Pesquisa e apelo da jovem historiadora Inês Gonçalves, sobre a história do seu bisavô, soldado do CEP

A jovem Inês Gonçalves, bisneta do soldado do Corpo Expedicionário Português (CEP), Domingos Gonçalves, tenta reconstituir, 107 anos volvidos, a história do seu familiar que participou na Batalha de La Lys, e faz um apelo!

Domingos Gonçalves nasceu em São Paio de Seramil (Amares, Braga) a 6 de fevereiro de 1895, filho natural de Maria Rosa Gonçalves. Embarcou para França a 22 de abril de 1917, combatendo na Batalha de La Lys, a 9 de abril de 1918, onde foi feito prisioneiro. Fazia parte da 2ª Divisão, Regimento de infantaria 29, 2ª Companhia, 4ª Brigada, Brigada do Minho, com a placa de imatriculação do CEP 46.811A, soldado de infantaria n°320.

Na sua ficha militar consta ter sido feito prisioneiro a 9 de abril de 1918, confirmação dada pela Comissão de prisioneiros de guerra que o localiza no campo de Dulmen. Pela Ficha de prisioneiro sabemos que foi preso em Laventie e que terá passado também pelo campo de Friedrichsfeld.

Em data de 17 de dezembro de 1918, o seu nome consta da lista de prisioneiros portugueses que deveriam embarcar no porto holandês de regresso a Portugal.

Na ficha do CEP é dado como presente a 16 de janeiro de 1918, embarca no Miller a 31 de janeiro de 1919, chegando a Lisboa a 4 de fevreiro.

O LusoJornal interrogou Inês Gonçalves, bisneta de Domingos Gonçalves, sobre a razão das suas procuras atuais.

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Qual a razão de se ter lançado na pesquisa de informações sobre o seu bisavô, Domingos Gonçalves, soldado do CEP?

O meu bisavô, depois de regressar a Portugal, em 1919, teve uma vida pacata à semelhança de muitos outros portugueses, ocupando-se no trabalho no campo. Segundo dizem, gostava muito de contar anedotas a familiares e amigos da aldeia, contudo poucas informações temos dele. O meu avô, ainda vivo, não se lembra do pai, que morreu a 25 de março de 1944 de pneumonia, desconhecemos mesmo o local onde foi sepultado. O meu avô nasceu em 1940. E o pai dele morreu a 25 março de 1944 na aldeia que o viu nascer, tinha apenas 4 anos quando o seu pai morreu. Hoje não tem nenhuma recordação do pai, nenhuma foto, nenhum documento. O meu amor pelo meu avô, mas também pela história, levou-me a lançar-me neste trabalho de pesquisa e a mergulhar no passado para aprender, desvendar. O meu sonho seria oferecer, acima de tudo, um presente ao meu avô, e dizer-lhe: “Avô, aqui está o teu pai”.

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Quem lhe falou da participação do seu bisavô na I Guerra Mundial?

Na nossa família, somos muito unidos e sentimos muita nostalgia dos nossos antepassados. Em pequena, fui embalada com as histórias do meu avô sobre sua emigração, sobre histórias de meu pai, por vezes por simples anedotas das suas juventudes. No verão, quando vou a Portugal para ver o meu avô, há sempre um momento em que ele nos conta a história da sua vida, adoraria escrever um livro sobre o que me conta, é interessante e moralizante. Adoro a história, as histórias, do meu avô porque sempre me inspiraram. Lembro-me de uma conversa com ele, em 2021, e de lhe ter feito inúmeras perguntas que eu tinha preprado sobre a ditadura de António Salazar e como a viveu. As histórias do meu avô sempre me fascinaram, talvez pelo fascínio das gerações anteriores, pela coragem que enfrentaram na vida diária que nunca foi fácil. O facto de contar, de se contarem histórias, faz parte do dever de memória, a memória do passado é importante, é certo que não podemos alterar tudo, no entanto diria que podemos aprender boas e lindas lições com ele. E quando é o meu avô que me conta o que viveu, num momento em que estamos para entrar na vida ativa, acho que é importante, primordial. O meu avô fala-me sempre do pai dele com grande emoção, embora não tenha dele lembrança nem sequer uma foto. É através de conversas e de anedotas que a sua memória continua viva entre nós seus familiares. O meu pai, aqui em França, também me conta histórias do meu avô, vai-se tornando uma tradição familiar, para não esquecermos. Histórias que eu própria gostaria de contar aos meus filhos. Durante uma aula de história contemporânea, em março último, falou-se sobre a participação portuguesa na Grande Guerra, fiquei sensível e vieram-me à memória certas histórias, partilhei com meu pai esta coincidência.

