Nuno Gomes Garcia conversa com Eduardo Maragoto: “O galego e o português são a mesma língua”

Eduardo Maragoto é filólogo, Presidente da Associação Galega da Língua e um dos rostos do Reintegracionismo, um movimento social e cultural que visa a reintegração da língua galega no âmbito linguístico português e a adaptação da ortografia galega à ortografia portuguesa, recusando-se dessa forma a castelhanização da língua galega, que é considerada pelos reintegracionistas um abastardamento do galego.

Há uns anos, Eduardo Maragoto escreveu o livro “Como ser reintegracionista sen que a familia saiba”, um manual que, e passo a citá-lo, “te ajudará a melhorar o galego e a confluir com o português sem necessidade de mudares a ortografia”. Um livro que, como acontece quase sempre no Estado moderno espanhol, é também o reflexo de uma resistência política à castelhanização das várias nações que hoje fazem parte de Espanha.

Em Portugal, esquecemos, por vezes, os vínculos históricos, culturais e, claro, linguísticos que nos unem ao povo galego. Esquecemos que Portugueses e Galegos foram durante séculos um único povo que foi separado apenas devido à conjuntura política e geopolítica, neste caso a integração da Galiza na Espanha. Uma integração (há quem lhe chame colonização) raramente pacífica que quase fez desaparecer a língua galega, designadamente a sua versão escrita, entre os séculos XV e XVIII e que, não vai há muitas décadas, viu o fascismo franquista – Franco que até nasceu na Galiza – oprimir os galegos, negando-lhes o direito de se expressarem na sua própria língua e de fazer prosperar a sua cultura, tão diferente da cultura castelhana.

Hoje, vamos então falar da Galiza, daquela que é talvez a nação mais bonita da Península Ibérica.

 

Eduardo, começo curto e grosso: o galego e o português são ou não a mesma língua?

Pois quer dizer, essa é uma pergunta difícil de responder, depende do ponto de vista da pessoa que for opinar sobre essa questão. Há quem pense que o galego e o português são efetivamente a mesma língua. E de facto têm uma prática como sendo a mesma língua. Eu por exemplo escrevo em português aqui na Galiza, e há muitas pessoas que fazem isso. Outras não farão isso e escrevem o galego de forma diferente do português, mas todos reconhecem que fazem parte do mesmo sistema linguístico e que se fossem tomadas certas decisões ao nível da ortografia passariam a ser a mesma língua. Mesmo quem se opõe à tomada dessas decisões reconhece que as línguas poderiam filologicamente e dialetalmente ser consideradas a mesma. Só que devido a questões sociolinguísticas não se atrevem a dar esse passo. Mas em geral é bastante consensual que sim, que o galego e o português são a mesma língua.

 

Explique-nos então no que consiste exatamente o Reintegracionismo?

Como muito bem explicou o Nuno, o galego e o português tiveram uma época de formação conjunta de quase oito séculos, entre o século V e o século XII.

 

E chegou-se ao galaico-português que predominou no noroeste da península.

Sim, depois desse período de formação chegou-se ao galaico-português, que creio que todos os ouvintes conhecem ou já ouviram falar. Todavia, após a independência de Portugal no século XII, o galego deixou de ser escrito. Continuou claro a ser falado pelas classes populares, pelo povo camponês, nas vilas piscatórias, mas não pelas classes altas da sociedade. Quando voltou a ser escrito, já no século XIX, começou o debate a propósito de como deve ser escrito, se com ortografia espanhola, se com ortografia portuguesa. Esse debate prolongou-se durante um século e meio até que, após décadas de franquismo, chegou a democracia. E, nesse momento, houve um debate cultural na Galiza e triunfou a ideia de que se deveria escrever segundo a ortografia espanhola. O Reintegracionismo surge aí, um movimento que se recusa a isso e que defende que o galego deve escrever-se da mesma maneira, seguindo as mesmas regras ortográficas e gramaticais do português.

 

Eu reparei que o Eduardo fala em língua espanhola, o que já deve estar a fazer confusão na cabeça de quem nos ouve. Devemos referir-nos à língua predominante do Estado espanhol como espanhol ou castelhano?

