“Le chemin imparfait”, de José Luís Peixoto: Uma peregrinação interior na Tailândia

Cultura

“O caminho imperfeito” da autoria do autor português José Luís Peixoto (1974) acaba de ser publicado em França pela Éditions GOPE, uma editora especializada no sudeste asiático.

“Le chemin imparfait” é uma obra híbrida que nos leva à Tailândia, não o famoso destino turístico, mas sim à Tailândia pessoal do autor, que cruza a viagem com momentos pessoais avulsos, autobiográficos, de si próprio e da sua família. Uma viagem que não começa nem termina nesse país asiático, pois passa por Portugal, como não poderia deixar de ser, e pelos Estados Unidos.

O mote (verídico) para este livro de viagens “imperfeito” – publicado pela Quetzal em 2017 – surge na abertura da obra. Nos correios de um centro comercial da capital tailandesa são descobertas algumas caixas de plástico a caminho de Las Vegas. Declaradas como “brinquedos para criança”, as caixas continham na verdade partes de corpos humanos: uma cabeça e um pé de criança, um coração com sinais de esfaqueamento e bocados de pele humana tatuada. E dessa descoberta macabra, o escritor salta para o karma budista ou para a loja do senhor Heliodoro cuja mistura de odores e o caos organizado dos produtos empilhados estão bem marcados na sua memória desde os 12 anos. Tudo isto no espaço de três ou quatro páginas e sempre envolvido pela prosa poética que é a imagem de marca do escritor nascido em Galveias, a aldeia do Alto Alentejo que é também o título de um romance de José Luís Peixoto.

“O caminho imperfeito” é então um perpétuo deambular por tempos e espaços dispersos, um livro de viagens na Tailândia (em Lisboa e em Las Vegas) com momentos profundamente autobiográficos (também sobre outras viagens), de procura espiritual e de thriller. O autor explora uma Tailândia para além do lugar-comum do turismo (vai-se além dos templos dourados e das praias paradisíacas), explorando aspetos menos conhecidos da sua cultura, sociedade, história e religiões. E uma dessas componentes pouco referidas da cultura tailandesa é bem explorada neste livro: a figura do “kathoey”.

Maioritariamente budista, a sociedade tailandesa demonstra uma enorme tolerância em relação às pessoas transsexuais, que têm grande visibilidade e aceitação. José Luís Peixoto, que explica por que razão no Ocidente se usa o termo “ladyboy” para definir os “kathoey”, não resiste à tentação de sexualizar esta realidade: “Eu tentava segurar as muitas mãos da ladyboy. Os seus dedos deslizavam-me no pescoço ou abriam-me um botão da camisa. Em bikini, a ladyboy sentava-se por vezes no meu colo”.

Estamos então perante um livro original que é muitas coisas ao mesmo tempo e que encantará os leitores que apreciam mais as viagens introspetivas do que as viagens reais.

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