Hércules Cruz
Hércules Cruz

Hércules Cruz, Embaixador de Cabo Verde em França: “Se olharmos para 44 anos de independência de Cabo Verde, o resultado é positivo”

Hércules Cruz, o Embaixador de Cabo Verde em França apresentou Cartas credenciais ao Presidente Emmanuel Macron no dia 19 de dezembro de 2017.

Em vésperas da Festa da independência de Cabo Verde, o Embaixador deu uma longa entrevista ao LusoJornal onde anunciou a abertura de um Consulado Geral de Cabo Verde em Nice e onde explicou como resolveu “milagrosamente” os problemas de atendimento na Secção consular da Embaixada, em Paris.

Fala também da CPLP, de democracia e da Comunidade caboverdiana em França.

Que Comunidade caboverdiana temos em França?

Esta Comunidade caboverdiana está bastante relacionada com a Comunidade portuguesa, têm muitas vezes os mesmos empregos. Foi aliás assim desde sempre, primeiro estávamos sob a mesma bandeira e os caboverdianos escolhiam os mesmos lugares que os Portugueses. Ora isso não se muda de um dia para o outro, mesmo se ganhámos a autonomia, mesmo se temos uma outra bandeira. A Comunidade aumentou substantivamente nos últimos anos, particularmente no seguimento da crise económica de 2008. O Caboverdiano está sempre muito ligado à sua terra. A Comunidade em França é considerada uma das mais importantes. Muitos têm a nacionalidade caboverdiana e portuguesa, guardam pelo menos essas duas nacionalidades, quando não é muito mais. Tal como vieram de Portugal para cá, vão depois também para outros países. É uma Comunidade muito variada, quanto mais não seja, pelo aspeto formal da nacionalidade. O Cônsul de Portugal em Paris diz que uma percentagem muito grande das pessoas que são atendidas são luso-caboverdianos.

Vai dizer-me que é impossível dar-me números?

Sim. Portugal tem muitos mais meios e mesmo assim, quando indago várias pessoas, não me sabem dizer quantos Portugueses têm exatamente em França. Eu também não lhe sei dizer quantos Caboverdianos temos cá. As pessoas usam a nacionalidade como melhor lhe convém. Há muitos que são Franceses, estão cá há muito tempo e já são de cá. Eu prefiro nem dar uma estimativa, não vejo nenhuma base minimamente científica para se poder dizer que é este número e não um outro. Há poucos países como nós que tem mais gente fora do que dentro. Poderia citar apenas o Líbano e a Arménia. Nós, nos países de língua portuguesa, temos um património comum que é a língua, que, na verdade nos faz compreender, de uma forma muito natural, que nós somos uma grande família. Temos diferenças e as diferenças, dentro da família são vistas como uma coisa negativa, quando normalmente, isso até enriquece.

Hércules Cruz, Embaixador de Cabo Verde em França
LusoJornal / António Borga

Como está organizado o serviço diplomático de Cabo Verde em França?

Eu represento Cabo Verde na Unesco, na OIF (Francofonia), na OCDE, na União Latina, mas também tenho a missão Bilateral, e a relação com a Comunidade, através do serviço consular.

A Embaixada tem uma Secção Consular…

Aqui centralizava-se tudo e tínhamos dois Consulados honorários, um em Nice e o outro em Marseille. Agora, ficamos apenas com Marseille, acabámos com o Cônsul Honorário de Nice para aí criarmos um Consulado Geral, que tem a sua autonomia. Uma grande parte das pessoas que vieram recentemente de Portugal, no seguimento da crise, fixaram-se no sul da França. Como a cidade está equidistante, alguns preferiam ir a Portugal resolver os problemas do que vir a Paris que, de qualquer das formas, também estava saturado. O Consulado Geral já está em funcionamento, e vai ser inaugurado oficialmente no dia 7. Aguardamos vinda do Primeiro Ministro e do Ministro dos Negócios Estrangeiros, aproveitando para celebrar com a Comunidade a independência. O dia oficial é no dia 5 de julho, no dia 6 celebraremos na região da Champagne. A ideia é mobilizar todos os lusofalantes.

Notam-se melhoramentos no atendimento dos utentes. O que fez neste sentido?

