“Le brutaliste” de Matthieu Garrigou-Lagrange, uma história pós-moderna

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O Centro Comercial Amoreiras, inaugurado em 1985 e situado na mais alta das colinas lisboetas, é o grande exemplo da arquitetura brutalista em Portugal. Um edifício de ferro e betão que rompeu, segundo o seu criador, com o “clima de ruralismo de Lisboa”, a mesma personagem que disse recentemente ser esse edifício icónico “um objeto ultrapassado”.

Ora esse criador, homem controverso por natureza, não é outro senão o célebre arquiteto português Tomás Taveira (1938), um dos raros artistas a dar origem a um neologismo – “taveirada”, termo que, cedo ou tarde, constará nos dicionários – e que entrou na memória coletiva portuguesa graças ao escândalo sexual em que esteve envolvido.

Em 1989, as imagens de uma famosa sex tape apareceram na revista “Semana Ilustrada”, mostrando o arquiteto em plena sodomização não consentida de colaboradoras e outras celebridades, vieram abalar a elite lisboeta da época. Uma elite fechada na sua bolha e profundamente patriarcal.

As cassetes VHS com as cenas de violação filmadas pelo próprio arquiteto chegaram a casa de todos os portugueses e chegaram a atravessar a fronteira.

Este caso Weinstein português dos anos 80 não teve quaisquer consequências (a não ser o descrédito profissional) para o predador sexual, que, anos depois, todavia, voltaria em grande com a construção de três estádios de futebol – Alvalade, Leiria e Aveiro. Os movimentos #metoo e #balancetonporc não passavam então de miragens.

É este homem marcante que o escritor francês Matthieu Garrigou-Lagrange retrata no seu romance “Le Brutaliste”, lançado esta semana pela Éditions de l’Olivier.

O autor, usando diferentes registo de escrita, consegue, com sucesso, tecer estas duas facetas brutalistas do protagonista: o brutalismo arquitetónico e o brutalismo sexual.

Matthieu Garrigou-Lagrange, que entrevistou longamente Tomás Taveira em quatro ocasiões, produz uma excelente análise da alta sociedade portuguesa, ainda agarrada aos velhos atavismos salazaristas (sendo o papel menor atribuído à mulher apenas um deles), mas também do mundo da arte e da arquitetura, ajudando o leitor a compreender como o reconhecimento internacional de outros arquitetos, como os portuenses Siza Vieira e Souto de Moura (ambos galardoados com o Prémio Pritzker), situados nos antípodas estéticos de Tomás Taveira, fizeram com que a herança brutalista fosse pulverizada, sendo substituída pela arquitetura minimalista que hoje marca uma boa parte das paisagens urbanas portuguesas.

“Le brutaliste” acompanha a história de Taveira desde a infância vivida num bairro pobre e proletário de Lisboa, passando pelos anos de trabalhador fabril até ao sucesso e ao estrelato desse “génio autodidata”, transformado em megalómano sem limites, artísticos ou morais…

Hoje, octogenário, Tomás Taveira passa os dias a alimentar gatos vadios.

Uma vida marcada por escândalos e “taveiradas” que vitimou cidades e mulheres (o predador não consegue ainda reconhecer os abusos sexuais que perpetrou). Uma leitura inquietante e reveladora de um certo Portugal ainda bem vivo na cabeça de muitos portugueses.

 

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