Livros: O fascismo português visto à lupa

É graças à Les Éditions Sociales e à excelente tradução de Clara Domingues que chega esta semana às livrarias francesas uma obra de referência sobre o Estado Novo salazarista: “L’art de durer, le fascisme au Portugal” do historiador Fernando Rosas.

Publicado em Portugal há oito anos com o título “Salazar e o Poder. A arte de saber durar”, esta obra une a lucidez ao profundo conhecimento adquirido ao longo de uma vida inteira a estudar (e também a sentir na pele, visto Fernando Rosas ter vivido até aos 28 anos de idade sob o jugo da extrema-direita salazarista) o fenómeno do fascismo português. Ora à lucidez e à competência juntam-se outros fatores não menos importantes: o estilo e a capacidade de síntese. Não é de estranhar portanto que esta obra seja recomendada pelo Plano Nacional de Leitura para o ensino secundário. É então num estilo solto, profundamente acessível, que Fernando Rosas oferece aos leitores uma abordagem limpa e honesta sobre os fatores que conduziram à perpetuação do fóssil fascista em Portugal (e também em Espanha) quando quase todas as experiências fascistas europeias haviam terminado com o fim da Segunda Guerra Mundial. Quais foram então os elementos que permitiram ao salazarismo sobreviver ao fim da guerra provocada pelo nazi-fascismo alemão e pelo fascismo italiano? É a resposta a esta pergunta que deu origem a este livro.

É também salutar referir que esta obra de Fernando Rosas se enquadra na batalha ideológica entre historiadores que emergiu há relativamente pouco tempo na sociedade portuguesa. Esta batalha opõe, de um lado, historiadores como Fernando Rosas ou Manuel Loff, homens que veem o Estado Novo como uma ditadura opressiva com todas as características de um regime fascista, e, do outro lado, encontramos como seus oponentes alguns historiadores revisionistas que se referem ao fascismo português como um “regime nacionalista moderado”. Fernando Rosas refere-se a este grupo várias vezes ao longo do livro através da fórmula “uma certa historiografia”, mas não entra em diálogo com ele.

Fernando Rosas segue então por outro caminho. Ao não esquecer a prisão do Tarrafal, o assassínio de presos políticos, o braço estendido em plena saudação romana da Legião Portuguesa, o volfrâmio vendido aos nazis e a política racista da ação colonial em África, ele consegue encontrar o segredo da longevidade do regime fascista português que, lembremos, durou 48 anos, de 28 de maio de 1926 a 25 de abril de 1974.

Salazar e as elites dominantes (banqueiros, latifundiários, negociantes que exploravam as colónias, industriais…) conseguiram levar avante um projeto despótico, uma espécie de distopia lusitana, que, ao estimular o ancestral orgulho nacionalista, que hoje consideramos bacoco, e o velho estereótipo totalitário do “homem novo”, foi capaz de penetrar no seio de cada família e de cada mente graças, e convém não o esquecer, ao apoio da igreja católica que permitiu ao Estado Novo a utilização da sua secular máquina de proselitismo para fazer passar a mensagem fascista. Foi também manipulando os vários “medos” – o medo das “bombas” da Primeira República, o medo dos “comunistas espanhóis” durante a Guerra Civil de 1936/39, o medo dos “comunistas russos” durante a Guerra Fria – ou fomentando o mito do Portugal imperial que vai do Minho a Timor que Salazar conseguiu o apoio de uma boa parte das classes médias. Apenas as amplas camadas populares sem voz que constituíam a maioria da população foram tratadas com desprezo e largadas à pobreza, à iliteracia e ao analfabetismo. Somente quando os interesses das classes médias e populares convergiram um pouco, o Estado Novo vacilou até que, enfim, depois de milhares de mortos (incluindo muitos filhos da tal classe média) causados por uma guerra criminosa em África, caiu de podre em 1974.

Um livro de Fernando Rosas que, como diz José Pacheco Pereira, irá “marcar por muitos anos a historiografia do Estado Novo e de Salazar”.

 

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