Livro: Brasil: nos passos de um gigante

Em finais do ano passado, a jovem editora belga Nevicata, fundada em 2008 e especializada em não-ficção, nomeadamente em literatura de viagem, fez chegar às livrarias francófonas um pequeno livro sobre o Brasil.

Inserido na excelente coleção “L’âme des peuples”, o “Brésil, les colères d’un géant” foi escrito pelo romancista francês Patrice Montagu-Williams, autor que viveu no Brasil durante vários anos. Experiência que lhe permitiu também escrever o romance “La guerre de l’once et du serpent”, uma história que decorre no Brasil de Getúlio Vargas nas vésperas da segunda guerra mundial, em pleno Sertão, ao longo do rio São Francisco, um território controlado por bandos de cangaceiros.

É então do alto desta longa e intensa experiência brasileira que Patrice Montagu-Williams oferece aos leitores um livro que embora possa ser confundido com um guia de viagens é muito mais do que isso. É um “descodificador” que permite descobrir o quinto maior país do mundo, que por si só ocupa metade de toda a América Latina. Uma descoberta dos vários Brasis que se escondem atrás de um país aparentemente coeso, unido por uma língua comum, o português, e por uma religião esmagadoramente maioritária, o cristianismo, seja na versão católica ou evangélica (mais de 40 milhões de fiéis!), mas cuja diversidade geográfica e cultural é impressionante.

Um livro que abre com as palavras do grande escritor austríaco, Stefan Zweig – “Aqui, a civilização criada pela Europa poderia desenvolver-se e perpetuar-se de maneira nova e diferente” -, um homem do seu tempo, fugido das atrocidades nazis e que encontrou no Brasil um refúgio e um “país de futuro”. Um futuro, dir-se-á, olhando para a História brasileira dos últimos 75 anos, constantemente adiado.

Como é que uma terra “de futuro” que, pouco depois da “descoberta” de Pedro Álvares Cabral, Amerigo Vespucci chamou “Paraíso terrestre”, passou, hoje, a ser apenas conhecida no estrangeiro com base numa série de clichés, quase sempre injustos, que apenas a menorizam? Uma terra de futebol e samba, carnaval e corrupção, de ecocídio e do mais primitivo populismo, de assassínios e profunda desigualdade social e “racial”.

É nesta viagem de contraste entre o paraíso e o inferno, a beleza natural e a catástrofe social, que Patrice Montagu-Williams nos embarca. No intervalo dessas viagens até às praias de Ipanema e às profundezas indígenas da Amazónia, às terras ressequidas do Sertão e à megapolis de São Paulo, o autor senta-se para conversar com intelectuais brasileiros. Fala com Isabel Lustosa sobre a questão da “raça” como problema e solução e com Claudio Frischtak explora as possibilidades de uma reinvenção do Brasil.

São então 96 páginas de leitura intensa e de descoberta constante sobre a nona potência económica do planeta (a França é a sétima, depois de ter sido ultrapassada pela Índia em 2018) e que nos dão um retrato sobre o Brasil atual, um país de recursos inesgotáveis, um país unido mas não uniforme que tenta escapar aos seus próprios demónios.

 

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