Lusa / Miguel A. Lopes

Braço de ferro entre António Costa e Emmanuel Macron por causa do gasoduto ibérico

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Se há assuntos em cima da mesa das negociações entre a França e Portugal são as interconexões entre a França e a Península ibérica. E neste momento, a construção de um gasoduto para o sul de Europa tem estado a ser bloqueado pelas autoridades francesas e tem sido assunto para um “braço de ferro” entre o Primeiro Ministro português António Costa e o Presidente francês Emmanuel Macron.

O assunto não é novo, mas ganhou mais atualidade desde o início da guerra na Ucrânia e desde que a Rússia deixou de fornecer gás à Europa.

Com efeito, as tensões geopolíticas devido à guerra na Ucrânia têm afetado o mercado energético europeu, já que a UE importa 90% do gás que consome, sendo a Rússia responsável por cerca de 45% dessas importações, em níveis variáveis entre os Estados-membros.

António Costa tem explicado que, apesar de nem Portugal nem Espanha serem produtores de gás natural, podem servir de “interfaces e porta de entrada, seja do gás natural que provém designadamente do Atlântico – dos Estados Unidos, da Nigéria, da Trinidad e Tobago – (…) amarrando em Sines e, a partir daí, seguindo em ‘pipeline’”.

“Portanto, em conjunto, a Península Ibérica tem capacidade para substituir grande parte do gás que hoje a Europa Central importa da Rússia”, sublinhou.

António Costa destacou que “finalmente a Europa ganhou consciência que tem de ser autónoma do ponto de vista energético da Rússia e que, na construção dessa autonomia, a Península Ibérica, designadamente Portugal, têm um papel extraordinário que podem desempenhar”.

“No futuro, com a produção dos seus próprios gases – através de hidrogénio verde -, para já através de serem a plataforma logística para emissão de gás natural produzido noutros países”, sublinhou.

 

Percurso do gasoduto em Portugal já está definido

O Primeiro Ministro português já tinha garantido em agosto que o percurso português do gasoduto para o centro da Europa já está definido, estando os “trabalhos muito avançados”.

“Nós temos os trabalhos muito avançados: são cerca de, creio, 160 quilómetros entre Celorico da Beira e o ponto da fronteira onde amarramos com a rede espanhola”, sublinhou.

António Costa afirmou que, no que se refere ao percurso português desse gasoduto, “houve dúvidas sobre o traçado” devido ao impacto ambiental que poderia ter, designadamente a travessia do Vale do Douro, que “é uma travessia muito sensível”.

“Há um traçado que agora está definido, cuidadoso, que protege os valores ambientais, que importa proteger também no Vale do Douro. Portanto, do nosso lado as coisas têm vindo a avançar, da Espanha também”, indicou.

O Chefe do Executivo recordou que “a existência desta interconexão da Península Ibérica com o resto da Europa é uma ambição antiga” de Portugal, que tem sido confrontada “com uma dificuldade, que são as limitações ambientais que a França tem invocado sobre o impacto do gasoduto na travessia dos Pirinéus”.

 

Emmanuel Macron não aceita a proposta

Ainda há uma semana, o Presidente Emmanuel Macron disse que não vê provas evidentes da necessidade de um novo gasoduto entre a França e a Espanha, defendendo uma estratégia de compra comum de energia na Europa.

“Precisamos de mais interligação elétrica. Mas não estou convencido de que necessitemos de mais interligação de gás, cujas consequências, em particular no ambiente, e em particular no ecossistema, são mais importantes. (…) Não há prova da sua necessidade”, defendeu Emmanuel Macron, durante uma conferência de imprensa, após uma reunião com o chanceler alemão, Olaf Scholz.

Portugal, Espanha, Alemanha e a própria Comissão Europeia discordam desta tomada de posição francesa.

Emmanuel Macron tem-se mostrado “a favor de práticas de compras comuns de gás” na Europa, dizendo que os países devem comprar “mais barato”, além de procurarem limitar o preço do gás russo entregue através de gasodutos.

“Somos a favor de práticas de compra comum de gás (…) Isso permitiria à Europa, comprando em conjunto, comprar mais barato”, assegurou o Presidente francês, após uma conversa com Scholz sobre a crise energética na Europa.

“A melhor energia é a que não consumimos”, concluiu o líder francês, pedindo às famílias e empresas que economizem energia, nomeadamente através da redução de aquecimento e do uso de ar condicionado.

