LusoJornal | Mário Cantarinha

25 de Abril: 50 anos / 50 testemunhos – Elisabeth Oliveira


O meu pai não tinha nada a perder quando em 1965, aos 17 anos vestiu o seu fato de domingo, calçou o único par de sapatos que tinha e foi ter com o passador à estação de comboios de Pombal para ir trabalhar para França…

Naquela altura, Portugal tinha criminalizado a emigração clandestina. Quem partisse sem autorização podia ser preso.

Então, este adolescente fez a maior parte do caminho a pé e de noite, com um grupo de adultos que não conhecia, passando sede e fome, vestido como se fosse à missa do domingo para ninguém o denunciar nem desconfiar da partida.

Nasci em França em 1970. Sempre ouvi o meu pai contar-me vezes sem conta como era a vida dele em Portugal, falar do Salazar, da PIDE…

Para matar as saudades que tinha do país, ia comprar todos os domingos o jornal português «A bola» num quiosque junto ao Arco de Triunfo (o único que vendia imprensa portuguesa em Paris) e ouvia a Radio France Internationale…

Foi quando estava a trabalhar e ouvir a rádio nessa quinta-feira 25 de abril de 1974 que soube o que estava a acontecer em Portugal. Acompanhou hora a hora como se lá estivesse.

Anos mais tarde, perguntei-lhe o que sentiu nessa altura, se tinha notado alguma diferença quando no mês de agosto daquele ano voltou a Pombal de férias.

A resposta dele foi: «Quem tinha fome continuou a ter, mas as pessoas podiam finalmente dizer o que pensavam sem irem presos, e podia-se criticar o Governo».

Para as gerações que não viveram sob a ditadura ou a censura, a liberdade de expressão é um direito que sempre conheceram.

É de facto, um dos direitos fundamentais de todos nós, que nos dá a liberdade de dizer o que pensamos e ouvir o que os outros pensam, seja através de palavras, imagens ou de outro meio.

O 25 de Abril conduziu ao fim da ditadura, à abertura do país para uma era de liberdade e democracia.

No entanto, e agora que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril, não posso deixar de me questionar, se para além da liberdade houve implicações profundas para Portugal?

Porque com Abril, também veio a liberdade de partir e embora seja uma oportunidade incentivada pelos Governos de hoje, também levanta questões sobre os desafios enfrentados pelo país: continua a haver emigração em massa e êxodo de talentos. Na prática, para além da abolição do medo, alguma vez se criaram condições que incentivassem as pessoas a permanecer e contribuir para o desenvolvimento do país?

Para mim, a Revolução do 25 de Abril em Portugal representa não apenas a conquista da liberdade política e de expressão, mas também uma mudança profunda na vida dos Portugueses. E por capilaridade, na minha própria história familiar. O meu pai, que deixou Portugal em busca de uma vida melhor, é um testemunho da realidade difícil sob a ditadura de Salazar e da coragem de muitos emigrantes que arriscaram tudo em busca de oportunidades.

Comemorar os 50 anos do 25 de Abril é também uma oportunidade para refletir sobre a liberdade que nunca é completamente garantida de forma permanente: requer compromisso constante, vigilância e esforços sustentados por parte da sociedade e das suas instituições para ser mantida e fortalecida.

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Elisabeth Oliveira

Biógrafa hospitalar

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“25 de Abril: 50 anos / 50 testemunhos” é uma iniciativa do fotógrafo Mário Cantarinha, em parceria com o LusoJornal.

Mário Cantarinha escolheu 50 personalidades da Comunidade portuguesa de França, 25 homens e 25 mulheres. Alguns destes testemunhos já foram utilizados para uma exposição há 10 anos. O LusoJornal publica agora os 50 testemunhos, um por dia, até ao dia 25 de abril de 2024.