Saúde: A ditadura da felicidade instantânea: E se a felicidade não fosse um lugar, mas um ritmo?


A felicidade é o resultado de um cocktail de substâncias químicas. Não há uma “fórmula mágica” mas sabemos que há um conjunto de neurotransmissores que são atores principais na hora de regular o nosso humor e as nossas emoções.

E (não me deixem mentir) a felicidade fora das cápsulas existe – em hábitos. Há muitas dicas simples que podem ajudar a evitar e a tratar a depressão. Higiene da saúde mental – já ouviram falar? O que comemos, o dormir bem, o fazer exercício, o socializar, o aprender a lidar com o stress – tudo isto conta.

Mas é sempre importante dizer e reforçar: apesar de existirem práticas que podemos incluir no dia-a-dia, não é só isto – não é tudo isto.

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Procurar ser feliz? Sim. Aproveitar os momentos bons e as pequenas coisas? Sem dúvida.

Mas, quando a felicidade vira uma meta, ela (invariavelmente) escapa.

Do nosso dia-a-dia, como a alegria, também vão fazer parte outras emoções – a tristeza, a raiva, o medo. Todas com o seu papel em diferentes momentos. Não queremos lutar contra a maré (estas emoções fazem parte) mas temos que saber nadar (vivemos estas emoções e depois sabemos seguir em frente). Procurar ser feliz o tempo todo e pôr de lado estas emoções menos boas é uma expetativa irrealista. A nossa vida vai ter momentos bons e momentos menos bons. Não podemos esperar pelo dia em que vai estar tudo ótimo e alinhado porque podemos esperar muito tempo.

A felicidade não é um estado permanente. Aceitar os altos e baixos da vida é o que nos torna emocionalmente resilientes e nos permite ser verdadeiramente felizes. O verdadeiro bem-estar não nasce da exigência de estar bem o tempo todo, mas da capacidade de estar presente mesmo quando não estamos bem.

É o paradoxo da felicidade: se fizermos da felicidade uma obrigação, transformamos o bem-estar num dever – e isso gera ansiedade, culpa e muita frustração. Como se o cérebro dissesse: “Devias estar melhor! Porque é que ainda te sentes assim?”. Se tentamos controlar infinitamente o nosso bem-estar, perdemos a espontaneidade que o torna possível.

O paradoxo da busca da felicidade aplica-se à felicidade, mas a outras coisas que conhecemos bem. A felicidade não se pode forçar, como o sono também não se pode forçar. Ninguém adormece por decreto. Relaxamos, desligamos, confiamos – e o sono chega.

Quanto mais perseguimos o sono, mais ele foge. Quando nos deitamos com a cabeça cheia de “tenho de dormir!”, “se não durmo vou estar péssimo amanhã”, “já são 3h da manhã!”, estamos a ativar precisamente o sistema que inibe o sono: o sistema de alerta. O cérebro interpreta essa pressão como um sinal de stress. O cortisol sobe (a hormona do “acorda!”). O sistema nervoso simpático (o do “luta ou foge”) liga-se. Resultado? O corpo permanece bem acordado, em vigília. E pior: surge uma associação entre a cama e a nossa frustração. A ansiedade passa a chegar impreterivelmente na hora de dormir ou sempre que olhamos para a nossa cama.

O equilíbrio está em procurar o bem-estar com gentileza: criar condições para que ele aconteça, sem o exigir. Como preparamos o quarto para dormir – escurecemos, silenciamos, deixamos o corpo sentir sono – também podemos preparar a nossa vida para a felicidade.

No fundo, duas pequenas dicas: O cérebro adora pequenas doses de prazer e adora pequenas vitórias.

A felicidade vive nas pequenas coisas. Já sabemos provavelmente que o nosso cérebro se adapta rapidamente a grandes coisas – boas ou más. Por isso, o que conta são os detalhes do dia-a-dia. O cérebro adora pequenas doses de prazer. Então o segredo é deixar o “piloto automático” que nos assola na correria do dia-a-dia e treinar o cérebro a prestar atenção ao que está realmente a acontecer no momento presente e “reparar” nas coisas boas. Saborear um café, apanhar sol numa esplanada, ver um por do sol particularmente bonito, ouvir música, sentir o cheiro do pão acabado de fazer numa padaria pela qual passamos todos os dias. Coisas simples, mas que fazem toda a diferença.

E definir uma meta pequena e cumpri-la. Delinear pequenos, grandes objetivos e cumpri-los da melhor forma que sabemos. Vamos comer melhor para nos sentirmos melhor. Vamos ao ginásio para nos sentirmos mais ativos. Vamos respeitar o nosso sono e a nossa necessidade de descansar. O cérebro adora pequenas vitórias.

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Dra. Maria Moreno

Médica Psiquiatra

Cognilab e Fisiogaspar