A Casa de Portugal André de Gouveia, na Cité universitaire internationale de Paris, acolheu ontem ao fim da tarde a apresentação do livro de Tiago Rosa Gaspar “Decifrar a Corrupção”. A apresentação foi moderada pela jornalista da RTP Rosário Salgueiro e contou com a presença do autor, da Cônsul-Geral de Portugal em Paris, Mónica Lisboa, e do economista-chefe da OCDE e antigo Ministro da Economia Álvaro Santos Pereira.
“Eu nunca pensei escrever um livro” confessa o autor, acrescentando que tudo nasceu durante uma conversa “numa manhã chuvosa em Lisboa” com Joana Marques Vidal, conhecida por ter sido a primeira mulher a ocupar o cargo de Procuradora-Geral da República em Portugal, entre 2012 e 2018. Ela “demonstrou desde o primeiro instante um entusiasmo inabalável, colaborando ativamente na discussão do projeto”. Joana Marques Vidal faleceu em julho de 2024.
Na sala estava o Embaixador de Portugal na OCDE, Manuel Lobo Antunes e várias outras personalidades da Comunidade portuguesa como Ana Paixão ou Pierre Léglise Costa.
Na sua intervenção inicial, Rosário Salgueiro destacou que a corrupção custa a Portugal quase 18 mil milhões de euros. “Se este dinheiro fosse distribuído aos Portugueses, cada um receberia 1.773 euros por ano”.
Tiago Rosa Gaspar considera que a corrupção “é um dos principais problemas do país e do mundo. Para a economia, é um rombo. Para a justiça social, é um imenso embaraço. Para o Estado de direito democrático, pode ser fatal”.
O autor explica que não há praticamente dados quantitativos. “A própria OCDE tem muitos dados qualitativos, verifica se os países têm regras e se as aplicam, mas não têm dados quantitativos”.
Na primeira parte do livro, Tiago Rosa Gaspar “decifra” a corrupção “com uma linguagem acessível a todos” e na segunda parte convidou alguns dos mais conhecidos especialistas na matéria: a Procuradora-Geral Adjunta Ana Carla Almeida, o Consultou-coordenador do mecanismo nacional anticorrupção António João Maia, o jornalista Luís Rosa, a ex-Presidente da Entidade das contas e financiamentos políticos Margarida Salema d’Oliveira Martins, o Presidente da European Association of Law & Economics Nuno Garoupa, o Juíz Conselheiro Paulo Dá Mesquita e o ex-Presidente do Tribunal de Contas Europeu Vítor Caldeira.
“Torna-se claro que a corrupção não é um vício exclusivo dos nossos tempos, nem da nossa geografia, nem da nossa cultura, nem de nenhum quadrante do espetro político. Portanto, de nada valerá alinharmos em discursos populistas que apregoam frequentemente ideias como a de que ‘isto é tudo uma cambada de corruptos’, porque são infundados, falsos e contraproducentes” escreve Tiago Rosa Gaspar.
O antigo Ministro da economia, Álvaro Santos Pereira teve de anular à última da hora a sua presença na apresentação do livro e teve de participar à distância. “Se queremos ter um país com futuro, que não seja só para alguns, que os nossos jovens fiquem em Portugal, então temos de acabar com a corrupção” disse na sua intervenção. “Eu escrevi um livro antes de estar no Governo onde já combatia a corrupção. O problema é que já passaram 15 anos e nada aconteceu”.
Álvaro Santos Pereira explica que “não fazer nada, mina a democracia e faz subir os populistas. Os principais partidos têm de promover este debate. É verdade que é difícil medir a corrupção, mas é uma evidência empírica, que mina a democracia e também a economia”.
O antigo Ministro da Economia quer regras claras, “não pode haver ambiguidades”.
Mas vai mais longe, argumentando que “o tempo da justiça não pode ser de 10/15 anos. Isto promove a cultura da impunidade, não podemos permitir que os nossos líderes tenham privilégios e se beneficiem a si em vez de beneficiar o país. O tempo da justiça em Portugal não é aceitável, temos de fazer mudanças, urgentemente”.
Tiago Rosa Gaspar concorda. “De facto, a nossa justiça é bastante lenta. Um homicídio, que é uma coisa grave, resolve-se em dois anos, mas um caso de corrupção, é caso para uma década” e acrescenta que “o sistema judicial repressivo não está a ser eficaz e se é eficaz, não é eficiente”.
Em jeito de provocação, a jornalista Rosário Salgueiro pede que se comente a ideia de que alguns políticos “roubam, mas fazem”. E Álvaro Santos Pereira foi firme: “quem rouba vai para a cadeia. Ponto final. Temos vários exemplos, mas é inaceitável”.
“Os políticos têm de dar o exemplo. A cultura da integridade é muito importante para não termos uma cultura generalizada da impunidade” assume o antigo Ministro. “É um caso perdido?” pergunta a jornalista. “Não, de todo! É um combate que vale a pena”.
Na sua intervenção inicial, o Diretor da Casa de Portugal, João da Costa Ferreira, tinha dado as boas-vindas e agradeceu o facto de Tiago Rosa Gaspar ter apresentado o livro em Paris antes mesmo de o ter apresentado em Lisboa. “Este não é um debate que interessa apenas Portugal. Interessa também as nossas Comunidades” disse a Cônsul-Geral Mónica Lisboa. “Trazer este debate para o seio da Comunidade parece-me ser importante”. E acrescentou que “fazer este debate aqui, foi serviço público”.
A apresentação em Lisboa vai ter lugar no dia 9 de abril, na Fundação Calouste Gulbenkian.
A sessão de apresentação terminou com uma intervenção musical da cantora e compositora portuguesa Mimi Froes, que conquistou os presentes com a sua conhecida voz suave, com alguns temas do primeiro álbum, “Contornos”, editado em 2023.