O serviço estava mal. A partir de uma certa altura já não sabíamos porque não estava a funcionar bem. Um setor contamina os outros e assim de seguida. Constatámos que havia uma desorganização interna, sem dúvida, e com o acréscimo de uma incapacidade de satisfazer a demanda crescente dos utentes. Como sabe, as Missões gozam dos feriados dos dois países. Todas as Comunidades reclamam quando os serviços estão fechados. Esta é uma das questões que nós tivemos de trabalhar. Por exemplo, na Páscoa deixámos ficar a sexta-feira por ser feriado em Cabo Verde e em França é na segunda-feira. A Páscoa, por exemplo, é a data mais importante do cristianismo. Por isso guardámos esses dois feriados sobre o mesmo assunto. Eu fico incomodado com isto, mas por exemplo no Carnaval, em Cabo Verde fecha-se tudo, mas aqui não, então decidimos que também não fecharíamos. Os funcionários não vieram trabalhar nesse dia, tive de recorrer a outros funcionários. Mas os utentes que vieram cá, vieram na mesma quantidade que teriam vindo outro dia. Teriam batido com a cara na porta. Perdiam trabalho, ficavam mal impressionados e teriam de voltar cá na mesma. Este é apenas um dia. Mexemos nestas pequenas coisinhas e na verdade os resultados foram bem mais rápidos do que eu esperava. Por acaso foi rápido. Aumentando horários de atendimento, aumentando dias de atendimento… por vezes os funcionários acham que já deram demais ou que nada disso vai funcionar, então entra-se num estado de solidão, mas quando eles percebem que eles também ganham… Nesta vida nada está adquirido em definitivo. Temos de ser vigilantes e não nos deitarmos à sombra da bananeira. Se nós conseguimos resolver o problema ainda sem a criação do Consulado Geral no sul da França, então ousamos acreditar que faremos melhor daqui em diante.

As pessoas vinham muito cedo para apanharem vez, não era?

As pessoas vinham muito cedo, sim. Por vezes chegavam aqui na noite anterior. Já me aconteceu sair daqui às 18h30/19h00 e encontrar pessoas à porta. Pessoas que vinham para o dia seguinte. Isso chocava-me. Já começava a haver um mercado. Havia pessoas que compravam o lugar. Por isso eu achava que ia ser difícil de resolver. Havia também mercado de produtos caboverdianos à porta da Embaixada. Havia uma perturbação na vizinhança, uma certa exasperação, aliás, a Maire veio falar comigo.

E sobre as relações bilaterais, o que me pode dizer?

Precisam de uma expressão maior a nível político.

Hércules Cruz, Embaixador de Cabo Verde em França
LusoJornal / António Borga

Sente que Cabo Verde é conhecido em França?

Cabo Verde goza de uma espécie de simpatia gratuita da parte dos Franceses. Tem uma atratividade, uma simpatia. Eles vão lá por sugestão de outros compatriotas. Os transportes também é algo importante. O transporte mais importante é o da TAP que fez um trabalho profundo: fez de Lisboa um centro mundial para fazer mudanças para Cabo Verde e para todo o mundo. Nós por vezes só olhamos para as questões negativas, mas a TAP é um exemplo muito positivo.

Como se portam os investimentos franceses em Cabo Verde?

Estão na área do turismo e da hotelaria. Há interesse na gestão de portos e aeroportos, mas é basicamente no turismo com uma tendência de crescimento sobretudo se houver esses sinais de interesse. Há uma convergência genuína dos valores de liberdade, direitos humanos, democracia, mercado… há uma série de valores que partilhamos.

Cabo Verde é um exemplo de democracia. Os Franceses admiram Cabo Verde por ter sabido implementar uma democracia, uma alternância. Acha que a França reconhece isso mesmo?

Ainda esta semana o meu condutor me dizia que quando houve uma eleição entre Carlos Veiga e Pedro Pires, houve uma diferença de 11 votos e o Presidente francês felicitou o vencedor. É claro que isto conta. Na vida nada é adquirido. Um dos maiores riscos que a gente corre é dizer que antes é que era melhor, outros vendem-nos sonhos que não são realizáveis. A melhor forma de garantir realmente aquilo que é adquirido, é a vigilância. Veja o que se passa à nossa volta, há Presidentes e Chefes de Estado de países importantíssimos que fazem certos tipos de discursos a questionar valores e princípios que nós pensávamos estarem adquiridos. Não se pode negar que este é um belíssimo cartão de visita. Um Estado de direito é importante para quem nos quer visitar, para fazer negócio. Saber que se há algum problema não vão ficar dependentes de vaidades políticas. Para quem investe é da máxima importância. Você não vai investir num país se não sentir que é estável.

E é importante comemorar a independência?

