Lusa | António Pedro Santos

Opinião: Quase “desconfinados”

“Desconfinados” mas só até 100 quilómetros de nossa casa.

Em França, a cultura continua quase completamente fechada ou em circuito digital. Bom, abriram as livrarias. Já não era sem tempo! E há muito que deviam ter sido consideradas, em todos os países, como locais de venda de bens de primeira necessidade.

Os teatros e cinemas, esses, continuam sem data fixa de abertura. Para os primeiros a situação é realmente dramática – é que o Teatro é uma realidade que se dá mal com regras de distanciamento, seja para os atores, seja para os funcionários e mesmo para o público.

Fechados, continuam também os museus, os maiores ou mais pequenos museus dos arredores, os monumentos, as casas de artistas e de escritores… Esqueçamos então os lugares institucionais da cultura e vamos para um dos muitos e belos jardins de Paris ler um livro. Irra! Também estão fechados!

Bom, vamos então para o campo, vamos atrás dos pintores naturalistas, dos impressionistas, sigamos o Sena até à foz (atenção porém! com a regra dos 100 quilómetros, quem vive em Paris não consegue sequer voltar a ver o mar!).

Mas vamos a Giverny, a Fontaineblau, a Barbizon, a Auvers-sur-Oise, a Milly-la-Fôret,… Ah! Bolas! É conveniente ter viatura própria. Viajar de comboio é uma aventura de controles burocráticos quase tão maçadora, agora, como apanhar um avião. E sabemos lá nós da regularidade dos horários!

Ainda por cima, hoje, que estou com esta teimosia de visitar Museus! É que é dia 18 de maio, e dia 18 de maio é Dia Internacional dos Museus. Como fazer então? Só usando a imaginação!

Convido-vos a um verdadeiro exercício de “desconfinamento”: vamos a Portugal ver o que se passa, porque, ali, este dia festivo foi o escolhido para reabrir já, com programas espaciais e visitas livres, a maioria esmagadora dos Museus e Monumentos Nacionais – por vezes, inaugurando exposições que tinham ficado por inaugurar, outras vezes, reabrindo as que estavam em curso.

Das mais de 200 ações que se estendem de norte a sul escolhi uma ínfima parte. Que me perdoem os outros museus e os seus públicos, mas no site da Direção-Geral do Património Cultural do Ministério da Cultura, podem encontrar as várias entidades implicadas neste dia e as ações que serão levadas a cabo.

No Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, a grande expectativa é a apresentação do espaço onde os painéis quatrocentistas de Nuno Gonçalves estarão, em breve, em restauro, graças a um mecenato da ordem dos 200 mil euros da parte da Fundação Millennium BCP – assim se mantém, em visita pública, uma das melhores e certamente a mais icónica e também a mais polémica imagem da arte portuguesa de todos os tempos.

Falando em restauros pode também visitar os restauros da sala do Trono do Palácio Nacional da Ajuda. A visita tem jeitos de escalada e aventura com o público – sem vertigens – a ser convidado a subir aos andaimes que lhe permitirão ver de perto o teto pintado da sala.

Mas regressemos ao Museu Nacional de Arte Antiga onde, para além da coleção permanente e pequenas mostras temporárias, a novidade é também o regresso ao cruzamento de arte contemporânea e arte antiga. Julião Sarmento, um dos mais importantes artistas contemporâneos portugueses, escolheu, na coleção do Museu, um conjunto de desenhos florentinos do século XVI, cruzando-os com um conjunto pinturas e desenhos de sua autoria desenvolvendo uma reflexão em torno da importância da linha no Desenho.

Falando em Desenho devemos referir a reabertura da importante exposição do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, em Lisboa, “A Biografia do Traço”, onde se apresenta um século de desenhos (dos anos 30 do séc. XIX aos anos 20 do séc. XX) assim valorizando o fundo riquíssimo da coleção do Museu nunca antes apresentando em tal extensão.

Se passarmos ao Porto, o destaque maior vai para Serralves, vasto universo que abriga uma multiplicidade de espaços e diferentes missões: do importante meio natural (os jardins, o parque e a horta de plantas aromáticas), à casa original (um exemplo extraordinário de Art Déco), ao Museu propriamente dito ou à mais recente Casa do Cinema Manuel de Oliveira.

A comunicação do museu aproveitou uma exposição interrompida como slogan deste regresso à normalidade possível: “A vida como ela é!” apresenta obras de Lourdes de Castro, a mais importante artista portuguesa viva, capaz de, através uma sombra projetada ou de uma simples flor, nos mostrar o essencial da vida e da sua beleza. Todos os espaços de Serralves estarão abertos e com visitas guiadas, atividades e conversas nomeadamente as que se desenvolvem em torno do rico património botânico de Serralves.

Curiosidade do Museu Nacional de Arte Antiga (e regressamos momentaneamente a Lisboa) é o modo como integram o projeto europeu da “Capital Verde 2020” que Lisboa assumiu acrescentando, em certas obras, uma tabela com os dados botânicos das espécies representadas.

Finalmente, uma indicação para o dia 19 e para muito longe dos grandes centros.

Em Bragança, no Centro Graça Morais, inaugura, finalmente, uma exposição dedicada a Túlia Saldanha, onde encontramos recriada uma instalação de 1974 concretizada em 1976: a “Sala da descontração”. Túlia Saldanha, que foi uma artista de obra tardia e curta, e é injustamente mal conhecida, apresenta-nos um grande espaço sem teto para poder receber luz natural. Para entrar temos uma porta baixa e o chão está coberto de montes de papel reciclado cortado em fitinhas estreitas e longas como palha que o público poderá atirar ao ar, usar como cama, brincar…

Ironia dos tempos que vivemos: essa sala de convívio e festa estará fechada aos visitantes que apenas podem espreitá-la – passará a ser apenas memória de uma “sala de descontração” – vivemos, de facto, tempos de contração.

Mas o que importa é aproveitar este regresso ao contacto direto dos públicos com os lugares da arte.

Mesmo com constrangimentos (sem visitas escolares, obrigando às novas regras da distanciação social, uso de máscaras e desinfetante) esta é uma boa notícia para todos.

Esta crónica serve para vos estimular a visitarem os museus e monumentos nacionais no vosso regresso a Portugal durante as férias de verão – num ano em que o turismo vai inevitavelmente baixar de modo dramático será um modo de ajudar essas instituições, sempre tão frágeis. A frescura de um museu, a luz que ele acrescenta aos nossos espíritos, o exercício de o percorrer em todos os sentidos, as paisagens e rostos que nele veremos, podem bem compensar a complicação maior que se adivinha poder vir a ser uma simples ida à praia. Além do mais, a infeção pelo vírus da arte é benéfica para a saúde física e mental, mesmo os efeitos secundários são positivos.

Boas escolhas culturais (deixem-se infetar pelo vírus da arte) e até para a semana.

 

Esta crónica é difundida todas as semanas, à segunda-feira, na rádio Alfa, com difusão antes das 7h00, 9h00, 11h00, 15h00, 17h00 e 19h00.

 

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