Nuno Gomes Garcia conversa com Ana Milhazes: “Ao mudar de estilo de vida, eu ganhei mais saúde”

Ana Milhazes é socióloga e, um dia, quando estava em casa a separar o lixo pensou “como é possível produzir tanto lixo!?”. A partir desse momento, ela, que já era uma pessoa bastante sensibilizada para as questões ecológicas, tornou-se numa ativista ambiental e tomou uma decisão: tentar livrar-se da maioria do lixo que produzia.

É então dessa experiência e de uma total revolução na sua vida que nasce este seu livro, publicado em Portugal em janeiro deste ano.

Em “Vida Lixo Zero”, Ana Milhazes ajuda-nos a mudar de estilo de vida. E nós sabemos como é difícil fazê-lo, como é quase impossível resistir ao canto da sereia consumista e ao sistema produtivista que dominam as nossas economias e as nossas sociedades. É difícil, mas não é impossível. E, num mundo em plena transformação devido às mais que provadas alterações climáticas potenciadas pela ação humana, é acima de tudo essencial, em nome do futuro dos nossos filhos, optar por um modelo de vida sustentável. Visto que apenas a reciclagem de papel ou de embalagens já não é suficiente, Ana Milhazes dá-nos uma série de dicas para proteger o único planeta onde pudemos viver e isso sem que tenhamos de regressar à idade da pedra.

Um livro que pode ser considerado um manual de sobrevivência para a nossa própria espécie.

 

Ana, como se deu essa transição entre essas duas vidas, de viciada em compras a ativista ambiental que praticamente já não produz lixo?

O ativismo ambiental sempre esteve comigo desde miúda, relacionado com a maneira como fui criada, num misto entre cidade e campo, e também muita ligação à praia e ao mar. Mas, na verdade, sempre esteve um bocadinho escondido, devido, como muito bem disse, à sociedade consumista onde somos criados, quer em casa quer na escola, também através da influência que a publicidade exerce sobre nós, os filmes que vamos vendo, que passam a mensagem de que tudo faz falta e que tudo é essencial ao ser humano. Então, ali por volta de 2011, uma época, eu falo disso no livro, em que eu praticamente já tinha atingido todos os objetivos: tinha um ótimo emprego, uma boa casa, sentia-me feliz e realizada. Porém também habitava em mim uma sensação de vazio ao final do dia. Eu olhava para o relógio e pensava “já tudo se vai repetir amanhã”. Foi nessa altura que descobri o minimalismo. Como é que se pode viver com menos, tendo um estilo de vida mais simples. Fui então reduzindo o consumo, tentando preencher aquele espaço que ocupava com a ida às compras e aos centros comerciais com passear no meio da natureza, passar mais tempo com as pessoas importantes para mim. Comecei então a recusar por exemplo alguns jantares… recusei, como se costuma dizer, fazer o frete, ou seja, dizer que sim a determinadas coisas quando não nos apetece muito. Já o objetivo de querer reduzir o lixo, os resíduos, começou um pouco mais tarde, em 2016, exatamente quando olhei para o meu caixote do lixo e pensei “como é que uma pessoa como eu, preocupada com estas questões, ainda consegue produzir esta quantidade de lixo?”. E foi por aí que cresceu o Movimento Lixo Zero Portugal. Fui pesquisando na internet e vi que se falava muito destas temáticas em algumas zonas dos EUA e do norte da Europa, mas em Portugal não. Focava-se tudo muito na reciclagem, mas não no antes, que é de facto sabermos como se deve evitar produzir tanto lixo. Então, para me ajudar a mim própria, tentei perceber, por exemplo, como é que eu podia fazer compras levando os meus próprios frascos, e, ao mesmo tempo, ajudar outras pessoas que quisessem também fazer o mesmo nas suas vidas.

 

E como deve fazer quem tiver vontade de enveredar por esse modo de vida mais responsável? Sabemos que é um processo muito difícil se o iniciarmos de rompante, é quase como deixar de fumar. De acordo com a sua experiência, essa pessoa pode ir avançado por etapas de maneira a erradicar certos maus hábitos? Por onde devemos começar e até onde é possível ir?

