Ensinamentos das faturas do Corpo Expedicionário Portugueses dos alojamentos em Vincly et Enquin Les Mines

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Durante a I Guerra mundial, a passagem do Corpo Expedicionário Português (CEP) por França, a defesa da Flandres pelos soldados e oficiais do CEP, trouxe, evidentemente, despesas para Portugal. Muitas despesas.

Os oficiais do CEP, a chefia suprema, ocuparam na região de Flandres inúmeros imóveis, nomeadamente ricas residências.

A ocupação destes locais trouxe despesas? Se sim, quanto? Como eram calculadas, número de pessoas, superfície, localização, etc?

Nos Arquivos do Pas de Calais encontramos dezenas de faturas correspondentes a pagamentos que o CEP fez pela ocupação de alojamentos em duas aldeias: Vincly e Enquin-les-Mines, mais nesta última do que na primeira.

Vincly é uma pequena aldeia de 160 habitantes que durante a guerra possuía à volta de 200. Faz parte da comuna de Montreuil-sur-Mer e está situada a 15 km de Thérouanne e a 23 km de Aire-sur-La-Lys.

Enquin-les-Mines é um pouco maior: possui 1.450 habitantes e durante a I Guerra mundial possuía 1.300 habitantes. Pertence à comuna de Saint-Omer.

Vinchy e Enquin les Mines estão a 10 km uma da outra. As duas aldeias estão situadas na estrada que conduz a Etaples, Le Touquet…

Será que é em Thérouanne e em Aire-sur-La-Lys que devemos encontrar parte da resposta às questões que nos colocamos?

Thérouanne ficava na traseira das trincheiras ocupadas pelo CEP, era aqui que estava a parte mecânica e automóvel do CEP.

De notar que os certificados tinham uma escritura manuel em Vincly, mas en Enquin-les-Mines tratava-se de mais oficiais e a escrita era feita à máquina. Os certificados eram redigidos em inglês, com um carimbo vermelho sobre a fatura: «Portuguese».

As faturas assinadas seguiam com indicação de não estarem pagas, para que superiormente o serviço competente o fizesse.

Estas faturas provam da passagem nestas localidades de membros do CEP que alugaram casa particular.

Em Enquin-les-Mines temos dezenas de faturas e dezenas de linhas, o que prova que não foi uma, nem duas pessoas que por ali passaram do CEP, provavelmente, e podemos quase afirmar, que seriam essencialmente oficiais.

De notar que nesta aldeia, um casal franco-português se uniu por matrimónio a 04 de julho de 1922, tendo nascido do casal, antes da cerimónia, um filho a 28 de janeiro do mesmo ano.

Em que data passaram, alugaram casas, aqueles membros do CEP?

Lemos num documento junto com as faturas de Vincly: «certificat logement et de cantonnement des troupes britanniques: pres billeting distribution list 1917 H4» (“Certificado de Alojamento e Aquartelamento de Tropas Britânicas: Lista de Distribuição de Pré-Alojamento 1917 H4”.

A título indicativo, para uma aldeia de 200 habitantes, temos faturas com 39 nomes de habitações alugadas, quarto ou outro na noite de 19 de março a 20 de março, a aldeia terá sido praticamente toda requisitada nessa noite por membros do CEP.

Em Enquin-les-Mines, as datas são mais numerosas. A título indicativo, temos períodos de aluguer mas sem o mês por vezes indicado nem ano: do 4 ao 11, do 11 ao 18, do 25/8 ao 1/9, do 8 ao 11, do 1 a 8, do 19 ao 25, do 1 ao 7, etc. Aqui a estadia é mais longa que em Vincly.

A questão que se coloca é: de onde e para onde se deslocavam estes membros do CEP?

Temos faturas que nos dão uma indicação um pouco mais precisa, sobretudo em Enquin-les-Mines. Temos indicações que se trata de faturas para pagamento de secretariado, intérprete francês, entre 20 de setembro e 6 de outubro 1917. O pagamento foi de 35 francos a Touzard Gaston.

As datas nas faturas estão quase todas incompletas, contudo, ao fazermos o historial das assinaturas, conseguimos determinar as datas reais.