 

Comissão Europeia apoia interligações ibéricas

A Comissão Europeia já garantiu que vai “apoiar e encorajar” Espanha e França a avançar com interligações, nomeadamente de gás através de Portugal, para aumentar as interconexões entre a Península Ibérica e o resto da União Europeia (UE). “Como referido no plano [energético europeu] REPowerEU, continuaremos a apoiar e encorajar as autoridades espanholas e francesas a acelerar a implementação dos três projetos de interesse comum existentes através do Grupo de Alto Nível Sudoeste Europeu com o objetivo de aumentar a capacidade de interconexão entre a Península Ibérica e a França”, indica fonte oficial do executivo comunitário em resposta escrita enviada à Lusa.

“Pensamos também que investimentos adicionais para ligar os terminais de importação de GNL [gás natural liquefeito] na Península Ibérica e a rede da UE através de infraestruturas preparadas para o hidrogénio podem contribuir ainda mais para diversificar o fornecimento de gás no mercado interno e ajudar a explorar o potencial a longo prazo de hidrogénio renovável”, adianta a fonte comunitária.

 

Gasoduto nos Pirenéus pode estar pronto em menos de um ano

A Espanha garantiu no fim do mês de agosto que uma ligação nos Pirenéus pode estar pronta em menos de um ano se França quiser. “A interconexão pelos Pirenéus catalães pode estar operacional em oito ou nove meses do lado da fronteira sul. Por isso, é fundamental avançar de mão dada com França”, disse a Ministra com a pasta da energia no governo espanhol, Teresa Ribera.

A Ministra afirmou que “a intenção” do Governo de Espanha em relação a este gasoduto previsto para os Pirenéus era, “desde o primeiro momento, que fosse financiado como um projeto europeu”, que teria de ser trabalhado “em simultâneo” com França. “Tem pouco sentido nós corrermos muito e do lado francês transformar-se num beco sem saída por não haver forma de escoar o gás”, afirmou Teresa Ribera, numa entrevista na televisão pública espanhola (RTVE).

O projeto do novo gasoduto dos Pirenéus, “num determinado momento, decaiu porque não era viável economicamente num contexto em que o gás russo era muito mais barato do que o gás liquefeito”, explicou a Ministra. Agora, Espanha voltou a trabalhar neste assunto com França, com o objetivo de “acelerar uma primeira interconexão com menor complexidade”, acrescentou.

Além disso, e a pensar mais no imediato, Espanha propôs aumentar a capacidade de dois gasodutos menores que já existem no País Basco, também na fronteira com França, recorrendo a novos compressores. Neste caso, “seria uma questão de muito poucos meses, dois ou três”, afirmou a ministra.

A Ministra lembrou que Espanha e Portugal têm estado, até agora, isolados do resto da União Europeia nesta matéria. “Há um esqueleto de gasodutos que liga os países da União Europeia, sobretudo o centro e o leste, e no entanto, no extremo ocidental, ficámos isolados. O problema são os Pirenéus, como se atravessam e como se ligam a França”, afirmou.

 

Porto de Sines é solução imediata

Uma vez que o gasoduto “não está construído amanhã”, António Costa referiu que, até à sua concretização, Portugal já transmitiu à Comissão Europeia, mas também ao Governo alemão e polaco, a disponibilidade para utilizar o Porto de Sines “como uma plataforma logística que acelere a distribuição de gás natural por via marítima para os portos do norte e do centro da Europa”.

“O porto de Sines é um porto de águas profundas, que tem capacidade de acolher grandes metaneiros (…) e fazer a trasfega de grandes metaneiros para metaneiros de média e pequena dimensão que existem na Europa – a Noruega tem vários – que têm uma grande vantagem que é que, como os portos do norte da Europa estão muito congestionados, se trabalharem com metaneiros de média e pequena dimensão, isso agiliza a operação logística”, indicou.

 

“Plano B” passa pela Itália

O Primeiro Ministro português referiu que “se a França continuar a bloquear que esse gasoduto atravesse o território francês lançará o projeto da interconexão ser feita diretamente de Espanha para Itália” por via marítima.

“A Comissão Europeia já colocou em cima da mesa a possibilidade de, se não for possível ultrapassar o bloqueio com a França, o ‘pipeline’ possa ter uma ligação direta de Espanha para Itália, de forma a chegar ao centro da Europa por via de Itália e não por via de França”, frisou António Costa. “Está-se a trabalhar nesse sentido, há trabalhos técnicos nesse sentido, a decisão está tomada”, acrescentou.

António Costa disse, no entanto, esperar que a França abra a sua fronteira a este gasoduto “o mais rapidamente possível” e que não seja necessário adotar este “plano B”, mesmo compreendendo que a França tenha interesses na venda de energia nuclear.

 

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