Nunca se falou tanto sobre felicidade como hoje. Está em todo o lado – nas redes, nos discursos, nos livros que prometem fórmulas rápidas para uma vida sem dor. Mas há um paradoxo silencioso por detrás deste fenómeno: quanto mais se corre atrás da felicidade, mais distante ela parece.
É que a verdadeira felicidade não se encontra num estado constante de entusiasmo, nem num alinhamento perfeito de circunstâncias externas. Está, sim, na forma como nos relacionamos connosco próprios, com os outros e com a vida. Não nasce do que temos, mas da forma como estamos presentes, inteiros, disponíveis.
Ser feliz não é viver num mar calmo. É ter um corpo que respira com leveza, uma mente que descansa, e um coração que não se esconde do que sente. É saber cuidar de si com gentileza, tratar o corpo com respeito, escutar os seus sinais antes que se transformem em gritos. Há uma sabedoria simples no ato de parar, dormir bem, alimentar-se com intenção, respirar com consciência. Não se trata de regras, mas de respeito por si próprio.
É também silenciar o ruído para escutar o que realmente importa. Aquilo que nos sossega. Aquilo que nos traz paz. Mesmo no meio do caos, há sempre um espaço dentro de nós que pode ser abrigo. A felicidade não é a ausência de perturbações externas, mas a capacidade de manter, cá dentro, um lugar que ninguém pode tocar. Um lugar seguro, onde podemos ser quem somos, sem precisar de defesas.
Há um momento inevitável na vida em que se pergunta: “O que é que eu estou aqui a fazer?” É nessa pergunta que começa a possibilidade de uma vida com sentido. Não se trata de grandes missões, nem de feitos extraordinários. É ter clareza sobre o que nos move. É levantar-se todos os dias com a sensação de que há algo a que vale a pena entregar a nossa energia.
E quando tudo desaba – porque inevitavelmente, um dia, desaba – ser feliz é continuar. É não desistir de si, mesmo quando tudo parece frágil. É olhar para dentro e encontrar, mesmo que em pedaços, algo por onde recomeçar. Não se trata de resistir com dureza, mas de adaptar-se com inteligência emocional. A resiliência não é dureza, é flexibilidade com raízes.
Felicidade também é amor-próprio. É poder dizer: “Eu importo-me comigo”. É olhar para o espelho sem precisar de aprovação. É saber que somos dignos de amor, mesmo quando falhamos, mesmo quando não somos tudo o que gostaríamos. É uma aceitação profunda da própria imperfeição. E, com isso, uma liberdade serena.
Mas ninguém é feliz sozinho. A felicidade expande-se no encontro com o outro. Nos afetos partilhados. Nos vínculos que acolhem e não julgam. Precisamos de pertença, de conversa, de toque, de riso. Precisamos de nos saber vistos. Porque, por muito que cultivemos o nosso mundo interior, só no espelho da relação é que o ser humano se torna inteiro.
Ser feliz, afinal, não é um objetivo. É uma prática. Um cuidado contínuo. Uma construção feita de escolhas silenciosas, de escutas atentas, de decisões corajosas. É saber estar em si, com os outros e com a vida – mesmo quando tudo parece estar a correr mal.
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Dr. Pedro Brás
Psicoterapeuta
Clínica da Mente