Cristela Alves Meira : “Eu não moro em Portugal mas sinto-me legítima para filmar Trás-os-Montes”

[pro_ad_display_adzone id=”37509″]

O filme “Alma Viva” de Cristele Alves Meira já está nas salas francesas desde esta quarta-feira e a realizadora, que se assume “tão francesa como portuguesa” está felicíssima por mostrar ao mundo a aldeia transmontana onde tem as suas raízes.

Nesta entrevista ao LusoJornal, Cristele Alves Meira fala das suas relações com a aldeia de Campo de Víboras, no concelho de Vimioso, onde filmou “Alma Viva”.

De onde vem esta relação forte com Trás-os-Montes?

Eu nasci em França, filha de pais portugueses e, como muitos filhos de emigrantes, tive sempre esta relação forte com Portugal, sempre fui lá várias vezes por ano e principalmente no período das férias de verão. Muitas vezes eu ia sozinha, os meus pais ficavam a trabalhar em França, e eu ia passar um certo tempo com os meus avós. Foi assim que sempre mantive uma relação como o meio rural. Em França vivia em Montreuil, nos subúrbios de Paris, mas lá na aldeia, era um meio completamente diferente, um meio rural, com carros de vacas, cortar milho, apanhar batatas… O meu pai é Minhoto – e qualquer dia vou também filmar no Minho – mas para este meu primeiro filme, queria mesmo filmar em Trás-os-Montes.

E é dessa relação que surgiu a ideia de abordar a questão dos bruxedos?

Na verdade, as minhas avós eram muito religiosas. Em Trás-os-Montes ainda permanece uma tradição oral, com lendas, histórias estranhas, poderosas e até aquelas montanhas parece que estão carregadas daquelas memórias antigas. Trás-os-Montes tem essa tradição céltica, tem festas de Carnaval muito fortes e eu sempre senti uma curiosidade e um certo mistério por aquelas aldeias, uma parte mais sobrenatural. Por exemplo, à noite, quando andamos pelas aldeias, sentimos aquelas forças mágicas. Eu quis fazer um filme sobre uma família, sobre uma menina que regressa no verão, que tem uma relação muito forte com a avó e a avó consegue comunicar com os defuntos. Ela é acusada por uns de ser bruxa, enquanto outras pessoas admiram o dom que ela tem. Eu quis entrar por essa porta, um pouco em segredo, tabu, pelas crenças mais íntimas ligadas ao paganismo…

E também falar da morte…

Sim, também falar da morte, que também é outro tabu. É um filme com muita vitalidade, muita energia e um certo humor. Também dá para rir. Nós estamos em situação dramática, mas também com um pouco de comédia. Eu acho isso muito importante, porque também conta o carinho que eu tenho com Portugal e com essas histórias de família. Às vezes são histórias difíceis. Sabemos todos que quando a avó morre, a questão das partilhas vem logo por detrás (risos) e é sempre complicado. E eu queria apontar também essas complicações que há sempre nas famílias emigrantes que estão divididas, entre aqueles que partiram, e os que ficaram.

Sente essa legitimidade para abordar estas questões?

Eu filmei a minha aldeia, uma aldeia com a qual eu tenho uma relação muito íntima. Pelo facto de eu não viver lá, isso não quer dizer que não tenha uma relação muito familiar com essa aldeia. Por acaso eu tenho também uma paixão pelo azeite e regresso todos os invernos para apanhar a azeitona com o pessoal. Tenho 2 filhos, levo-os lá desde pequenos. Alguns podem pensar que eu sou uma estrangeira, que não sou legítima para abordar estas questões, mas eu sinto-me tão Transmontana, como Minhota e como Francesa. E tenho orgulho de me sentir legítima para contar também esta história.

O filme tem a particularidade de envolver praticamente toda a aldeia, não é?

Este filme não podia existir sem a participação, a solidariedade e a confiança de todas as pessoas da minha aldeia. Elas confiaram em mim, aceitaram entrar nesta aventura maluca que é de fazer um filme. Fazer um filme são muitos dias de trabalho, as pessoas ajudaram muito, uns emprestaram casas, carros, tempo… organizaram as vidas deles – porque têm outra vida, não são atores profissionais – aceitaram pôr a vida deles de parte para viver esta aventura do cinema, certamente por curiosidade, por vontade de ver outros horizontes, de viver outra aventura. O filme foi filmado depois do Covid, em 2021. Estávamos todos a precisar de aventuras humanas, de voltar ao coletivo.

Foi difícil trabalhar com atores não-profissionais?

Não. Foi muito bonito descobrir talentos nas pessoas que entram no filme e que não são atores profissionais, mas têm tanto talento como os atores profissionais. Eles fascinaram-me tanto como os atores profissionais que eu também escolhi.


E hoje o filme está a dar a volta ao mundo…

Hoje temos este orgulho de ver o filme dar a volta ao mundo. O filme foi candidato para representar Portugal nos Óscares. Isso é incrível, eu nunca pensei que a minha aldeia perdida nas montanhas, uma aldeia desconhecida, pudesse mostrar-se através do mundo. E estas histórias, que nos parecem muito íntimas, muito portuguesas, afinal são histórias que nos contam a humanidade toda. Eu já ando há um ano com este filme, já vi muitas pessoas do público que vieram falar comigo e as pessoas lembram-se da avó que vem do México, da Rússia, da Sérvia, de vários outros países do mundo, que não tem nada a ver com Portugal. Até os Franceses dizem isso. Então eu sinto uma universalidade nesta história e fico contente que o filme possa mexer com o ser humano nesta questão do visível e do invisível. Estamos todos a precisar de nos maravilhar um bocadinho, porque o nosso mundo está muito complicado e este filme é isso mesmo, é uma proposta para ver mais longe.

A protagonista principal do filme é uma criança e chama-se Lua!

A Lua é a protagonista principal, é a Salomé e, por acaso, é a minha própria filha. Quando eu comecei a escrever o filme, estava grávida dela, portanto nunca pensei na minha filha. Mas necessitamos de um tempo para chegar ao resultado final, encontrar financiamento, para conseguirmos fazer o filme. Então ela foi crescendo e a vida fez com que fosse ela a protagonista principal. Ela tem um talento incrível. Não é por ser minha filha, quem viu o filme pode confirmar. Ela leva-nos, tem um olhar com profundidade e traz-nos muita emoção. É uma atriz que já fez outros filmes e com certeza vai fazer carreira nesta área.

E agora, já há novo filme em preparação?

Já. Será também questão de França e de Portugal. Estou a inspirar-me da vida real de uma mulher que emigrou nos anos 70. Por enquanto não posso dizer mais, mas com certeza haverá outro filme porque eu estou a gostar de fazer cinema e os sinais são positivos, então vou continuar.



[pro_ad_display_adzone id=”46664″]