LusoJornal | Carlos PereiraBD “Borboleta” da lusodescendente Madeleine Pereira editada em PortugalCarlos Pereira·Cultura·8 Abril, 2025 O livro de banda desenhada “Borboleta” da lusodescendente Madeleine Pereira, foi editado em França em 2024. A autora conta a história do próprio pai, Hélder Pereira, um dos quadros da Caixa Geral de Depósitos, em França, e sobretudo as razões que o levaram a sair de Portugal com a família, para se instalar em França. O livro é, na verdade, uma pesquisa da artista, num momento em que procurava conhecer a história do país onde tem as suas raízes. Madeleine Pereira está atualmente em Portugal para apresentar “Borboleta” no festival A Arte de Ser Migrante, em Lisboa, e na FNAC do Colombo, também na capital. Em maio estará no Festival de Banda Desenhada da Maia (Porto). . Onde nasceu a Madalena? Eu nasci em 1997, na região de Paris, mas o meu pai veio para França em 1973, com 13 anos, com a mãe dele e com as irmãs. Todos os dois anos íamos a Portugal, para ver a família que ficou lá e eu sempre gostei de Portugal. É algo de emocional, nem sei bem explicar porquê. Entretanto fui crescendo, mas sinceramente não conhecia a história de Portugal. Eu tinha aulas de português na escola e falámos muito pouco da história do Portugal. O livro conta a história do seu pai… O livro é sobre a história do meu pai e é sobretudo a resposta às minhas perguntas: o que se passou em Portugal com a ditadura de Salazar? Por que razão as pessoas fugiram de Portugal para virem para França? Eu estava à procura das minhas raízes e perguntava ao meu pai que me contasse a história de Portugal e por que razão fugiu para a França. Mas ele estava sempre ocupado, dizia que tinha de trabalhar, e mandava-me perguntar a outras pessoas, então o livro tem 5 testemunhos, quatro deles são os amigos do meu pai, que vêm de classes sociais diferentes e isso é muito interessante para o livro. A última testemunha é a minha tia, que conta a história da família. Desta forma, nós percebemos por que razão o meu pai não quer falar, porque é complicada a história da família. Então, a minha personagem, no livro, vai aprendendo mais sobre Portugal e tem flashbacks das pessoas que fugiram de Portugal para França. Com cada personagem, eu aprendi um pouco mais da ditadura, por exemplo sobre as torturas da PIDE, sobre a guerra colonial e a condição da mulher. E porque se chama Borboleta? Na verdade, porque no ano de 2016, tivemos a França e Portugal na final do Europeu de futebol, e fomos ver o jogo ao Stade de France porque o meu pai adora futebol. Estávamos na parte reservada aos adeptos portugueses e tudo o resto eram franceses. Há um momento em que Cristiano Ronaldo caiu e havia borboletas à volta da cara dele. De repente, toda a gente à nossa volta estava triste e a pensar que Portugal ia perder, mas um senhor bateu no meu ombro e disse-me: vai ver que as borboletas vão dar sorte. E finalmente Portugal ganhou. Então, o título vem dessa história. Quando começou a desenhar? Desde pequena que desenho muito e depois entrei nas Belas Artes. Estou sempre a desenhar, tenho cadernos cheios de desenhos, também gosto de fazer gravura, cerâmica… e acho que a banda desenhada é um bom meio para contar histórias. Por exemplo, fui apanhar um comboio, mas perdi o comboio… então desenho para dar vida a estas histórias. Ora, eu acho que Portugal é muito bonito e para mim é um prazer desenhar em Portugal. Quando lá vou, passo o tempo a desenhar nas ruas. Borboleta é o seu primeiro livro? Este é o meu primeiro livro, com desenhos meus e textos meus. Mas já fiz quatro livros para crianças em que só fiz as ilustrações. Prefiro fazer tudo, claro. Mora em Angoulême por ser a capital mundial da banda desenhada? No início fui para lá estudar, fiz um ano de Belas-Artes em Angoulême, mas acontece que os alugueres das casas são bem mais baixos do que em Paris, então é melhor para mim. Por outro lado, moram lá muitas pessoas que também fazem banda desenhada, isso é bom para desenvolvermos o nosso trabalho neste ambiente. Por exemplo, estive dois anos numa residência artística, com várias outras pessoas, foi muito engraçado, interessante, agradável. Mas também é uma cidade pequena e por isso, eu também gosto de sair, de tempos a tempos, para outros lados, para fazer coisas diferentes. E agora, há outro livro em preparação? Depois de “Borboleta” fiz a colorização de um outro livro, de outros autores, mas gostaria de fazer um outro livro meu, claro, só que demora muito tempo. Por exemplo, para a Borboleta eu demorei dois anos. Também quero dedicar-me a outras coisas, como a cerâmica e a gravura. Este assunto da emigração