Saúde: Já ouviu falar de Burnout parental?


Quando falamos de Burnout, pensamos logo em trabalho, longas horas na empresa, em stress e pressão para cumprir objetivos. E o Burnout é isto tudo, mas não só. E o Burnout da dona de casa que vive numa rotina que nunca tem fim sem um único momento para si? E o Burnout dos pais que se desdobram para dar tudo e, muitas vezes, se esquecem de quem são? E o Burnout dos cuidadores que acompanham familiares doentes com uma imensa dedicação, mas também uma exaustão que se vai instalando com uma enorme culpa, mas que não partilham.

Todos estes tipos de Burnout são reais, mas não falamos sobre eles. Quem os vive sente que precisa de estar lá sempre, que não pode parar e que agora não há tempo para pedir ajuda. Mais tarde, talvez. Mais o mais tarde teima em não chegar.

Relembro que todos estes papéis exigem tanto ou mais horas e dedicação que qualquer trabalho clássico e formal. E quem cuida, dia após dia, também merece ser cuidado.

O peso de “não falhar” torna-se um fardo enorme. Há cansaço sim (um cansaço enorme, uma exaustão), mas há também a sensação de não poder parar. Fazem todas as rotinas do dia-a-dia em modo automático, sentem-se irritados e impacientes e reconhecem que explodem com os filhos e a pessoa que está ao lado de forma exagerada mesmo nas pequenas coisas, tornam-se pais e companheiros frios, desligados e distantes, com muita culpa e uma sensação persistente de não ser bom pai ou boa mãe e “não estar à altura”.

Pergunta-se se atinge mais pais ou mães e eu digo sem hesitar: as mães! As mães porque, hoje-em-dia, apesar de termos evoluído muito nesse sentido, ainda é verdade que elas assumem uma grande parte das responsabilidades ligadas ao cuidado dos filhos e da casa.

Sobre o aumento de casos nos últimos tempos, é, sem dúvida, um grande sim e, como psiquiatra, isto é-me cada vez mais trazido na consulta. O motivo? Não é um, são vários.

Ser pai ou mãe sempre foi desafiante, mas as exigências do mundo atual tornam a parentalidade particularmente intensa. Não é de admirar que muitos ultrapassem o seu limite.

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Ponto um. A pressão externa. Vivemos rodeados de imagens do “superpai” e da “supermãe” – os pais “perfeitos” que estão sempre disponíveis e acertam sempre. Os livros de apoio, os cursos pré e pós-parto e as redes sociais mostram uma imagem irreal de mães e pais com casas impecáveis, refeições caseiras e equilibradas e crianças bem-comportadas, independentes e sorridentes, criando um ideal inalcançável. Os pais, mesmo sem querer, comparam-se e sentem que nunca são bons o suficiente. A ideia de que se pode falhar tornou-se um tabu, quando, na verdade, errar faz parte do crescimento – tanto para os filhos como para os pais.

Ponto dois. A sobrecarga de papéis. Vivemos num mundo que não para e temos que estar no nosso melhor em todas as frentes. A mulher, por exemplo, tem que ser a mãe perfeita, a esposa que está lá presente, a dona de casa, a mulher ideal e idealizada, a profissional dedicada e independente e não se esquecer de manter uma vida social ativa. Há tanto para fazer e tão pouco tempo. Não há pausas. Mesmo nos momentos de descanso, há tarefas por fazer e listas por cumprir. Os pais raramente têm tempo para si próprios e o cuidar de si passa para o fim da lista, como se fosse algo dispensável. Importa fazer, fazer, fazer. E no meio de tudo isto? Fica a sensação de culpa por falhar sempre em um ou vários campos.

Ponto três. A falta de apoio de uma comunidade. A rede de suporte que existia tradicionalmente já não está lá a maioria das vezes. Os avós trabalham, os tios emigraram, os vizinhos não se conhecem. A creche não tem vaga e não cobre as horas que os pais passam fora de casa. Hoje, muitos pais estão sozinhos, a tentar gerir tudo sem apoio. A ideia de “é preciso uma aldeia para criar uma criança” tornou-se um luxo para muitos.

Ponto quatro. A questão financeira. E a par da sobrecarga de papeis e da falta de apoio, há a questão financeira. Os pais deste país têm que lidar com uma pressão financeira crescente que aumenta a necessidade de fazer mais todos os dias. O custo de vida sobe e o aumento dos salários não acompanha este aumento do custo de vida. Muitos pais têm de fazer malabarismos com longos horários pouco flexíveis e com empregos que exigem mais do que podem dar. Os apoios à parentalidade existem, mas, em Portugal, há um contraste curioso quando se fala de apoio à parentalidade: é mais fácil encontrar apoios para criar um filho com um salário mais baixo do que com um salário mais alto. Isto podia entender-se até certo ponto, mas este fenómeno está de tal modo presente que ajuda a explicar por que razão a taxa de natalidade tem vindo a diminuir entre os casais com rendimentos mais elevados, mesmo aqueles que, em teoria, teriam melhores condições financeiras para sustentar uma família. Para muitas famílias, a questão de ter filhos não depende apenas de querer, mas de conseguir sustentar esse desejo.

Ponto cinco. A depressão pós-parto não tratada. A Saúde Mental tem estado cada vez mais na ordem do dia. Como tal, cada vez faz mais sentido falar, e falar-se mais, em promoção da Saúde Mental no pós-parto, mas também na gravidez. Mas a verdade é que a Depressão pós-parto ainda passa muitas vezes (demasiadas vezes) em branco. Em mulheres vulneráveis, o período perinatal predispõe a doença mental ou, quando esta já existe, precipita a sua recorrência. A Depressão pós-parto é uma doença mental que surge com as alterações hormonais abruptas que se verificam no pós-parto com o nascimento do bebé. Há sintomas depressivos e de ansiedade, mas também podem existir vários outros sintomas assustadores para a mãe: medo ou culpa por não ser boa mãe, medo ou vontade de fazer mal ao bebé, medo que o bebé morra, incapacidade de sentir proximidade com o bebé que nasceu. E isto compromete a relação e o vínculo que se vai formar quando não há ajuda. Os bebés não podem esperar. Tratar a Depressão pós-parto de modo eficaz e precoce é essencial.

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Dra. Maria Moreno

Médica Psiquiatra na Cognilab e na Fisiogaspar