Os certificados são assinados por oficiais do CEP, cujos nomes são, por vezes, ilegíveis. Conseguimos, contudo, determinar com certeza cinco nomes de oficiais que assinaram os documentos: Luiz José da Motta, António Castanheira, Carlos Alberto Scarnicha Casa Nova, António Álvaro dos Santos Pereira e Alfredo Ribeiro Ferreira. Será que o historial destes nomes nos podem informar e esclarecer sobre as ditas faturas? Será que estes nomes nos permitem perceber um pouco mais sobre a organização de certos serviços do CEP?

Algo de comum existe entre eles: fizeram parte da Artilharia. Vamos ter respostas sobre o provável porquê das ditas faturas.

As faturas que possuímos de Vincly são ambas assinadas pelo Capitão Luiz José da Motta, Comandante do Batalhão de Infantaria n°34, casado com Sara Abreu da Fonseca Motta, natural de Coimbra, filho de César José Motta e Maria da Conceição dos Santos Motta, que moravam na rua dos militares n°2, em Coimbra.

De notar que Luiz José da Motta embarcou para França antes da grande vaga de soldados que começou em janeiro de 1917, provavelmente para preparar e para se preparar para o futuro desempenho do CEP. Saiu de Lisboa a 25 de dezembro de 1916 e terá regressado em fevereiro de 1919, tendo sido promovido a Major a 20 de agosto de 1917.

Na ficha militar é-nos indicado que comandava Batalhão em preparação para o combate, entre 4 de fevereiro e 7 de maio, na zona de Mametz. Dado que as faturas datam da noite do 29 de março a 30 de março, o ano seria 1917 e dado que em 1918 Luiz José da Motta ausentou-se de campanha com 53 dias de licença a partir do dia 26 de fevereiro de 1918.

De notar que a zona de Marthes-Mametz era uma zona de treinos situada entre Thérouanne (1) e Aire-sur-La-Lys, a 8 km de Enquin-les-Mines e 18 km de Vincly.

Sabemos por conseguinte que as faturas de Vincly dizem respeito, provavelmente, a oficiais que faziam parte do batalhão de infanteria que se treinava em Mametz, ou de oficiais em visita.

Teremos ocasião de tratar, no LusoJornal o assunto. Quatro casais franco-portugueses criaram-se na sequência da passagem/estadia de soldados de CEP por Mametz.

António Castanheira assinou faturas de Enquin-les-Mines. Alferes, casado com Maria da Nazaré Sousa, filho de José Castanheira e Anna de Oliveira Branca, nascido em Falques (?) concelho de Arganil, a residir na rua Cândido Reis em Alcobaça.

Embarcou a 21 de agosto de 1917. Não possuímos grandes indicações sobre ele, a não ser o fato do Serviço de estatísticas ter colocado a pergunta, a 4 de outubro de 1918, sobre excesso de licença concedida a António Castanheira, ao qual foi respondido que este estando no serviço E.A.S.A (?) desde 16/01 do corrente ano, a António Castanheira foram dados 53 dias de licença de campanha a partir do 8 de agosto.

Carlos Alberto Scarnicha Casa Nova, assinou faturas de Enquin-les-Mines. Fez parte do Estado Maior da Infantaria, casado com Maria Elisa Ferro Casa Nova, natural de Lisboa, filho de Francisco da Ascenção Casa Nova e Maria Emília Scarnicha Casa Nova. Embarcou em Lisboa a 27 de maio de 1917 e regressou a 16 de fevereiro de 1918, esta última data é importante, o que permite localizar mais ou menos a data das faturas. Carlos Casa Nova estava ligado ao 1° Batalhão de Infantaria.

Dá baixa ao hospital a 24 de dezembro, dado as datas em que esteve em França, foi forçosamente em fins de 1917. É evacuado para o hospital de base n°32 em 29 de dezembro, foi-lhe dado alta a 3 de janeiro. Sabemos através da ficha militar que terá conduzido tropas do Q.G.B em fins de janeiro 1918 para reforçar o dispositivo da frente.

Licenciado de campanha por 45 dias a partir de 12 fevereiro, tendo chegado a Portugal a 16 do mesmo mês, a partir de abril foi afetado ao Quartel General Territorial.