portuguesa continua atual ou já virou a página e passa a outros assuntos? Eu penso que era necessário para mim fazer este trabalho, porque também é um livro para o meu pai. Eu queria que ele se abrisse um pouco mais, mas agora está feito. Aprendi muitas coisas sobre Portugal e, para mim era muito importante. Como digo no livro, sinto uma pertença maior agora porque eu conheço mais da história de Portugal. Então, acho que fiz o que eu queria fazer muito, fiquei mais leve. Recentemente foram editadas várias bandas desenhadas sobre Portugal, por exemplo de Cyril Pedrosa ou de Mathieu Sapin. O assunto está na moda? Eu acho que não há assim tantos livros sobre Portugal. Deve haver uns 4 ou 5, e parece-me pouco. Eu acho que era importante abordar este assunto porque na escola, em França, aprendemos um pouco sobre a ditadura do Hitler e do Franco, mas ninguém conhece Salazar. Para mim era muito importante, porque temos muitos portugueses aqui, emigrados e lusodescendentes, e eu tenho a impressão que a minha geração não conhece muito bem a história dos pais, porque muitos pais não querem falar sobre isso. Acham que não é muito importante, mas é muito importante. Sobretudo neste contexto atual de ameaças de fascismo, sobretudo na Europa, acho que é importante contar que também houve fascismo em Portugal. Claro que agora Portugal está na moda para os franceses, mas não foi por isso que eu escrevi este livro. Acontece que também eram os 50 anos da Revolução dos Cravos, mas também foi mera coincidência. No entanto, para mim, esta Revolução foi a mais bonita, porque incluiu música e política ao mesmo tempo, foi pacífica… tudo é muito bonito. Eu tenho uma grande paixão por Portugal, não sei como dizer isso, então é por isso que fiz uma banda desenhada. Estou muito orgulhosa de falar da história do Portugal, acho que isso é muito importante para mim, porque – eu digo isto também na banda desenhada – os imigrantes portugueses foram gozados, e para mim era importante fazer uma banda desenhada que viesse quebrar estes preconceitos. Continua a ir de férias a Portugal? Claro que quando temos 18 anos deixamos de ir de férias com os pais e vamos com os amigos. Há dois meses estive lá e pensei para comigo que tenho de lá viver algum tempo, nem que seja para falar melhor português, mas também porque tenho uma ligação forte com o país que quero aprofundar. Quero viver um pouquinho em Portugal. Não sei quando, mas é uma ideia! Onde estão as suas raízes em Portugal? Estão no Montijo do outro de Lisboa. Quando eu vou para Portugal, vou para o Montijo para ver a família. O português que fala é o que lhe foi transmitido pela família? Sim, o meu pai fala-me em português. É muito interessante porque o meu pai não queria falar sobre a sua história e sobre a história de Portugal, mas falava-me em português, enquanto a minha tia fala muito sobre a história da família, mas ela nunca falou português com os meus primos. Eu tenho amigos que são descendentes de portugueses como eu, com pais que fugiram de Portugal, mas não transmitiram a língua aos filhos. São coisas estranhas… Para si, foi muito importante ouvir falar português em criança? Sim e agradeço ao meu pai, porque assim eu posso falar – mesmo se não tenho um português perfeito – com portugueses e com brasileiros. Acontece que todas as minhas professoras de português eram brasileiras e a minha mãe é franco-brasileira, então é por isso que tenho mais um sotaque brasileiro do que português. O sotaque português é bem mais complicado (risos). Na banda desenhada eu tive de fazer muitas pesquisas e trabalhei muito no site internet da RTP Arquivos e às vezes dizia “eu não entendo nada”, então tinha de mandar o link ao meu pai e pedir-lhe ajuda. E foi fácil encontrar uma editora? Eu acho que tive muita sorte, porque um editor da Sarbacane mandou-me uma mensagem nas redes sociais para dizer que gostava do meu trabalho e perguntou-me se tinha algo para publicar e eu respondi logo que sim. Foi excelente, não tive de procurar. Mas é complicado de viver deste trabalho, é muito precário, no entanto, em França é melhor do que nos outros países, exceto talvez na Bélgica. Nos salões em que participa, quem compra o seu livro? São lusodescendentes? Depende. Há de tudo. Por vezes há gente que vem e me diz que viu que o meu nome é português, ou porque o título do livro é português e compram por causa disso. Por vezes também temos há espanhóis, servos… eu acho que é uma temática universal, de pessoas que têm de fugir de um país para se instalarem noutro por causa das guerras, das ditaduras… É por isso que é interessante, é uma história universal, não é só para portugueses.