LusoJornal / Carlos Pereira

Álvaro Rodrigues expõe coleção pessoal sobre Guerra 1914-18

A sala de festas da Mairie de Selles-sur-Cher (41), a sul de Blois, está transformada num campo de batalha. Cerca de 3.000 objetos da coleção pessoal de Álvaro Rodrigues estão expostos, no quadro do Centenário da I Guerra Mundial.

Álvaro Rodrigues é um colecionador apaixonado. Acolhe os visitantes e dá «aulas de história». Conhece todos os objetos que expõe, reconstitui a história de muitos desses objetos e dos soldados a quem pertenciam.

Já lá vai o tempo em que chegou pequeno a França. Quando o avô morreu, não lhe foi possível ir ao funeral «porque não tinha feito o serviço militar». Pediu ao pai que lhe trouxesse o revolver que o avô tinha na gaveta da mesinha de cabeceira. Mas a arma tinha desaparecido!

Encontrou uma arma idêntica em França, em 1965, há mais de 50 anos. Comprou-a e mandou gravar o nome do avô. Álvaro, como ele. Regressou a casa sossegado pela homenagem singela que fez ao avô.

Mal sabia que aquela era a primeira peça de uma coleção enorme, que hoje ultrapassa os 5.000 objetos. Em cerca de 50 anos, estima ter investido mais de 500 mil euros.

Do avô pouco sabe. Sabe que era pescador e andava na pesca do bacalhau. Conta que o barco em que navegava se chamava «Luanda» e foi afundado ao largo de Portugal. Os tripulantes foram recuperados por um submarino alemão e ele foi feito prisioneiro e transferido para um barco também alemão. Atirou-se à água ao largo de Dunkerque e foi recuperado pelas tropas inglesas que o levaram ao Corpo Expedicionário Português.

É uma história rocambolesca, mas explica como um pescador se transformou em Soldado auxiliar, na Flandres francesa, até ao fim da guerra. Só regressou a Portugal quando foi ferido. E regressou com um revolver que tinha roubado a um soldado inimigo.

O tal revolver que Álvaro Rodrigues queria tanto ter.

«Apenas tenho dele o Livrete Marítimo» explica Álvaro Rodrigues ao LusoJornal.

Mas o avô Álvaro não foi o único soldado da família no CEP. «Somos da freguesia de Lavos, na Figueira da Foz, e há mais duas outras pessoas da nossa família sepultadas no Cemitério Militar Português de Richebourg». Aliás, o primeiro soldado português a morrer em França, o Soldado Curado, também era da família de Álvaro Rodrigues. «O Soldado Curado perdeu o pai muito novo e foi a minha avó paterna quem o criou».

A mulher é filha de militar, por isso não estranha os uniformes, os capacetes, as baionetas, as botas,… Acompanha o marido, ao ponto de, quando construíram a casa onde moram, dedicarem um espaço para o museu pessoal.

«Quando decidimos construir uma casa, foi precisamente a pensar na exposição. Tenho um andar com 170 metros quadrados só para a minha coleção» explica ao LusoJornal. Só lá vão os amigos, «porque as normas em França, para abrir um museu são muito rígidas» explica.

Tem então um museu para os amigos e… para o próprio colecionador. Passa horas a estudar documentos, a procurar informações, a organizar, a limpar,…

Mas Álvaro Rodrigues vai regularmente mostrar a sua paixão «fora de portas». Costuma fazer intervenções nas escolas, onde vai com material para mostrar aos alunos. «Eles podem ter ouvido falar nos capacetes alemães, mas eu levo alguns e eles podem tocar para saberem verdadeiramente o que é».

Diz que pediu documentação à Embaixada para entregar aos alunos. «Não me deram nada, nem deram importância ao meu pedido». Foi a Lisboa e pediu diretamente ao Ministério da Defesa. «Mandaram fazer 800 exemplares e eu tenho comigo 400» explica ao LusoJornal. «Amanhã vem aqui um grupo escolar e se tiverem crianças de origem portuguesa, vão levar os primeiros».

E de vez em quanto aceita fazer exposições mais importantes, como esta que está agora patente ao público em Selles-sur-Cher, até 13 de setembro. «A exposição está aberta 24 horas por dia» vai dizendo a sorrir a quem por lá passa ou a quem telefona. «Basta tocar, nós abrimos a porta, mesmo durante a noite». É que Álvaro Rodrigues dorme em Selles-sur-Cher, nos camarins da Sala de festas. «Não ia deixar a minha exposição aqui, nem por nada» confessa determinado.

«A exposição só sai nestas condições: se eu puder ficar com ela em permanência», garante. Durante 15 dias, é ali que come, que dorme e que conversa com os visitantes.

Orgulha-se de ter bandeiras únicas do Corpo Expedicionário Português e até de ter a farda e muitos objetos de alguns oficiais portugueses que combateram em França ou na África durante a I Guerra Mundial. Mas a exposição de Álvaro Rodrigues não se limita aos Portugueses. Tem muito material da França, da Inglaterra e da Alemanha, «mas também me interesso muito pelos pequenos países que, tal como Portugal, participaram na guerra».

Dedica a coleção a todos os países que se bateram nesta guerra. «Era gente nova, bateram-se todos pela mesma causa, mesmo se uns de um lado e os outros do outro lado. Eu não faço política, só me interessa o soldado. O sofrimento de todos foi igual. Espero que não haja mais guerra na Europa, porque este foi o maior desastre da humanidade».

Tudo o que diga respeito à Guerra de 1914-18 interessa a Álvaro Rodrigues e mostra com tanto orgulho os aquecedores a lenha das tropas alemãs, como a gaiola dos pombos correios das tropas francesas, ou mesmo a coleção de cartas postais que comprou e onde descobriu a correspondência entre duas mulheres apaixonadas durante a guerra…

Tem peças oferecidas, tem peças que lhe custaram um euro e tem peças que lhe custaram 7.000 euros. Tem capacetes de 150 euros e capacetes de 3.000 euros.

Tem sobretudo uma verdadeira «caverna de Ali Babá». Seriam necessários vários dias para compreender o que ali vai…

Com o Centenário da Guerra, os preços aumentaram, há menos gente a oferecer peças, «e há muitas peças roubadas que se encontram no mercado» explica.

No discurso de inauguração, o Maire de Selles-sur-Cher evocou a Guerra e os cerca de 500 mil soldados americanos que se instalaram na região para defenderem a França. Nem uma palavra sobre Portugal! Mas Álvaro Rodrigues soube responder-lhe e falou-lhe «do meu país» com a emoção suficiente para transmitir esta informação à sala.

Todos se admiraram que Portugal também tivesse estado ao lado das tropas Aliadas para defender a França contra o ataque inimigo. Não sabiam!

Salvo, evidentemente, alguns Portugueses que estavam na sala, como por exemplo o historiador franco-português Georges Viaud e uma delegação associativa portuguesa de Bourges.

 

Até 13 septembre

Salle des Fêtes

Selles-sur-Cher (41)

Todos os dias, das 9h00 às 18h00