Edições Métaillé: A sátira política de Agualusa chegou a França

A Éditions Métailié acaba de lançar “La Société des Rêveurs Involuntaires”, o mais recente romance do escritor angolano José Eduardo Agualusa, 59 anos, publicado no ano de 2017 em língua portuguesa. A tradução é de Danielle Scharamm.

Em 2015, Angola viveu momentos de crise com a prisão de um grupo encabeçado pelo rapper luso-angolano Luaty Beirão. Se para o Governo angolano e o então Presidente José Eduardo dos Santos se tratou de deter “golpistas a preparar um golpe de Estado violento”, para outros, nomeadamente em Portugal, tratou-se de uma “criminosa repressão perpetrada por um regime corrupto”.

Este evento político teve o condão de ter criado em Agualusa, segundo as suas próprias palavras, uma “ânsia interior” para escrever um “romance político” que deixara de lado, incompleto, havia uns anos, pois, diz o escritor, “qualquer livro resulta de uma necessidade interna, de alguma coisa que nos força a escrever, que nos leva a escrever. Nesse sentido, sim, tudo aquilo me incomodou muito, todo o processo e a prisão deles me incomodou. Escrever é uma tentativa de conhecer, de conseguir explicar alguma coisa que nos incomoda”.

“A Sociedade dos Sonhadores Involuntários” é então uma sátira política, uma crítica feroz ao MPLA angolano, que junta os sonhos de quatro personagens – o jornalista Daniel Benchimol, a artista Moira Fernandes, o neurocientista brasileiro Hélio de Castro e o antigo guerrilheiro Hossi Kaley – e os faz circular por um país esmagado por um regime totalitário perto da absoluta desagregação. Um romance em que o autor utiliza a fantasia, o absurdo, o humor e a linguagem poética como arma de arremesso político para atingir objetivos bem mais mundanos e terrenos. Afinal a Literatura é também um meio mais do que legítimo para ser usado no processo de transformação da sociedade onde o escritor se insere.

Muita coisa mudou em Angola depois do lançamento deste romance. João Lourenço tornou-se o novo Presidente de Angola e afastou das vizinhanças do Poder os membros do clã Dos Santos, acusados de fomentar um Estado “cleptocrata”.

Agualusa – que utiliza sempre que pode palavras como “regime”, “totalitário” ou “ditadura” para atacar os Governos angolanos saídos de eleições democráticas, processos eleitorais que ele sempre contestou – já criticou, mas também já elogiou João Lourenço. Criticou-o ao compará-lo ao ditador português Marcelo Caetano quando disse que “uma transição, num contexto de regime totalitário, é sempre muito complicada e pode acontecer o que aconteceu em Portugal, em que Salazar morreu e Marcelo Caetano ficou pouco tempo” para, poucos meses depois, elogiar a forma como o novo Presidente está a lutar contra a corrupção.

Falta saber se hoje, dadas as novas circunstâncias políticas, José Eduardo Agualusa voltaria a escrever este livro ou se, pelo contrário, o deixaria sossegadinho e incompleto dentro da gaveta onde estava a descansar em paz.