Opinião: A letra «P»

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«P» de Pobre. «P» de pandemia. «P» de política. «P» de Papa. No domingo 15 de novembro, viveu-se o 4º Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo Papa Francisco.

Num contexto muito particular, dado que em muitos países, por causa da pandemia, as comunidades cristãs não se podem reunir para nada e a ajuda fraterna dispensada aos mais pobres está dificultada.

Ainda há dias, em Portugal, uma equipa de ajuda aos Sem-abrigo foi impedida de continuar a sua visita de apoio alimentar e psicológico, que normalmente se faz à noite, por não respeitar o recolher. E muitos ainda se recordarão da pessoa SDF (sem domicilio fixo) que em França foi interpelada pela polícia por violar o confinamento e quando lhe foi dito «Deve ir para casa» o homem respondeu: «Estou em casa, a minha casa é a rua»!

«P» de Pobreza, Pandemia, Política. Se há coisa que é evidente, é o aumento da pobreza. Já no primeiro confinamento, a distribuição de alimentos feitos pelas paróquias católicas de Paris se alargou a jovens estudantes e famílias da classe média, nomeadamente mães sozinhas. É agora evidente que a grave perturbação social e económica acelerou o empobrecimento e a perda de rendimentos.

Neste mesmo domingo, a Fondation Abbé Pierre (que tem o nome do famoso sacerdote que se dedicou à causa dos sem-abrigo) anunciou que o número de pessoas SDF em França é de pouco mais de 300.000. E pior que isso, se é possível dizer assim: segundo as suas estimativas, o número duplicou desde 2012, e são agora 185.000 nos centros de abrigo, 100.000 nos centros para quem pede asilo e 16.000 nos bidonvilles (bairros de lata). Mais difícil é ainda a quantificação dos sem-abrigo “regulares” a viver nas ruas das cidades.

Sem tomar partido contra as atuais restrições, compreende-se o desespero de muitos milhares que, privados de rendimentos por não poderem exercer a sua atividade profissional, se vêm empurrados para a miséria. É fácil de dizer «fique em casa» quando o ordenado está garantido ao final do mês pelo budget do Estado, porque se é funcionário ou o tipo de atividade profissional o permite. Mas para todos os outros (e são muitos!) é a incerteza que se transforma em certeza: falência e pobreza! Que fazer? Ninguém sabe muito bem e as ajudas estatais têm limites e um preço, que pagaremos todos a seu tempo.

«P» de Papa. Na sua mensagem para este dia, o Soberano Pontífice Francisco dá-lhe como título: «Estende a tua mão ao pobre», frase tirada do livro bíblico sapiencial de Ben-Sirá e explica: «Estende a tua mão ao pobre» (Sir 7, 32): a sabedoria antiga dispôs estas palavras como um código sagrado que se deve seguir na vida. Hoje ressoam com toda a densidade do seu significado para nos ajudar, também a nós, a concentrar o olhar no essencial e superar as barreiras da indiferença. A pobreza assume sempre rostos diferentes, que exigem atenção a cada condição particular: em cada uma destas, podemos encontrar o Senhor Jesus, que revelou estar presente nos seus irmãos mais frágeis (cf. Mt 25, 40)».

Ninguém dirá publicamente “não quero saber dos pobres”. No entanto, o seu combate tem sido lento e nem sempre isento de erros e imune a vaidades: «Na realidade, a Palavra de Deus ultrapassa o espaço, o tempo, as religiões e as culturas. A generosidade que apoia o vulnerável, consola o aflito, mitiga os sofrimentos, devolve dignidade a quem dela está privado, é condição para uma vida plenamente humana. A opção de prestar atenção aos pobres, às suas muitas e variadas carências, não pode ser condicionada pelo tempo disponível ou por interesses privados, nem por projetos pastorais ou sociais desencarnados. Não se pode sufocar a força da graça de Deus pela tendência narcisista de se colocar sempre a si mesmo no primeiro lugar».

Crente ou não crente, de esquerda ou de direita, conservador ou dito progressista (estas categorias políticas mostram-se cada vez mais inadequadas) o combate à pobreza não é de facto uma prioridade. A criatividade, os recursos, a integração dos pobres no sistema produtivo moderno e a fluidez acelerada da economia, os calendários eleitorais e os oportunismos e oportunidades políticas, não facilitam a mudança. Quando a abstenção dos eleitores ultrapassa os 50%, fragilizando as democracias, e sabendo nós que os pobres não votam na sua esmagadora maioria, este combate não será nunca prioritário. Por isso, é urgente libertar o combate da pobreza da sua carga ideológica e de «bandeira política». Só assim os pobres e o combate contra a pobreza poderão sair do “fogo cruzado” em que se encontra, entre esquerdas e direitas.

O Santo Padre avança algumas questões: «O encontro com uma pessoa em condições de pobreza não cessa de nos provocar e questionar. Como podemos contribuir para eliminar ou pelo menos aliviar a sua marginalização e o seu sofrimento? Como podemos ajudá-la na sua pobreza espiritual? A comunidade cristã é chamada a envolver-se nesta experiência de partilha, ciente de que não é lícito delegá-la a outros. E, para servir de apoio aos pobres, é fundamental viver pessoalmente a pobreza evangélica. Não podemos sentir-nos tranquilos, quando um membro da família humana é relegado para a retaguarda, reduzindo-se a uma sombra. O clamor silencioso de tantos pobres deve encontrar o povo de Deus na vanguarda, sempre e em toda a parte, para lhes dar voz, defendê-los e solidarizar-se com eles face a tanta hipocrisia e tantas promessas não cumpridas, e para os convidar a participar na vida da comunidade.

Curiosamente, o mesmo Estado que em França interditou os atos de culto e a vida normal das comunidades crentes, pediu que continuássemos a servir os pobres, autorizando a distribuição de alimentos. Graças a Deus! Mesmo que os bem-pensantes e autoproclamados «progressistas» – anticristãos ou indiferentes – julguem que apenas podemos existir no espaço público para servir os pobres, façamo-lo! Esse é um dos nossos combates e uma das nossas glórias. O verdadeiro progresso e «causa fraturante» será “dar voz aos pobres, defendê-los e solidarizar-se com eles face a tanta hipocrisia e tantas promessas não cumpridas”.

 

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