Covid-19: Vítor Matias: Torna-se urgente o regresso à terra, às aldeias

Vítor Matias é jornalista da Radio France Internationale (RFI), mas é sobretudo um dos jornalistas com mais experiência na Comunidade portuguesa de França. Começou nos anos 80 na Rádio Portugal no Mundo, quando a rádio dirigida por João Rodrigues ainda existia. Depois passou pelo jornal Encontro, pelo Jornal Opinião e pela Rádio Alfa.

Há vários meses que tem estado de baixa médica, e este período de confinamento deixa-o ainda mais preocupado, mas não deixa de ter a lucidez necessária para projetar o pós-Covid-19.

 

Como está a passar este período?

A minha situação atual não é das melhores, pois além de me encontrar de baixa, veio agora a necessidade absoluta do confinamento. Tento respeitar escrupulosamente as indicações dadas pelas autoridades francesas – não saio à rua, exceto para fazer compras, ou um pouco de exercício, andando durante meia hora a passos largos. Em casa, aproveito para tocar bateria (atividade que nunca abandonei desde a idade dos 18 anos); vejo filmes, leio um pouco, e faço arrumação e reparações várias.

 

Está preocupado com a situação atual de pandemia?

Esta pandemia preocupa-me bastante, por várias razões: primeiramente, porque o vírus se propagou com uma velocidade enorme, e “sufocou” completamente os serviços de saúde, e as urgências dos estabelecimentos hospitalares. Segunda razão de preocupação, a falta de um medicamento e duma vacina para este vírus, o que torna bem claro que as vítimas serão as pessoas mais fracas, cujo sistema imunitário se encontra já fragilizado por outras doenças. A terceira razão de preocupação é mais pessoal: tenho hoje 68 anos de idade, e encontro-me – de algum modo – fragilizado, podendo vir a ser uma das próximas vítimas, apesar dos meus cuidados. Com efeito, desconheço até que ponto se pode ficar imune ao Covid-19, ou se já fui contaminado sem o saber.

 

Quando esta situação estiver ultrapassada, o que espera do ‘novo mundo’?

Geralmente, sou otimista. Creio que cada catástrofe natural, cada epidemia, cada guerra, traz sempre algo de positivo, quanto mais não seja porque, numa tentativa desenfreada de encontrar soluções e reduzir ao máximo a mortalidade, os avanços tecnológicos são mais rápidos. Por outro lado, a solidariedade desenvolve-se, encontram-se mecanismos de sobrevivência completamente desconhecidos, ou que estavam esquecidos. Depois de vencida esta pandemia, os sobreviventes terão – decerto – uma vacina que os protegerá não só do Covid-19, e muito possivelmente de outras doenças relacionadas. Os povos vão tomar consciência de que a solidariedade não é uma palavra vã. A título de exemplo, um movimento de pânico num estádio de futebol pode causar dezenas de vítimas, se não houver solidariedade!… Por outro lado, o confinamento está a mostrar-nos algo que era previsível: a cidade de Paris, por exemplo, ficou tristemente vazia, mas o ar que aí se respira melhorou um pouco, no espaço duma semana. Em certos pontos do globo, onde a poluição escondia o céu, é agora possível vê-lo. Em Veneza, apareceram agora golfinhos, devido à baixa do turismo… Estamos também a tomar consciência de que as cidades estão superlotadas, e que se torna urgente o regresso à terra, ao campo, às aldeias. Com um pouco de inteligência e boa vontade – e de vontade política – alguns dirigentes mundiais vão acabar por se aperceber que muitos países, nomeadamente africanos, não resistirão a uma catástrofe desta envergadura. E será necessária uma extraordinária mobilização internacional para os ajudar. Diz-se por vezes que “há males que vêm para bem”. Espero, sinceramente, que esta catástrofe mundial sirva para uma tomada de consciência global que permita evitar erros do passado.

 

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