Eu falo disso no livro. Nós podemos começar por aquilo que é mais fácil para nós e, parece-me, que o mais fácil é a questão do descartável. Imaginemos que eu todos os dias compro uma garrafa de água de plástico. Eu posso nesse caso ter a minha própria garrafa e ir enchendo, mesmo que no início se compre um garrafão de água e se vá enchendo a mais pequena. É melhor assim do que todos os dias comprar uma garrafa individual de plástico. Outro exemplo. Quando vou tomar café, peço sempre que me seja servido numa chávena de cerâmica e nunca uso aquela palhinha de plástico para mexer. Comigo, no tal dia em que olhei para o caixote do lixo, optei por começar por aquilo que tinha mais em casa: os resíduos indiferenciados, orgânicos, e as embalagens alimentares de plástico. Pensei então em como poderia fazer compostagem ou entregar esses resíduos orgânicos a alguém que pudesse fazê-la. Em relação às embalagens alimentares, tentei pensar naquilo que poderia comprar com outro tipo de embalagem, de cartão ou vidro, sendo que o vidro é sempre melhor e nós podemos reutilizá-lo, ou então tentar comprar a granel. E foi no momento em que tentei comprar a granel, regressando um pouco às mercearias do antigamente, que surgiu o Movimento Lixo Zero Portugal porque eu tive alguma dificuldade. Eu vivia no Porto e nessas mercearias de antigamente não havia os produtos que eu queria, não tinham produtos biológicos… Felizmente hoje em dia é mais fácil, foi um mercado que cresceu bastante. Num supermercado convencional, nós devemos levar um saco das compras grande, evitando os sacos de plástico dos supermercados, e levar também saquinhos para a fruta para não usar daqueles sacos transparentes muito finos que só se utilizam no trajeto até casa. E também devemos ir com tempo aos supermercados, algo que é muito difícil nos dias de hoje, mas que é essencial no início quando estamos a mudar de modo de vida e a forma como fazemos compras. Devemos então ir com tempo e pensar “ok, tenho aqui duas embalagens, uma de plástico e outra de cartão ou vidro. O que fazer?”. Temos de ver qual é a melhor, estar atentos e fazer essas pequenas mudanças. Aos poucos, ao fazer estas mudanças, nós vamos ganhando motivação e mudar em outras áreas da casa. Na casa de banho, por exemplo, foi a área onde eu tive mais dificuldade porque temos lá imenso plástico: gel de banho, champô, etc. Mas se fizermos a transição aos poucos, mudando por exemplo do gel de banho para o sabonete, é uma coisa simples, mais económica, muito mais saudável. O gel de banho está cheio de componentes que não são bons para a pele enquanto o sabonete tem ingredientes mais simples. E portanto temos mesmo de ir aos pouquinhos porque se quisermos mudar tudo de um momento para o outro não vamos o conseguir, vamos apenas ficar frustrados e vamos desistir muito rapidamente.

 

Ana, existem pessoas que consideram que esse tipo radical de transformação do modo de vida provoca uma espécie de recuo civilizacional. O que tem a dizer a essas pessoas?

Primeiro, eu não senti que a mudança do tipo de vida fosse radical. O que eu senti foi que as pequenas mudanças que fui fazendo consistiram, muitas delas, em voltar ao antigamente.

 

Fazê-lo, sim, mas sem nunca perder o conforto. É isso?

Sem perder o conforto, claro. Nunca o perder. Mesmo em relação ao estilo de vida mais simples, eu posso dizer que hoje em dia vivo muito melhor do que dantes. A verdade é que quando acumulamos muitas coisas que nós achamos que são bens de consumo essenciais, acabamos por não valorizar o que temos, não conseguimos usufruir de tudo, acumulamos muito mais pó em casa, passamos mais tempo a limpar, e tudo isso nos tira mais qualidade de vida no sentido em que passamos menos tempo com as pessoas de quem gostamos, passamos menos tempo a cuidar da nossa saúde, física e mental, a usufruir da natureza. Ao mudar de estilo de vida, eu ganhei mais saúde. No passado, eu tive vários problemas de saúde que foram curados devido a este tipo de vida. E posso dar alguns exemplos. Ao passar a uma alimentação vegetariana, perdi as alergias de pele, os problemas respiratórios que tinha. Eu era gestora de projeto na área de informática, tinha um emprego completamente normal, até que me despedi. Foi-me diagnosticado burnout, uma espécie de esgotamento e depressão devido ao excesso de trabalho. Então passei a trabalhar por conta própria e agora sou instrutora de ioga e dou palestras na área ambiental. O que eu percebi foi que devido a este estilo de vida foi-me possível ter um estilo de vida mais saudável a nível mental e físico até sem a ajuda da medicação. No início, tive efetivamente de tomar medicação, mas graças ao ioga, à meditação, práticas que, no fundo, são mais naturais, foi possível curar-me, embora sempre, obviamente, acompanhada por um médico. A verdade é que senti nestes últimos anos, por experiência própria e, também, pela experiência de pessoas que me são próximas, que este é um estilo de vida muito mais benéfico. Há práticas do passado que nós recuperamos, mas de uma forma modernizada. E há muitos estudos que corroboram o efeito positivo que esta mudança de vida tem sobre as pessoas.

 

Entrevista realizada no quadro do programa «O livro da semana» na rádio Alfa, apoiado pela Biblioteca Gulbenkian Paris

Próximo convidado: João Paulo Pimenta, “Naissance Politique du Brésil”

Quarta-feira, 11 de março, 9h30

Domingo, 15 de março, 14h25

 

[pro_ad_display_adzone id=”37509″]