Coletes Amarelos: Cristina Semblano acredita que Movimento vai prosseguir

Há quase quatro semanas que a França vive com os protestos, as manifestações e as reivindicações dos Coletes Amarelos. No passado sábado as manifestações tiveram um lado pacífico e outro mais violento. Confrontado com este clima, o Presidente da República, Emmanuel Macron, decidiu abrir mão em alguns aspetos como um aumento do salário mínimo em 100 euros, sem encargos para os empregadores, a partir de 2019, segundo certas condições e essencialmente para aqueles que ganham apenas o salário mínimo.

Medidas que não parecem convencer os Coletes Amarelos. Para Cristina Semblano, Economista, autarca em Gentilly e dirigente nacional do Bloco de Esquerda, o Presidente francês fez um passo em direção aos manifestantes, mas ficou muito aquém das expectativas, o que deverá ter como efeitos a continuidade do Movimento e um quinto sábado de manifestações um pouco por todo o país.

Para o LusoJornal, Cristina Semblano analisou a situação atual.

 

Qual é a sua opinião sobre os Coletes Amarelos?

Trata-se de um movimento eminentemente político e popular e o facto de ter nascido de forma espontânea e de não ser encapotado por nenhum partido político ou sindicato, em nada lhe retira esse caráter. Nascido da ira das classes populares rurais contra o aumento da taxa sobre o gasóleo, que sob pretexto de ecologia ia tornar a vida de milhares e milhares de pessoas insustentável, o movimento congregou muito rapidamente as classes populares suburbanas e alargou o seu leque de reivindicações ao aumento do poder de compra em geral e à exigência de mais redistribuição e democracia. Neste sentido o movimento dos Coletes Amarelos traduz a profunda crise de representatividade de que sofrem as nossas democracias – deveria dizer posdemocracias – e, desde já, a França.

 

O que pensou da intervenção do Presidente da República?

A intervenção do Presidente da República mudou na forma, ao abandonar o tom arrogante que lhe era peculiar, mas não só, já que anunciou cedências que eram inimagináveis um mês antes. Sob esse ponto de vista, podemos falar de uma vitória, de uma primeira vitória, dos Coletes Amarelos. Esta fica, no entanto, muito aquém das expectativas destes e das da população francesa em geral que, de forma massiva, se solidarizou com o movimento. Em particular, o Presidente da República em nada cedeu sobre o fundo da orientação política do seu mandato, ou seja, mantém intactos os privilégios dos poderosos, os quais até vão beneficiar, em parte, das medidas anunciadas, cujo financiamento se fará através da segurança social e dos impostos.

 

As medidas respondem de alguma forma às reivindicações dos Coletes Amarelos? Sem esquecer também a supressão na semana passada da nova taxa sobre os combustíveis.

Como acabo de referir, as medidas anunciadas estão muito aquém do que reivindicavam os Coletes Amarelos que, para além da supressão da taxa sobre o gasóleo, reclamavam o aumento do salário mínimo nacional, a revitalização dos serviços públicos encerrados, medidas de proteção das atividades económicas locais, a proibição das deslocalizações, políticas de pleno emprego… De notar que uma das suas principais reivindicações, o aumento do salário mínimo, nem sequer foi atendida, já que o que o Presidente anunciou não foi um aumento do salário mínimo nacional, mas um aumento do rendimento dos trabalhadores usufruindo do salário mínimo nacional, aumento esse que não vai beneficiar a todos eles, pois que deixa de fora os trabalhadores a tempo parcial e que a sua distribuição será condicionada aos rendimentos do agregado familiar.

 

Estas medidas podem acabar com o Movimento?

Sinceramente, não creio que estas medidas possam acabar com o movimento. De qualquer forma, não acabarão com movimentos deste tipo com que a sociedade francesa (e não só) se verá cada vez mais confrontada. É que este movimento não nasceu do nada, nasceu numa França doente, doente da política agrícola comum, da desindustrialização, do desemprego em massa e das deslocalizações, uma França minada por uma explosiva e obscena desigualdade na repartição da riqueza. Ora, o Governo não cedeu em nada no que a esta repartição diz respeito, nem ao nível, que seria apenas simbólico, do imposto sobre a fortuna mobiliária que havia suprimido e cuja restauração constituía, a par da instauração de tetos salariais, uma das reivindicações fortes do movimento, ao mesmo tempo que testemunhava do seu elevado grau de politização.

 

No próximo sábado acredita que vai haver mais manifestações? E se houver, qual deveria ser a atuação das forças policiais, como no sábado precedente?

Estou convicta de que vai haver novas manifestações no próximo sábado, e vou mais longe, declarando que as apoio sem restrições. É cedo demais para deixar morrer um movimento que tira a sua força da transversalidade que o torna congregador de aspirações tão vastas e legítimas, num momento em que o poder sofreu um abalo e está fragilizado. O Presidente da República não cedeu em nada aos privilégios das grandes empresas, das multinacionais e das classes abastadas que continuam intactos, tendo colocado os contribuintes e a segurança social a financiar as migalhas cuja distribuição anunciou no passado dia 10. O Presidente cedeu sob o medo, mas não cedeu como e quanto devia ceder. Ora e, para responder à segunda parte da sua pergunta, é o medo que fez o poder político transformar Paris numa cidade sitiada, com manifestantes a assemelharem-se a vítimas de guerra: mãos arrancadas, olhos furados, mortos devido à inalação de gazes tóxicos. Condeno a violência de onde quer que ela venha, mas condeno antes de mais a violência primeira, a que obriga homens, mulheres e crianças a viver na rua, reformados a ir procurar comida às lixeiras, trabalhadores cada vez mais pobres a não poder pagar a cantina dos filhos, a renda da casa, os alimentos essenciais à vida… Essa violência, institucional, é a primeira e é mãe de todas as outras.