“Le paradis, c’est les autres”, de Valter Hugo Mãe: “A tradução é uma arte humilde e subtil”

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A Éditions Otium fez chegar às livrarias francesas “Le paradis, c’est les autres” da autoria do autor português Valter Hugo Mãe (Angola, 1971) e traduzido do português por Luísa Semedo. A edição original, “O paraíso são os outros”, foi publicada pela Porto Editora.

Considerado pelo editor francês como uma “ode à alteridade”, este pequeno livro infantil, ilustrado pelo próprio escritor, conta-nos a história de uma menina, Halla, muito curiosa e observadora, que estuda com afinco o comportamento dos casais, sejam humanos ou animais, para melhor compreender o amor, sentimento que tanto a intriga e fascina.

Luísa Semedo apresenta-nos a obra e fala-nos desta sua primeira experiência como tradutora.

 

Podes contar-nos um pouco a história do livro? Existe uma moral?

“O paraíso são os outros” é, como se percebe, uma referência ao “o inferno são os outros” do Sartre. O livro tem como mensagem a importância das relações com os outros, a aceitação da diversidade e o enriquecimento pessoal que resulta desta interação com a diferença. É também uma ode ao amor, numa época em que os sentimentos são vistos muitas vezes de forma negativa, como uma fraqueza ou um obstáculo. A questão da solidão também está presente. E apesar de ter sido escrito antes da pandemia da Covid, penso que é um livro que vale também a pena ler neste novo contexto, em que as relações sociais foram tão desalinhadas. O texto é acompanhado de desenhos poéticos do próprio autor e a história é contada do ponto de vista de uma menina, Halla.

 

Justamente, fala-nos da Halla.

A Halla é uma menina “muito mexida”, que usa óculos, gosta de jacarés e de cantar apesar de ser desafinada. Compreendemos pelo que narra que tem uma relação bonita, de confiança, com a mãe, que é um pouco a sua referente sobre a visão do mundo dos adultos. Halla é curiosa do mundo presente que a rodeia, mas também do futuro, preocupa-se com a promessa da sua vida afetiva vindoura e questiona-se sobre a liberdade e o destino.

 

Como correu esta tua experiência de tradução literária? É um exercício diferente de quando escreves?

Foi uma experiência muito agradável, porque há ao mesmo tempo uma parte técnica e uma parte criativa. Gostei especialmente de trabalhar com o meu editor Raùl Mora das Éditions Otium e das nossas conversas sobre as palavras, as expressões de uma língua e de outra. Foi muito enriquecedor até do ponto de vista cultural. Existe ainda uma verdadeira responsabilidade que é diferente de quando escrevo textos meus. Aqui tinha sempre em mente a exigência de ser o mais fiel à escrita do Valter Hugo Mãe e de fazer passar a sua mensagem, o seu ritmo, as suas intenções aos leitores francófonos. O facto de escrever ajudou-me no processo porque foi mais fácil de me colocar no lugar do autor para compreender por exemplo que efeitos ele queria fazer passar, que emoções queria provocar, etc.

 

Concordas que tradução é uma arte em si mesma?

Concordo, mas uma arte humilde ao serviço da obra original e dos leitores a quem se destina. Não sou nada adepta de uma espécie de tradutor-estrela que modifica a obra e a transforma noutro objeto para o seu prestígio. Ou então essa transformação deve ser explícita como quando se faz um remix de uma canção. O tradutor deve ser um meio e não um fim, um facilitador entre o autor, a sua obra e o seu público. O objetivo principal é que a tal traição inerente a uma tradução seja a menor possível, sabendo que a tradução perfeita não existe. Para resumir, a tradução não deveria servir para o prazer do tradutor, mas para a qualidade da relação entre o autor e os seus leitores de língua estrangeira. E este exercício de humildade é também uma arte, para além de todas as questões técnicas, criativas e culturais. Por exemplo, neste livro o Valter Hugo Mãe utiliza uma expressão que não existe em francês, foi, portanto, necessário encontrar e criar uma expressão que respeitasse o mais possível a ideia inicial e que fosse ao mesmo tempo compreensível para o leitor francófono. O trabalho de tradução literária não pode ainda ser feito por máquinas e ainda bem. A tradução é uma arte humilde e subtil.

 

Qual é para ti a importância da tradução de obras de autores em língua portuguesa em França?

Acho muito importante, e defendo a necessidade de mais apoios à tradução. Ela permite que alguns leitores francófonos se interessem pela língua portuguesa e a queiram até aprender. Entram pela porta da tradução e depois querem aprender para poder ler na língua original. E permite igualmente a destruição de estereótipos. É também importante para os jovens descendentes dos países de expressão portuguesa que não estão à vontade com a língua, mas conseguem assim, apesar dos obstáculos, ter acesso à literatura da língua das suas origens. A literatura vai muito para além da língua, é também uma visão do mundo e a tradução permite desta forma o acesso a outras realidades, a outras formas de pensar e de sentir. Não me interessa a preservação da Língua como um instrumento patrioteiro, mas como a expressão da diversidade humana e é esta diversidade que me parece importante preservar e promover.

 

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