Álvaro Rodrigues criou a Associação dos Amigos do Cemitério Militar Português de Richebourg

O colecionador da I Guerra Mundial, Álvaro Rodrigues, acaba de criar a Associação dos Amigos do Cemitério Militar Português de Richebourg e espera fazer uma recolha de fundos para pagar a substituição das lápides daquele cemitério português no norte de França, com campas de 1.831 soldados do Corpo Expedicionário Português.

“Quando eu cheguei, há 37 anos, ao Cemitério Militar Português, ele ainda estava mais ou menos. Hoje está num estado lamentável, há lápides que partem e caem ao chão, há árvores que ‘comem’ as lápides” diz Álvaro Rodrigues ao LusoJornal. “Eu tenho lá duas pessoas da minha família enterrados, são dois primos direitos do meu pai. Os nomes estão a desaparecer, as placas estão a cair, a Liga dos Combatentes pôs umas placas de plástico em cima da cada lápide com o nome dos soldados, mas para mim isso não é um trabalho, isso é um remendo como se faz com uma câmara de ar quando ela tem um furo”.

O Cemitério Militar Português de Richebourg é propriedade do Estado português e é a Liga dos Combatentes que faz a manutenção, mas queixa-se de não ter os meios suficientes para mudar as lápides.

“Eu expliquei ao Presidente da Liga dos Combatentes, Chito Rodrigues, que mandei fazer orçamentos em Portugal. Só para mandar fazer as lápides custa uns 762.000 euros e para as obras de remoção das lápides atuais e colocação das novas, custará mais uns 800.000 euros. Por isso temos de contar com cerca de 1,5 milhões de euros” diz Álvaro Rodrigues.

Para resolver este problema, o colecionador, que mora em Chateaunef-sur-Cher (18) decidiu criar uma associação com a colaboração do Centro franco-português de Bourges e do correspondente do LusoJornal no norte da França António Marrucho. E agora esperam começar a recolher os donativos.

“A Liga dos Combatentes respondeu-me que tínhamos que mandar o dinheiro para eles e seriam eles a gerir os fundos. Eu respondi-lhe que o dinheiro nunca irá para Portugal, o dinheiro é gasto aqui em França, nós pagaremos diretamente as empresas que fizerem os trabalhos e enviaremos as faturas e as provas de pagamento para a Liga dos Combatentes” diz decidido Álvaro Rodrigues. “Quando nós tivermos o dinheiro, nós faremos uma mesa redonda com o Embaixador de Portugal, com o Adido militar e com o responsável da Liga dos Combatentes para decidirmos que trabalhos vamos financiar”.

Recolher 1,5 milhões de euros não deve ser tarefa fácil, mas Álvaro Rodrigues está otimista. “Nós somos 1,5 milhões de Portugueses em França, só peço que cada um dê 1 euro. Vamos abrir um apelo online e as pessoas se derem 1, 2, 3 euros… num instante nós recuperamos o dinheiro. As empresas podem dar mais algum. Já abri a conta bancária na semana passada e agora vou aos impostos buscar os formulários para que as empresas possam descontar dos seus impostos. Agora vamos começar a fazer publicidade, para isso vamos falar muito para que todos possam compreender que aquilo é nosso, é um pouco do nosso sangue que está ali. Muitas vezes os Portugueses não estão mobilizados não sabem que o Cemitério existe”.

Álvaro Rodrigues diz que “os Ingleses têm um orçamento de cerca de 12 milhões de euros por ano para cuidar dos 1.320 cemitérios ingleses só da I Guerra mundial”. Portugal tem apenas o Cemitério Militar Português de Richebourg, com 1.831 campas, mais 44 campas no talhão português no Cemitério do Este de Boulogne-sur-mer, e mais algumas campas em cemitérios franceses e mesmo dois soldados portugueses enterrados num cemitério alemão no norte da França.

“Se a Liga dos Combatentes não aceitar a nossa proposta, eu vou a Portugal e vou muito mais longe, nem que tenha de ir ao Presidente da República e ao Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, porque não é só a Liga dos Combatentes que manda. Eu não posso enviar para Portugal o dinheiro que os Portugueses me derem, sem saber o que vão fazer do dinheiro. O que vejo hoje que se passa em Portugal, para mim já me chega” afirma Álvaro Rodrigues.

 

Um dos maiores colecionadores da I Guerra Mundial

Álvaro Rodrigues é um dos maiores colecionadores privados da I Guerra mundial. “Eu consegui fazer uma coleção sobre todos os países que se bateram nesta guerra, era o que eu queria, porque todos esses jovens que se bateram, sofreram todos a mesma coisa, todos tiveram a mesma infelicidade. Morreram milhões e milhões de soldados, não foram centenas, nem milhares, foram milhões. Nós, os Portugueses, somos uma gota de água neste oceano com 50.000 soldados em França e outros tantos na África e com 8.000 mortos no total. É uma gota de água quando se vê que a França teve 1.500.000 mortos, a Alemanha e a Áustria com mais de 2.000.000 de mortos, é muita muita coisa”.