Entre outras, dizem respeito as faturas a datas que vão do 25 de agosto a 01 de setembro, forçosamente do ano de 1917.

Podemos concluir que Carlos Casa Nova passou por Enquin-les-Mines e por ali pernoitou com membros do seu Batalhão a caminho da frente, ou ali pernoitou quando o Batalhão estava em instrução ou porque o Batalhão ali chegou e que ali seguiu instruções antes de ir para a frente?

António Álvaro dos Santos Pereira, era tenente da administração militar, fazia parte do Secretariado de guerra n°7, repartição da 2ª Direção geral.

Era solteiro, nasceu em Lisboa, filho de Miguel dos Santos Pereira e Marcelina das Dores Pereira. Embarcou no Gil Eanes já quase no fim da Guerra, a 8 de agosto de 1918, tendo regressado a Portugal por via terrestre a 24 de agosto de 1919.

Depois do desembarque em Brest, a 12 de agosto, apresentou-se no Quartel General de Base a 3 de setembro, no dia seguinte foi colocado no Grupo de Bateria Artilheiro até ao 12 de janeiro de 1919, aqui desempenhou o papel de Tesoureiro do Conselho de administração do Q.G.B.

António Álvaro dos Santos Pereira fez diversas deslocações para alimentar em dinheiro os serviços. Por exemplo, a 8 de fevereiro de 1919 é-lhe fornecido documento pelo Q.G.B para seguir até Calais e Boulogne a fim de adquirir artigos para o Q.G.B e entregar fundos para o D.M.B.I (depósito de material da base). Regressa de Calais a 10 e chega ao Q.G.B no dia 11 de fevereiro. Sabemos que a 28 de fevereiro de 1919 estava presente no Depósito e Oficina de Fardamento.

Pequeno àprate: faz parte do dossier militar de António Álvaro dos Santos Pereira, um atestado no qual é indicado que este seguia desta oficina de fardamento e ferramenta da base para o Hospital de base n°2, em Ambleteuse, para ouvir o soldado n°992, Raul Pinto do Carmo, sobre um delito. Foi acompanhado pelo sargento Jesus Calado. O posto de António Álvaro dos Santos Pereira, na altura, era Oficial de polícia judiciária militar. Curiosa foi a punição do soldado depois da passagem de António Álvaro dos Santos Pereira: punido com 5 dias de prisão disciplinar por ter faltado ao curativo, não obstante estar prevenido do prejudicamento à sua cura.

Supomos que nas diversas idas e voltas no transporte de dinheiro e fardamentos António Álvaro dos Santos Pereira tenha pernoitado por diversas vezes com outros oficiais por Enquin-les-Mines, aldeia longe da frente, agrícola e calma.

Alfredo Ribeiro Ferreira era alferes da 2ª e depois Comandante da BML (Bateria Metralhadora Ligeira), responsável pela Escola de Metralhadora Ligeira. Partiu de Lisboa a 29 de dezembro de 1916, casado com Otília Ivens de Sales Ferreira, nasceu em Lisboa, filho de Joaquim Narciso Ferreira e Filomena Adelaide Ferreira, residente Santarém no 43, 1ero rua Serpa Pinto.

Foi louvado pelo seu desempenho durante a Batalha de La Lys: esteve até às 13h00 em La-Fossée, no primeiro dia da batalha, manteve rigorosamente a disciplina, organizou da sua iniciativa posto de informação e policiamento da estrada, organizam marcha em ordem com praças de diferentes unidades, por ordem britânica retirou-se às 20h00.

Outros nomes que assinaram as faturas são Mário Affonso de Carvalho (?), Manuel Caneira (?)…

Através das datas e da descrição da vida militar dos 5 oficiais, poderemos concluir que por Vincly, mas sobretudo Enquin-les-Mines, idos da zona de Ambleteuse e Boulogne, em direção de linha da frente, ou por ali estarem a dar instrução, ou ainda em visita a unidades situadas provavelmente em Marthe-et-Manetz.

 

(1) https://lusojornal.com/therouanne-descobertas-placas-com-fotografias-de-soldados-portugueses-da-i-guerra-mundial/

 

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