagem do português devido a encerramento de cursos, e que superam já os 20 mil, ficaram de fora. Ou na rua, mais explicitamente.

Tudo isto leva a questionar como é que o Ministério da Educação, durante 32 anos, com quase 700 professores a seu cargo, conseguiu proporcionar a todos os lusodescendentes na Europa e África do Sul aulas gratuitas de língua e cultura portuguesas, pagando os alunos apenas os manuais, além de disponibilizar aos professores cursos de formação anuais, com a duração de 5 dias, enquanto que agora só existem cursos de 3 ou 4 dias, na melhor das hipóteses, e ainda por cima custeados com a verba da Propina.

Para terminar, é importante esclarecer que o país do “Ponham-nos na rua!” é aquele onde maior redução do número de alunos e professores se tem registado, sendo que em 2007 havia aí 144 professores e quase 15 mil alunos, sobrevivendo atualmente apenas 69 docentes e cerca de 7 mil alunos, a cargo de uma Senhora Coordenadora de Ensino que, no fim do ano letivo passado, foi recompensada pelo seu brilhante desempenho com a menção de “Excelente”, atribuída pelo Presidente do IC.

Se Portugal fosse na verdade um país civilizado e não padecesse de um notável excedente de políticos que mais não sabem fazer do que assobiar para o lado, especialmente em tudo o relativo às Comunidades, porque a distância geográfica sempre ajuda, nada disto sucederia.

Assim fica a pergunta: quem é que devia ser posto na rua, afinal?

 

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