Opinião: “Légendes de l’Inde”, de Luís Filipe Castro Mendes

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O mês acaba e podemos fazer uma lista de “Perdidos” que, nalguns casos, infelizmente, nunca serão “Achados”; outros sim, mas lá mais para a frente, no desconfinamento de dezembro, se o houver, ou só numa primavera que esperamos diferente da de 2020.

Falamos da apresentação pública do filme de Christophe Fonseca sobre o pintor chinês estabelecido em França, Chu Teh-Chun, de que já referimos aqui; do regresso do fotógrafo Daniel Blaufuks à galeria de Jean Kenta no seu novo espaço de Paris (rue de la Procession/Vaugirard); da projeção na Cité International des Arts, de ‘A Piscina’ do jovem realizador João Viana; de um espetáculo de dança de Sofia Fitas, ‘Experimento 5’; do Concerto que, na Embaixada, organizado por Jorge Chaminé, comemoraria o Bicentenário de Beethoven apresentando, entre outras, uma canção popular portuguesa que o compositor musicou na língua original…

Resta-nos o concerto do Jardin Jazz, conjunto de músicos franceses e portugueses, que acompanham a voz de Mariana Fabião criando um diálogo entre o fado e o Jazz e que estará no ar, no site do FICEP, integrando o Festival Jazzycolors, dia 24, a partir das 20h00.

Mas, enquanto a vida não retoma o seu curso, fiquemos em casa a ler… Aqui fica uma sugestão nacional, acessível no mercado francês através da editora Wallâda: o recém-traduzido (com apoio do Instituto Camões) “Légendes de l’Inde” (Lendas da Índia), de Luís Filipe Castro Mendes (foto), Embaixador, Ministro e (aqui vale o adágio inglês, last but not the least), Poeta.

Buscando o título no cronista quinhentista Gaspar Correia, Castro Mendes, que foi Embaixador em Nova Deli, confronta-se como ele, neste seu quase Diário, com a estranheza dos lugares e das gentes. Mas é munido dos instrumentos intelectuais do nosso tempo que o seu exercício poético se desenvolve: uma análise que articula o olhar exterior do português que olha a Índia, hoje, e o olhar interior, do português que olha a História de Portugal na sua relação real e mítica com a Índia passada (com todo o Oriente), usando frequentes citações de factos históricos concretos ou citando, entre muitos outros, de Camões, Camilo Pessanha ou Pessoa.

Assistimos assim a um desmontar crítico do exotismo “orientalista” mas também, muitas vezes por via irónica, a uma crítica do simplismo do “politicamente correto” que despontava nesses anos iniciais do século XXI. Leia-se, por exemplo, entre inúmeras possibilidades, “Um orientalista confessa-se”, “Pedimos desculpa pelo Império romano” ou ainda “O regresso das caravelas agora como farsa”.

É uma poesia culta, percorrida por referências literárias e políticas, mas é também uma poesia didática que nos leva pelo fio da história ao sabor das viagens e leituras, dos encontros do poeta. E é uma poesia que, colocando-se quase sempre na primeira pessoa (uma primeira pessoa exigente para com as suas próprias opções e qualidades) dialoga com o leitor de igual para igual, obrigando-o a pensar para além dos textos – falando dos acontecimentos que desencadeiam o seu discurso, Castro Mendes mostra-nos como faz a sua poesia.

Mas o seu distanciamento intelectual dominante, baixa por vezes a guarda. É quando o poeta esquece o tempo presente que condiciona as suas emoções e, a partir dele, alcança uma atemporalidade lírica. Oiçamos o poema “Viver é mais que atravessar um campo”, título que é uma citação de Pasternak: “Como eu teria amado o silêncio do mundo/ se sobre ele permanecesse a marca dos teus passos.// Só esse resto de neve ainda fala de nós,/ como se viver fosse apenas travessar este campo// sem mais nada no fim”.

Boa semana e boas escolhas culturais

 

Esta crónica é difundida todas as semanas, à segunda-feira, na rádio Alfa, com difusão antes das 7h00, 9h00, 11h00, 15h00, 17h00 e 19h00.

 

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