Lusa | Filipe Gouveia

Empresário Djô da Silva recorda como começou a carreira de Cesária Évora em Paris

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O empresário de Cesária Évora, José (Djô) da Silva, contou à Lusa que a timidez sempre acompanhou a carreira da “Diva dos pés descalços”, que tentou colocar a família como prioridade, sobretudo pelas dificuldades que viveu.

Em entrevista à Lusa sobre os dez anos da morte da cantora, o produtor musical, que acompanhou toda a carreira de Cesária Évora (1941-2011), explicou que a artista e expoente maior da música cabo-verdiana tentou sempre colocar a família como prioridade na sua vida, apesar das ausências devido às constantes digressões internacionais.

“Ela tinha essa preocupação, de ver a família feliz e tentava estar presente na vida dos filhos, primeiro, mas era complicado, devido à jornada de trabalho que tinha e era um remorso que carregava. Depois virou a sua atenção aos netos e fez de tudo para que estudassem”, recordou o produtor, amigo próximo de Cesária Évora desde que a conheceu, nos anos 1980.

Cesária Évora nasceu no Mindelo, em 27 de agosto de 1941, cidade onde também morreu, em 17 de dezembro de 2011, sendo considerada, com as suas mornas, a cantora de Cabo Verde com maior reconhecimento internacional.

De todas as histórias que ouviu sobre a cantora, o empresário assegura que algumas não correspondem à verdade, como a relação com o álcool: “Muitos pensam que Cesária foi alcoólatra, o que não corresponde à verdade. Em sua casa não havia bebida alcoólica e ninguém na sua casa bebia. Ela bebia por ser tímida, nas tardes antes de atuar, somente para se desinibir”.

A timidez de Cesária Évora foi-se perdendo com o tempo e com as digressões, com a experiência, as entrevistas e a constante presença em palco. O seu potencial era conhecido pela cantora, que antes da projeção mediática guardava a “esperança” de uma oportunidade para o mostrar ao mundo. Foi em Portugal que o produtor e a cantora se cruzaram e surgiu a parceria que perduraria uma vida toda.

“Ela sabia do seu potencial e só queria oportunidade para cantar para os estrangeiros, porque já tinha visto a reação que provocava nos turistas quando tocava nos bares, nas conhecidas por noites cabo-verdianas. Quando a conheci, Cesária regressaria a Cabo Verde no dia seguinte, sem perspetiva da sua carreira, então propus fazer alguns espetáculos dela em França, no ano seguinte mandei buscá-la e ficou hospedada na minha casa”, recordou.

Segundo Djô da Silva, a ideia era apenas de a “ajudar, sem nenhum intuito comercial”, aproveitar o seu conhecimento em França para que a cantora pudesse garantir o sustento da família: “Ao longo da trajetória fui percebendo o seu valor e também virei mais ambicioso, comecei à procura de recursos para produzir um disco para ela, porque tinha certezas de que teria sucesso junto da comunidade. Conseguimos produzir e vender o primeiro disco, logo projetámos o segundo, mas já a pensar entrar no meio profissional francês”, acrescentou.

Apesar do talento de Cesária Évora, garante que a aceitação não foi a esperada, fazendo com que muitas produtoras a rejeitassem. “Todos concordavam que Cesária tinha uma voz fenomenal, mas quando viam a sua foto diziam que não tinha hipótese, que era velha e por ser ‘vesga’ rejeitavam-na. Continuei, consegui que um responsável pela firma Melodie, sugeriu que se procurasse alguém que tinha um festival de música do mundo, o festival ‘Musiques Métisses’ e que se conseguisse incluir Cesária Évora no festival, conseguiríamos despertar interesses”, recordou ainda.

Foi já nos anos 1990 que Cesária cantou pela primeira vez numa grande sala francesa, o ponto de viragem na carreira da artista. Djô da Silva, um dos mais conhecidos produtores cabo-verdianos, relatou que dos dois set’s musicais que preparou, eletrónica e acústica, a acústica foi a que mais impressionou a plateia, em especial os jornalistas. “Instalou no ambiente uma emoção enorme, todos ficaram no lugar em silêncio a escutá-la e quando terminou comentavam que a sua voz era extraordinária. Foi naquele momento que percebi que deveríamos defender o lado da música tradicional tocada de forma acústica”, disse.

Na mesma noite ligou para que reservassem estúdio de gravação e no dia seguinte, contou, juntamente com o músico Luís Morais, Cesária cantou de forma espontânea, como se estivesse num bar em São Vicente, e surgiu o disco “Mar Azul”.

“Foi o disco mais espontâneo da Cesária, que levámos ao responsável pela produtora Melodie e ele gostou mais ainda, fizemos cópias, enviámos para cinco jornalistas e todos ligaram a confirmar que tinham gostado do disco e que iriam divulgá-lo”, contou o produtor, assumindo que foram vendidos 50 mil exemplares do disco e surgido vários convites para a cantora.

A partir daquele momento, em 1991, assistia-se ao início do “auge” da cantora, que foi também um ponto de viragem na própria carreira e no contexto musical de Cabo Verde em todo o mundo.

“Pedi afastamento do meu trabalho anterior que tinha para conseguir segui-la e a partir daquele momento dediquei-me à artista. Com a Cesária trouxemos qualidade e demos à música cabo-verdiana a mesma atenção que as pessoas davam à comercial, como às músicas populares, as gravações ganharam outro nível”, explicou.

De todas as características da artista, os pés descalços da artista foi uma das mais marcantes da sua imagem: “Cesária sempre andou em São Vicente descalça e tinha marcas de feridas cicatrizadas que não permitiam que pusesse um sapato, mesmo que quisesse era uma tortura. Lembro-me de um dia, em Paris, ela ter pedido para comprar um sapato, porque iríamos à primeira festa cabo-verdiana em que participava e chegando lá, ela coxeava, todos a estranharam de sapatos e a dado momento descalçou-se e deixou os sapatos em baixo da mesa”.

Para Djô da Silva, o sucesso da “Diva dos pés descalços” ficou a dever-se à própria personalidade de Cesária: “Ela foi o fator principal para o sucesso que alcançou, como uma pessoa excecional, com muita simplicidade, livre na sua cabeça e forma de ser, que levou uma vida difícil até ao momento em que a sorte a alcançou. Sorte da sua voz, por nos termos encontrado um ao outro, de termos feito a nossa caminhada e mudado a nossa vida, juntos”.

 

Sidneia Newton, Lusa

 

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