Catarina Martins discursou em Marseille durante o encontro da France Insoumise

Catarina Martins, a líder do Bloco de Esquerda, participou no fim de semana passado, em Marseille, no encontro da “rentrée” política da France Insoumise, ao lado de Jean-Luc Mélenchon, de quem diz que tem feito “um caminho de debate, construção, juntar forças, para um novo projeto na Europa”.

Referindo-se à plataforma conjunta que a France Insoumise, o Bloco de Esquerda e o Podemos em Espanha, criaram, Catarina Martins diz que “é este o nosso caminho comum”.

“Um projeto de justiça, para recuperar a soberania dos povos e combater a ditadura dos mercados financeiros; um projeto para uma nova estratégia económica, que recusa a predação dos recursos naturais e inova no respeito pelo planeta que partilhamos; um projeto de emancipação, feminista, anti-racista, inclusivo; um projeto de paz, que recusa a militarização e o ódio e sabe o valor da cooperação e do diálogo europeus e internacionais. Um projeto que responde pelo povo, para o povo”.

A Universidade de verão da France Insoumise juntou cerca de três mil militantes de Esquerda, durante quatro dias de debates sobre os mais variados temas e terminou ontem com dois painéis dedicados à plataforma europeia “Agora, o povo”. Coube a Catarina Martins a responsabilidade de fazer a intervenção de encerramento. “Estar neste espaço em que tantos e tão interessantes conversas e debates decorreram é entusiasmante. Não falta alternativa na Europa, não falta quem dê o seu melhor na construção de novas soluções para os problemas de sempre e novas soluções para os novos problemas”.

“Temos vivido tempos difíceis e de desesperança. Nas últimas décadas os povos da Europa têm perdido voz e capacidade de decisão e o capital financeiro tem hoje mais poder do que nunca. Esta captura da democracia tem custos muito altos: na região mais rica, a Europa, tanta desigualdade, injustiça, pobreza. Desde a crise financeira de 2007/2008 que a situação na Europa se agrava e que é apresentado como ‘novo normal’ que se viva pior, que as vidas sejam sempre mais precárias, que o futuro seja um lugar a temer” disse na sua intervenção a líder do Bloco de Esquerda, antes de se referir ao fim do programa da Troika na Grécia. “O Presidente do Eurogrupo declarou que a Grécia tinha regressado à normalidade e que terá agora de agir com responsabilidade. Temos de pensar no que quer isto dizer. Pelo povo grego, com quem somos solidários, e por todos nós. O que é esta normalidade europeia?”

Catarina Martins afirmou que “a União Europeia continua a culpar os povos do sul pela crise do sistema financeiro internacional (e que, portanto, não aprendeu nada com a enorme destruição a que assistimos nos últimos anos). Em segundo lugar, que continuará a exigir à Grécia a política da destruição: liberalização, desregulação, cortes e pagamentos impossíveis de uma dívida ilegítima. Se nesta União Europeia o ‘novo normal’ é viver pior e aquilo a que chamam responsabilidade não é mais do que chantagem, temos de agir. De juntar forças contra a chantagem e em nome da esperança. Agora, o povo”.

Catarina Martins explicou que o que se passa na Grécia tem “particular significado” para Portugal porque “também conhecemos boa parte da receita da Troika”, mas também porque o Presidente do Eurogrupo é o Ministro das Finanças português.

Referindo-se ao caso português, Catarina Martins disse que “Portugal mantém-se dependente da política do Banco Central Europeu e com uma dívida grande demais. A política de salvar bancos privados com dinheiro público não se alterou, nem o Euro deixou de servir para a Alemanha ter excedentes recorde às custas das economias periféricas. Os setores estratégicos são ainda controlados por capital financeiro internacional ou por outros países. Os salários continuam dos mais baixos da Europa e os direitos do trabalho não foram reconstruídos”. E acrescentou que “no país são cada vez mais os que sentem que não bastam pequenos passos. Precisamos da coragem de ir mais longe. Mas o Partido Socialista em Portugal, como no resto da Europa, mantém-se alinhado com a ortodoxia neoliberal europeia e vai repetindo: a Europa não permite, os Tratados europeus não permitem. Já conhecemos todas as más desculpas de quem não quer mudar nada. Em Portugal, como em França, em Espanha ou em qualquer outro país da Europa, sempre que alguma voz se levanta para denunciar a injustiça, a concentração da riqueza, os paraísos fiscais, aqueles que dominam as instituições europeias, dizem: nada a fazer. É a globalização, a modernidade. Teremos de nos adaptar porque qualquer alternativa é um perigoso regresso ao passado”.

A Deputada portuguesa do BE ainda falou da “exploração de sempre no trabalho mal pago e sem direitos”, de fronteiras, de injustiça, mas sempre da União Europeia. “Muitas vezes ouvimos que teremos de defender esta Europa, com o seu ‘novo normal’, ou só nos restará a barbárie. Que a escolha é entre esta União Europeia ou a desagregação e o regresso dos nacionalismos. Não é assim. Barbárie é já uma Europa que transforma o Mediterrâneo em cemitério. Nacionalismos e xenofobia são os monstros que esta União Europeia alimenta, na Hungria, na Itália ou na Áustria, aqui mesmo, em todos os países onde a Extrema-direita cavalga o ódio no desespero dos povos. O branqueamento da Extrema-direita, alimentada pelo poder económico e pelo consenso europeu, essa normalização do ódio e da xenofobia, é o maior perigo de todos. A escolha afinal é hoje outra Europa ou a barbárie. Outra Europa ou a desagregação. Uma Europa dos povos ou nenhuma Europa”.

Catarina Martins, que foi bastante aplaudida em Marseille, terminou a sua intervenção afirmando que “recusamos a ‘nova normalidade’ de condenar os filhos a viver pior que os seus pais, os netos sonharem menos que os seus avós. Reclamamos o direito à felicidade e a construí-la. Reclamamos a liberdade de criar futuros melhores e de sermos cidadãos por inteiro do mundo e em cada lugar. A viver sem medo”.