Os agrupamentos, as coletividades e os indivíduos celebram momentos que consideram importantes nas suas vidas. Uma nação também. Ainda recentemente estivemos a celebrar o 10 de junho na Embaixada de Portugal. Mas o mais bonito nessa data foi o que aconteceu entre os Presidentes de Cabo Verde e de Portugal. O Presidente Jorge Carlos Fonseca foi a Portalegre a convite do seu amigo quase no sentido descrito por Montaigne. Uma amizade entre os dois Presidentes, mas que reflete a amizade entre os dois países e os dois povos. Isto é essencial quando as coisas não dependem do humor. Marcelo Rebelo de Sousa convidou Jorge Carlos Fonseca para assistir às comemorações e logo de seguida viajaram para Cabo Verde para celebrar o 10 de junho na Praia, na Brava, que é a terra das origens do Presidente Fonseca. Esse momento representa o que nós estávamos a dizer, que as nossas Comunidades são como se fossem da mesma família.

Hércules Cruz, Embaixador de Cabo Verde
LusoJornal / António Borga

Isto foi possível em Cabo Verde. Acha que podia ter sido possível em Angola?

Penso que sim. Com Cabo Verde sempre foi mais fácil. Mas já se viu em relação a Angola sinais muito positivos. A Guiné Bissau tem estado muito atrapalhada com questões internas, mas não tenho dúvidas nenhumas. Na Unesco, quando celebrámos o dia da língua, há um orgulho, uma pertença, uma profundidade na história. Nem sempre estivemos no mesmo patamar, mas há uma coisa, uma bola que foi rolando e que manteve uma essência e que essa essência é que eu respondo positivamente, sem qualquer dúvida, que isso vai acontecer e talvez mais rápido do que nós podemos imaginar neste momento.

A França pediu adesão como membro observador da CPLP. É sinal que a estrutura está a ganhar um peso internacional?

Eu penso que sim. É um reconhecimento de que houve uma transição, há algo nessa Comunidade que valerá a pena pelo menos acompanhar de perto. O que eu não sei é se estamos com capacidade de nos adaptarmos para dentro. A França é um país de uma importância enorme. Mas outros países robustos, como o Reino Unido, a Turquia, aderiam como membros observadores. É interessante esse olhar para a lusofonia. Por um lado, isso demonstra interesse, mas seria interessante de termos uma capacidade para saber se queremos crescer e como vamos crescer. Nesse sentido, a Guiné Equatorial foi uma boa provocação! Mesmo se os Estatutos permitem a entrada de outros Estados como observadores. Na Francofonia vemos valores essenciais que já não é possível levá-los avante por causa do inchaço. A Guiné Equatorial pode ser uma boa oportunidade, mas depois criticaram pela falta de visão política. Vejo muita gente bater na CPLP. Por vezes esperamos muito da pessoa amada. Se esperamos muito e demais é a melhor forma de destruir a relação. Na verdade, os elementos mais positivos de uma relação, que são o amor e a paixão, são das armas de destruição mais eficazes. As relações duram muito mais quando não há nenhuma dessas duas coisas.

44 anos de independência é um balanço positivo, não é?

Temos de considerar que, sobretudo, tomando em conta o ponto de partida. Cabo Verde teve um papel estratégico maior nos Descobrimentos. Mas Cabo Verde é o território mais desprovido de todas as terras por onde Portugal pôs os pés, desprovido de praticamente tudo, de tal forma que, a conceção da independência de Cabo Verde era algo muito difícil de elaborar. Penso que terá sido determinante a inteligência de Amílcar Cabral. Hoje valorizamos menos isso por causa das competições partidárias, mas é de uma inteligência enorme. Dizia-se que Cabo Verde, enquanto Estado, era completamente inviável, tanto pela sua dimensão física como pelos recursos dos meios. Na verdade, houve a luta da libertação que todos nós conhecemos, houve o projeto de unidade entre a Guiné Bissau e Cabo Verde, e depois sabemos o que aconteceu, a rutura que não foi causada por Cabo Verde. Passados esses anos todos, quando olhamos para Cabo Verde e para os outros países cuja viabilidade nunca foi colocada em causa, eu acho que muito sinceramente – e é a avaliação que muitos Caboverdianos fazem – há que dizer que sim, que foi positivo, apesar de tantos problemas para resolver, na área económica, a falta de um crescimento robusto, durável e inclusivo. São os grandes desafios. O desemprego tem níveis muito altos, mas ainda esta semana ouvi que a Grécia tem taxas elevadíssimas de desemprego. É uma taxa grande, mas não é maior do que a taxa de desemprego em países de maior impacto. Eu não sou político, mas se conseguimos chegar até aqui, vamos conseguir certamente chegar mais além.

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