Tanto faz. Quer dizer, o castelhano refere o lugar da Espanha onde nasceu essa língua, a parte central da Península Ibérica, Castela, que é diferente da Catalunha, do País Basco ou da Galiza. Ao falarmos de espanhol estamos a referir-nos ao Estado que tornou essa língua conhecida, que a internacionalizou, digamos assim. Mas nós não fazemos questão disso. Para nós não é um assunto polémico. Pode haver pessoas que digam “pronto, então o catalão também é espanhol”, e há outras que dizem “não, o catalão não é espanhol, nós defendemos o catalão mas não como língua espanhola”.

 

Então vamos apimentar isto com polémica. Refiro-me à polémica que ocorreu há umas semanas nas Cortes Espanholas. Nestor Rego, Deputado do Bloque Nacionalista Galego, finalizou o seu discurso com um contundente “obrigado” para logo ser atacado, por quem não percebe nada da poda, digo eu, de estar a falar português. Ora, “obrigado” é ou não uma forma de agradecimento na língua galega?

Estamos a falar de uma fórmula fática de agradecimento. Há muitas palavras que se usam isoladamente no discurso, que não fazem parte de contextos práticos, que estão castelhanizadas no galego. Não apenas no galego, mas também no basco e no catalão. É a parte fraca da gramática que se deixa castelhanizar muito facilmente. Este tipo de palavras, que são palavras bastante modernas, com um século ou dois, antes usavam-se outras formas, entraram todas no galego através do castelhano. Existem pessoas na Galiza que entendem que para evitar a entrada constante de novos termos castelhanizados na língua galega, devemos cooperar, digamos assim, com os outros países da língua portuguesa, os outros países lusófonos. E devemos permitir que palavras tão emblemáticas do português, como “obrigado”, sejam usadas por nós, galegos. Na Galiza existem muitas pessoas partidárias dessa postura e partidárias do galego que usam palavras portuguesas.

 

E como está hoje a vitalidade da língua galega, depois da transição de 1978 até agora?

É um paradoxo. O galego até meados do século XX era praticamente falado por 90% da população. Só que a população estava dispersa por pequenas vilas, aldeias. A partir de 1960, a população passou a concentrar-se em vilas mais importantes, maiores, e em cidades, e isso provocou uma castelhanização da língua falada. Agora o galego já não é maioritário entre a gente nova. Há pouco mais de meio século era absolutamente maioritário. Apesar de o galego ser estudado nas escolas – e nós criticamos o facto de ser estudado com a ortografia do castelhano e de não se levar em conta as outras variantes, dizemos nós, da língua galaico-portuguesa – e de existir um certo uso administrativo, ainda fraco, se compararmos com o espanhol, mas está presente. Qualquer português que visite a Galiza verá cartazes, placas da estrada em galego. Apesar de tudo isso, na língua oral está mais fraco do que nunca. Entre os jovens, entre os dez e os vinte anos, só atinge 15% de uso. O galego encontra-se então numa situação muito grave que foi de facto o que fez avançar o Reintegracionismo.

 

O Reintegracionismo é então uma resposta à situação perigosa em que se encontra a língua galega?

Sim, foi no fundo uma resposta. Para nós o Reintegracionismo já existia, já existia a tendência de querer aproximar a ortografia e a gramática do galego às do português. Sempre existiram pessoas como eu que consideram que o galego e o português são a mesma língua e que as falas galegas podem ser representadas pela ortografia e pela gramática portuguesas, mas isso não era consensual na sociedade. Mas agora, pelo menos no galeguismo, começa a ser. Um exemplo sobre o avanço do Reintegracionismo. Na Galiza, até ao princípio deste século, eram usadas várias denominações para dizer os dias da semana. Umas coincidiam com as portuguesas, as feiras, e outras já eram as espanholas ou as espanholas galeguizadas. Quando começou o momento mais intenso deste debate, as instituições galegas optaram por utilizar as denominações castelhanas em vez das portuguesas. E agora que as denominações puramente castelhanas, e não as castelhanas galeguizadas, continuaram a avançar e a serem as mais usadas, as pessoas já começam a pensar que teria sido melhor ter optado pelas portuguesas, que eram usadas pelas pessoas mais velhas das aldeias e deveria ter sido feito o esforço para recuperá-las.

 

Entrevista realizada no quadro do programa «O livro da semana» na rádio Alfa, apoiado pela Biblioteca Gulbenkian Paris

Próxima convidada: Ana Vera autora de “Le Cinéma Portugais: Histoire, Culture et Société”

Quarta-feira, 29 de janeiro, 9h30

Domingo, 02 de fevereiro, 14h25

 

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