Livros: “La Grosse” de Isabela Figueiredo, de aumentado a amputado. A história de um corpo

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Fenómeno editorial em Portugal, “A Gorda”, romance de Isabela Figueiredo (Maputo, 1963), chegou às livrarias francesas a semana passada.

“La Grosse” (com tradução de João Viegas) sucede assim a “Carnet de mémoires coloniales”, obra igualmente editada pela Éditions Chandeigne e que garantiu à autora o Prix des Lecteurs/LEC Festival no âmbito do Literaturas Europeias de Cognac que, em 2022, homenageou a literatura portuguesa.

Em “La Grosse”, a autora regressa ao universo da descolonização e aos traumas que esta espoletou. Maria Luísa, uma jovem nascida em Moçambique que, em plena adolescência, é enviada pelos pais para Portugal em 1975, logo após a independência é o centro nevrálgico da intriga. Os seus pais chegaram a Lourenço Marques em 1952, inseridos na leva de colonos brancos incentivados a partir pelo desesperado Estado fascista governado por Salazar que via no aumento do número de colonos europeus um infalível instrumento para conservar um decrépito império colonial. Esta coincidência entre as vidas da personagem e da autora levará o leitor a pensar imediatamente em romance de inspiração autobiográfica.

Maria Luísa é então uma “retornada” que vai viver para a margem sul, para a casa da tia Maria da Luz, na Cova da Piedade, talvez a localidade portuguesa que mais merece o troféu de nome mais triste. Maria Luísa é inteligente, viva e uma miúda cosmopolita que, a contragosto, vai bater com os costados na pasmaceira da antiga metrópole e de um colégio da Lourinhã, realidades tão diferentes da exuberância moçambicana. Porém, estas circunstâncias não são a principal marca da personalidade de Maria Luísa. A característica que a domina (e que a oprime) é física e terá um impacto profundo na sua personalidade. Maria Luísa é gorda. Gorda com maiúscula, pois a sua obesidade terá um enorme peso, literal e figurado, na sua construção enquanto mulher adulta.

A intriga, narrada pela própria protagonista, debate-se com uma cronologia que salta de época em época, nos anos 1970 e 1980 até 2014, ano em que Maria Luísa perdeu a mãe (“A morte da mamã foi um alívio”) e fez uma gastrectomia que a fez perder quarenta quilos. “Quarenta quilos é muito peso. Foram os que eu perdi após a gastrectomia: era um segundo corpo que eu transportava comigo, ou seja, que arrastava”. A protagonista sofreu uma cirurgia ao estomago, mas não foi lobotomizada, pois continua com a mesma personalidade: “Ainda penso como gorda. Serei sempre uma gorda”. Maria Luísa continuará gorda mesmo quando já não o é: “Depois da gastrectomia não fiquei nada mal!”

Isabela Figueiredo aproveita para descrever os “Tempos da Grande Regressão” que, enquanto residente em Portugal, ia vivendo enquanto escrevia este seu romance, onde encontramos nomes e termos que quase caíram no esquecimento de quem já não vive em Portugal, tais como Passos Coelho, Troika, cortes ou emigração forçada. Anos de crise que, inevitavelmente, deixarão marcas na literatura lusófona, tal como a Grande Depressão deixou na Literatura estadunidense ou a Pandemia nas Literaturas planetárias.

Com uma escrita crua e sem filtros ou rodriguinhos, Isabela Figueiredo conduz o leitor à descoberta de uma mulher traumatizada por décadas de insultos e discriminações e aponta o dedo à ditadura da imagem e do corpo (dito) perfeito que conduz milhões de homens e mulheres à depressão e ao desamor de si próprio.

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