LusoJornal | Mário Cantarinha

25 de Abril: 50 anos / 50 testemunhos – Carlos Pereira


Era um catraio e tinha chegado há pouco tempo de Angola e passei a morar com os meus avós. O meu pai, antes de regressar a Luanda, comprou-me uma televisão. Só havia um canal, a preto e branco, e começava a emitir apenas ao fim da tarde. Religiosamente, todos os dias, acendia a televisão para ver os programas infantis.

Nesse dia 25 de abril, não houve desenhos animados e na televisão só havia música militar.

O meu primeiro “contacto” com o 25 de Abril foi pois… de desilusão.

A Revolução dos Cravos chegou mais tarde à pequena aldeia de Trás-os-Montes onde morava. Mas deixou-me profundamente marcado!

Com um megafone, os militares percorreram a aldeia para convocar os habitantes a uma “Sessão de esclarecimento” na escola. Lá fui eu, acompanhar a minha avó Rosa. Fiquei sentado no chão, na linha da frente e a sala da escola foi pequena para acolher toda a população.

Os jovens militares explicaram o que era a democracia, qual o papel da Junta de Freguesia, da Câmara Municipal, da Assembleia da República… explicaram como como se votava, quem votava e porque se votava.

Eu absorvia tudo!

O meu avô Francisco foi dos raros habitantes da aldeia que não foi a essa Sessão de esclarecimento. Disse que não lhe interessava. Mas depois, teve de “gramar” a “minha” Sessão de esclarecimento.

Expliquei-lhe tudo, tim-tim por tim-tim.

Lembro-me também das primeiras eleições livres em Portugal. Veio gente de todas as aldeias da freguesia Vinham em cima de carrinhas, mas vestidos a rigor, com roupa domingueira, para votar. Votaram em massa. Confirmei agora a taxa de participação… Quem dera que a abstenção ainda fosse inferior a 10%…

A contagem dos votos foi um espetáculo que nunca mais vi. Eu estava sentado em cima da janela da escola, com uma perna dentro da sala de aula transformada em sala de escrutínio e outra perna de fora, onde se acumulava praticamente toda a população da aldeia. O meu pai, entretanto regressado de Angola, estava no quadro, a marcar, com giz branco, um traço por cada voto. De 10 em 10 votos, as pessoas aplaudiam. Estavam felizes por terem participado, pela primeira vez, na escolha dos seus representantes.

Visto de longe, 50 anos depois, esta operação de formação cívica foi impressionante. Foi a ação imediata mais importante da Revolução, ao mesmo nível da descolonização.

Nem que fosse só por isto, Viva o 25 de Abril.

.

Carlos Pereira

Jornalista, Diretor do LusoJornal

.

“25 de Abril: 50 anos / 50 testemunhos” é uma iniciativa do fotógrafo Mário Cantarinha, em parceria com o LusoJornal.

Mário Cantarinha escolheu 50 personalidades da Comunidade portuguesa de França, 25 homens e 25 mulheres. Alguns destes testemunhos já foram utilizados para uma exposição há 10 anos. O LusoJornal publica agora os 50 testemunhos, um por dia, até ao dia 25 de abril de 2024.