Os Portugueses entraram na I Guerra mundial em 1917 e o Corpo Expedicionário Português combateu no norte da França, com os Franceses de um lado e os Britânicos do outro lado. O momento mais importante da participação portuguesa foi a Batalha da La Lys, que em França se chama Opération Georgette.

“O meu avô era pescador do bacalhau na Terra Nova e o barco dele foi afundado por um submarino alemão. O meu avô foi feito prisioneiro pelos soldados alemães e foi levado num barco para a Alemanha, mas no Canal da Mancha lançou-se à água e conseguiu chegar à terra firme” explica Álvaro Rodrigues numa entrevista “live” ao LusoJornal. “Em França foi combater ao lado dos Portugueses como soldado auxiliar. O meu avô fez essa guerra completa e foi ferido nas pernas na Batalha de La Lys, com estilhaços de granadas. Toda a minha vida eu conheci o meu avô com aquelas bolhas nas pernas de onde saía pus”.

O avô de Álvaro Rodrigues morreu em 1965 depois de lhe terem cortado as duas pernas. E foi a pensar no avô que começou a constituir a coleção que hoje tem mais de 4.000 peças. Tem 140 uniformes, mais de 200 capacete e coberturas de cabeça, mas também tem armas, objetos com as mais variadas funções.

Quando se reformou, construiu a sua própria casa e reservou um andar com 160 metros quadrados para aí instalar o seu próprio museu. “A lei aqui em França é muito difícil, é preciso muita segurança para ter um museu aberto ao público. Então resolvi fazer um museu pessoal, recebo os meus amigos e os amigos dos meus amigos. Já aqui recebi várias personalidades portuguesas. A minha casa está aberta para essas pessoas que se interessam por este assunto”.

Álvaro Rodrigues estima que já investiu na exposição cerca de meio milhão de euros. De vez em quando é convidado para expor em salas municipais. “Em 2016, 2017 e 2018 foram 3 anos muito difíceis para mim porque tive muitos contactos para expor. Só em 2018 estive 3 meses fora de casa” explica ao LusoJornal. Porque Álvaro Rodrigues acompanha sempre as suas exposições, come e dorme nos sítios onde a exposição estiver. Está a uma das suas condições. “Eu tenho um seguro, e as minhas peças estão protegidas, mas o melhor seguro sou eu. Se me partirem ou roubarem uma peça, mais do que o seu valor, é que vai ser difícil encontrar outra igual, se a houver”.

Também costuma ir a escolas fazer intervenções para alunos e gosta desta interação com os mais novos.

 

Retomou a coleção de Afonso Maia

Há duas semanas, a coleção de Álvaro Rodrigues foi reforçada com uma outra coleção, a do falecido Afonso Maia. “Eu contactei a família Maia e mostrei disponibilidade para comprar o espólio. A família disse-me que havia mais pessoas interessadas. Mas este mês, a filha do Senhor Maia ligou-me para perguntar se eu ainda estava interessado, eu respondi que sim e então disse-me que a mãe decidiu oferecer-me tudo, exceto uma exposição de 20 quadros do Corpo Expedicionário Português que decidi comprar – não tenho nada a esconder – por 200 euros, foi quanto eles me pediram”.

Na semana passada Álvaro Rodrigues foi recuperar a exposição de 2 metros cúbicos de material que está agora a organizar e a inventariar. “São só documentos, não há peças como eu tenho na minha exposição. Eu sou colecionador, ele era mais historiador” conta Álvaro Rodrigues que vai agora fazer um inventário completo do que recolheu e promete disponibilizar o material para quem o quiser estudar.

No meio dos documentos já descobriu “uma relíquia”. Trata-se de uma bandeira portuguesa com 16 cm por 14 cm, que foi oferecida às autoridades inglesas, em junho de 1919, na festa da vitória, em Londres. “Ainda estava dentro da caixa que foi enviada ao Afonso Maia”.

Quanto à exposição, “quando eu tiver mais tempo, vou verificar tudo, vou arranjá-la, porque ela sofreu muito com o transporte e vai circular. Vou contactar as associações portuguesas em França” diz o colecionador. “Esta exposição vai ser emprestada gratuitamente em todas as ações portuguesas, mas a acompanhar esta a exposição vai uma caixa para recolha de fundos para a associação dos Amigos do Cemitério Militar Português de Richebourg”.

 

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