Miuzela: Retrato de uma aldeia do interior de Portugal onde chegou Yohann Ladeiro

Yohann Ladeiro ligou Roubaix à Miuzela, percorrendo 2.687 quilómetros de bicicleta, sem motor. O LusoJornal seguiu-o ao longo do percurso.

Agora que o jovem e a bicicleta aproveitam as férias bem merecidas, ocasião nos é dada de questionarmos José Ferreira, Presidente da União de Freguesias da Miuzela / Porto de Ovelha.

Através da sua entrevista, para além de falar de Yohann Ladeiro, José Ferreira faz-nos um retrato do que é uma aldeia do interior do Portugal dos nossos dias. Tem 60 anos e está atualmente no segundo mandato na União de freguesias.

Antes de ser autarca, José Ferreira trabalhou na investigação criminal na GNR, ocupava-se da investigação a partir de impressões digitais quando havia furtos. Há oito anos enveredou pela defesa da aldeia como Presidente da Junta de Freguesia.

 

O auge da população de Miuzela foi em 1958 com 1.038 habitantes. Atualmente tem quatro centenas de habitantes. Como explica esta descida tão importante de população?

Esta diminuição é própria das aldeias. As pessoas procuram atualmente sobretudo os grandes centros. Aqui, no interior de Portugal, há falta de emprego, as pessoas procuram melhores condições emigrando, procuram uma vida melhor. A título de exemplo, ainda há só dois anos, aqui na aldeia, morreram 31 pessoas, o que é um número muito elevado para uma aldeia como a nossa. De notar que, embora a nossa aldeia não seja muito grande é a mais importante do concelho depois de Almeida e Vilar Formoso. No fim dos anos 50, com o início da emigração, a Miuzela começou a perder população, houve pessoas que saíram para o Porto, Lisboa, França, Alemanha, Suíça e outros países.

 

Tem havido nascimentos estes últimos anos?

Infelizmente não. Tínhamos uma escola primária até este ano. A partir do ano que vem, vamos deixar de ter escola. Só temos três crianças em idade escolar. Para se manter uma escola, o mínimo exigido pelo Ministério é de 10 alunos. Bem nos custa, contudo as pessoas vão morrendo não sendo substituídas por novos nascimentos… é infelizmente a realidade dos factos.

 

Perante esta situação, os emigrantes continuam contudo a investir na Miuzela?

Sim, os emigrantes investiram e continuam a investir. Verificamos que casas que estavam em mau estado, em ruína, têm sido restauradas. A nossa aldeia começa mesmo a ser procurada para alugar casas durante o período de férias, durante uma ou duas semanas. Temos aqui um rio maravilhoso, uma praia de merendas muito bem equipada, com casas de banho, bar, canoas que se podem alugar. Enfim temos aqui condições para passarem férias condignas.

 

Como está o ambiente, têm chegado tantos emigrantes como nos outros anos?

Há um pouco menos. Isto verifica-se a nível da frequentação dos cafés. As pessoas acabam, para além disso, por se isolarem um pouco mais, convivendo mais em família. A pandemia está realmente a afetar-nos a todos.

 

A aldeia da Miuzela é bastante dinâmica a nível de festas e feiras. Como está a programação deste mês?

O próprio Governo não permite que façamos certas festividades. Em relação à feira mensal, fizemo-la este sábado, tem lugar todos os segundos sábados do mês. Quanto à feira anual do 15 de agosto, vamos também realizá-la.

 

Miuzela tem uma vida associativa bastante dinâmica. Como se tem passado com as diversas atividades estes últimos tempos?

Temos aqui uma associação do nome do Senhor Professor Doutor José Pinto Peixoto, um cientista da nossa terra (1). Todos os anos organiza-se uma palestra onde vêm altas figuras, inclusivamente governamentais, para debaterem temas em relação à ecologia, à atmosfera. Este ano, a reunião não se realizou. Temos uma associação de caça e pesca que tem continuado a sua atividade com gente que vem de longe, do Porto, etc. o que provoca um certo movimento nos restaurantes aqui da zona.

 

O jovem Yohann Ladeiro, de 25 anos, realizou a aventura de fazer mais de 2.600 km entre Roubaix e a vossa terra, de bicicleta. Como viveram as gentes da Miuzela a aventura deste jovem?

Seguimo-lo com muito interesse e alegria, nem podia ser de uma outra forma. Seguimos o sonho dele. Yohann tinha que estar psicologicamente preparado e ser forte para conseguir um feito desta natureza. Foi recebido na Miuzela da melhor forma com música, acordeonista, um rancho, a União de Freguesias ofereceu-lhe um troféu. Ficou muito emocionado pela forma como foi recebido, não estava à espera de ser recebido assim.

 

Acha importante o que Yohann fez, sendo da terceira geração já que foi o avô quem primeiro emigrou?

Se os avós fossem vivos, teriam ficado muito emocionados. Já o avô dizia que os homens não se medem aos palmos. O avô por exemplo, quase até antes de morrer, ninguém o batia a nadar por debaixo de água, tinha uns pulmões fantásticos. O Yohann tem a Miuzela no coração e quis ligar a sua proeza ao nome da terra dos seus avós. Estamos todos muito gratos e honrados por o Yohann ter feito falar da Miuzela pelas aldeias e cidades por onde passou.

 

Para quem não conhece a Miuzela, o que nos pode dizer para incentivar a visitar esta terra raiana com um património digno de ser referido?

Temos aqui uma igreja matriz maravilhosa, muito importante, temos várias capelas: a de São Martinho, Santa Bárbara, Capela das Alminhas, da Senhora dos Caminhos. Temos também ainda muitas fontes antigas que fazem recordar os tempos antes da emigração em que as pessoas iam buscar água com os seus cântaros à cabeça. Podem aqui visitar ainda o Calvário das Três Cruzes, a Torre do Relógio…

 

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(1) José Pinto Peixoto nasceu na Miuzela a 9 de novembro de 1922. Foi um dos mais destacados geofísicos e meteorologistas portugueses. Do seu trabalho destacam-se alguns dos primeiros estudos sistemáticos da circulação global na atmosfera, e em particular do ciclo global da água na atmosfera. Ajudou ainda a criar as Universidades da Beira Interior e de Nova Lisboa. Foi Presidente da classe de Ciências da Academia das Ciências de Lisboa, entre 1980 e 1996. A 11 de março de 1993 foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’iago de Espada. Quando faleceu, deixou publicados mais de 50 artigos de investigação. Foi erguida uma estátua sua em frente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

 

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