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A Inês lançou um apelo na rede social Facebook do grupo CEP 1916-1919. Recebeu alguma informação?

Em março de 2025, integrei esse grupo, foi-me facultado graças à resposta de um membro o certificado de batismo de meu bisavô, vários outros membros contactaram-me. Atualmente tenho ajuda nas pesquisas de José Carlos Marques Durão, um investigador interessado na história dos militares portugueses e que escreveu um livro sobre o primeiro guarda do Cemitério militar português de Richebourg, conjuntamente com o sobrinho, João Gaspar. As pesquisas têm sido feitas, em particular junto do Arquivo Geral do Exército e do Arquivo Histórico Militar. Ainda não conseguimos encontrar o arquivo pessoal do meu bisavô, talvez esteja em outra instituição. Conseguimos encontrar listas de prisioneiros dos campos alemães nos quais apareciam o seu primeiro e último nome. Com essas indicações, conhecemos o seu percurso como prisioneiro.

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Quer falar da ligação dos seus avôs e pais com a França?

Os meus avós paternos casaram a 27 de maio de 1961 na Igreja de Vilela. O meu avô João de Azevedo Gonçalves chegou a França em abril de 1966, passando primeiro pelas cidades de Houilles e Sartrouville, nas Yvelines. Chegou a França, como muitos outros portugueses pelos seus próprios meios, a pé e de carrinha. Entre 1967 e 1969 regressou a Portugal, nasceram nesta altura os seus dois primeiros filhos. Mudou-se para Loon Plage, no Norte de França em 1971, onde trabalhou na construção civil para a empresa SGE, ano em que a minha avó veio de Portugal de comboio com duas crianças pequenas. Em 1974, o terceiro filho, Tony, nasceu em Grande Synthe, onde a casa era mais espaçosa para a família que crescia. A minha avó, tendo-se ocupado dos filhos, só começou a trabalhar em 1982, para Brunelle, como governanta. Em 1981, construíram a casa de família em Portugal, em Seramil, antes viviam em casa do meu bisavô materno, Augusto e da minha bisavó Augusta. Regressaram a Portugal em julho de 2000. A história dos meus avós ilustra muito bem a vida e o quotidiano de milhares de imigrantes portugueses que chegaram a França por falta de trabalho ou de remuneração digna em Portugal. O meu pai é português, natural de Goães, uma pequena aldeia no distrito de Braga, a minha mãe é italiana, originária da cidade de San Severo, no sul da Itália.

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Inês, que formação tem? Será que essa formação a ajudou e a incentivou a se lançar em tal percurso de pesquisa?

Após obter o meu bacharelato em 2022, iniciei uma licenciatura em história na Universidade. Estou à espera dos meus resultados finais do exame de licenciatura, o que me permitirá integrar a família dos historiadores. Vou iniciar um Mestrado em setembro com o intuito de vir a ser professora de história através do concurso CAPES (Certificado de Aptidão para a Docência no Ensino Médio) em março de 2026. Acho que mesmo que não tivesse sido historiadora, num momento ou noutro, o amor que tenho pelas minhas raízes e pela história, acabaria por fazer esta pesquisa pessoal. A minha curiosidade sem limites ajuda-me a realizar este projeto, assim como a minha determinação em encontrar a foto do meu bisavô. O meu avô sempre foi conciliador, carinhoso, seria a minha forma de retribuir tudo o que me deu e ainda me dará para o meu futuro. Estou convencida de que uma foto do meu bisavô existe algures.

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Qual o apelo que deixa?

O meu avô nasceu em 1940, hoje tem 85 anos, infelizmente está a envelhecer, é o curso da vida, contudo ainda é robusto e forte. Uma resposta, e mais particularmente uma foto do pai dele, meu bisavô, seria a apoteose, a realização de um sonho, o transmitir à nossa família algo que procuramos há décadas. O meu avô ficaria muito feliz e emocionado, e todos nós também. Acho que o sentimento que o meu avô teria seria indescritível assim como para o resto da minha família; o irmão do mei avô, os meus tios, os meus primos, os meus pais, a minha irmã… Sinto-me também orgulhosa por ter podido dar os primeiros passos como historiadora na pesquisa das minhas raízes portuguesas e das minhas relações com Portugal.

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Que o exemplo de Inês Gonçalves possa ajudar, alimentar, decidir, os jovens que, como ela, se lancem em tais pesquisas, um trabalho sobre o passado para o futuro.