Saúde: Quando os pais não largam os ecrãs_LusoJornal·Saúde·11 Junho, 2025 1) Quando os pais estão excessivamente ligados ao mundo virtual e aos ecrãs e desligados do seu papel parental, as crianças sentem-se emocionalmente invisíveis. Isto interfere com o seu desenvolvimento social e emocional, cognitivo e linguístico, moral e sensorial, e no ambiente familiar. A mudança começa com a consciência parental e no compromisso em criar momentos de verdadeira conexão. . Dos 0 aos 3 anos, os principais riscos estão associados a um tipo de vinculação insegura e pobre em estímulos, uma vez que o bebé precisa de contacto visual, de expressões faciais, de vocalizações e do toque físico, associados ao investimento cúmplice e constante das interações entre o adulto e o bebé. Ora, se os pais estão distraídos com o telemóvel, não estão disponíveis para prestar atenção e dar resposta a esses sinais do bebé e não respondem de forma sensível e recíproca. Esta dinâmica de comunicação está associada a atrasos na linguagem e a um desenvolvimento social e emocional medíocres. A interação com os cuidadores é essencial para a criança aprender a linguagem e interpretar emoções, a sentir-se curiosa para investir em novas aprendizagens. Os bebés aprendem a acalmar-se autonomamente através da co-regulação com os adultos. Vejamos um exemplo prático: um bebé chora e o pai está absorvido no telemóvel, o choro não é atendido e a criança aprende que o seu mal-estar não tem resposta e fica aflita e ansiosa. . Dos 3 aos 6 anos, os principais riscos são os comportamentos de oposição ou regressão, ou seja, a criança procura chamar a atenção quando se sente ignorada pelos adultos que estão distraídos com os ecrãs, tem dificuldade na construção de laços de apego e percebe-se como não importante. Por exemplo, a criança grita ou atira brinquedos porque os pais não lhes estão a prestar atenção. Por outro lado, pode evidenciar-se um défice de competências sociais atendendo ao menor tempo de jogo simbólico ou partilhado com os adultos de referência. Se os pais privilegiam o tempo com os ecrãs, a criança imita o comportamento, pelo que, existe um maior número de casos registados com perturbações do sono e excesso de exposição a estímulos digitais. . Dos 6 aos 10 anos, os riscos principais prendem-se com a modelagem do uso disfuncional de tecnologia e o isolamento emocional. Os filhos podem sentir-se emocionalmente negligenciados e desinvestem das tarefas físicas, sociais e escolares, existe menor apoio na execução e na supervisão dos adultos, os estímulos associados à escola são percebidos como aborrecidos e desinteressantes. As crianças aprendem que o normal é estar sempre conectado, mesmo em momentos familiares, como nas refeições quando cada um está no seu ecrã ou o ecrã comunica por todos. . Dos 10 aos 15 anos, se os pais valorizam excessivamente as redes sociais, os filhos podem seguir o mesmo padrão, o que acarreta risco de dependência digital, uma baixa autoestima e comparação constante com os outros, como riscos principais. Por exemplo, se o filho tenta partilhar algo com o pai e este responde “Espera um pouco, já oiço” e continua a fazer scroll, o filho sente rejeição ou distância relacional, o adolescente deixa de procurar os pais para conversar e passa a ter como modelos de referência formativa e pedagógica os influenceres digitais. . Dos 15 aos 18 anos, os riscos principais são o défice de autorregulação emocional e tecnológica, o conflito familiar, a desconexão emocional e um maior risco de desenvolvimento de quadros de ansiedade, depressão e perturbações de imagem corporal. São vários os casos de jovens isolados no quarto, com angústias, dúvidas e inseguranças nas diferentes áreas de vida, e os pais não compreendem o seu verdadeiro sofrimento porque estão absortos no seu mundo virtual, profissional e na crença de estar a fazer tudo em prol da parentalidade. . 2) Mesmo quando os filhos não expressam através de palavras o que sentem, expressam, na mesma, sinais claros de alerta. Alguns deles, a que os cuidadores devem estar atentos, nas crianças mais pequenas, são os comportamentos regressivos como voltar a urinar à noite na cama, chuchar o dedo, voltar a falar como um bebé, despoletarem mais birras ou respostas de irritabilidade, reações exageradas a frustrações, apelos de atenção constantes e interrupções impacientes aos adultos. Nas mais velhas, permanece ou aumenta o comportamento desafiador, a desobediência, a rebeldia ou as respostas provocatórias, muitas vezes há uma queda no desempenho escolar, distúrbios no sono ou na alimentação, queixas somáticas sem causa médica clara como dores de cabeça ou dores de barriga, isolamento ou apatia emocional, distorção entre o mundo virtual e o mundo real, são alguns dos sinais mais comuns. A tristeza, apatia ou choro, sem motivo claro, são frequentes, especialmente após tentativas frustradas de interação com os pais, assim como a raiva e frustração exageradas, diante de pequenas situações, muitas vezes como reflexo de frustração emocional acumulada. Em muitos casos observa-se ciúmes de irmãos ou outras pessoas que recebam atenção dos pais, busca constante por validação ou aprovação dos adultos e dificuldade em brincar ou socializar com outras crianças. Os cuidadores devem investir na introdução das seguintes sugestões de práticas nas rotinas diárias: “tempo sem ecrãs” diário estruturado, por exemplo, 30 minutos diários de atenção exclusiva à criança (sem telemóvel por perto); estabelecer “zonas livres de ecrãs” na casa, por exemplo, na secretária de estudo, nos quartos, durante as refeições; fazer “check-ins emocionais”, isto é, perguntar com interesse verdadeiro como a criança se sente e dar tempo e espaço para a partilha surgir e o diálogo ser uma constante, sem pressões, críticas ou julgamentos, olhos nos olhos; modelar a autorregulação digital, como enunciar em voz alta: “Vou pousar o telemóvel porque é hora de brincar contigo!”. . 3) Os adultos devem adquirir consciência e treino das seguintes competências-chave: presença emocional, uma vez que a qualidade da presença é mais importante do que a quantidade; regulação digital, saber quando e como usar a tecnologia com moderação; empatia e escuta ativa, ou seja, validar as emoções dos filhos com disponibilidade e envolvimento; comunicação aberta, criar um espaço seguro para o diálogo; capacidade de colocar limites, dizer “não” a ecrãs quando é hora de conexão humana; servir como o melhor exemplo e testemunho de modelagem dos filhos. . Dra. Marta Calado Psicóloga especialista em crianças e jovens Diretora clínica da Clínica da Mente, no Porto