Livros / Lusofonia: da sua “pré-história” à CPLP

“Préhistoire de la Lusophonie”, de Sébastien Rozeaux, conduz-nos à origem da “identidade luso-brasileira”, os primórdios (autor fala em “pré-história”) do que hoje chamamos lusofonia e que, em última análise, levou à construção da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). Uma “pré-história” de avanços e recuos, desentendimentos, paternalismo pós-colonial e lusofobia, numa mistura quase explosiva de cumplicidades fraternais e rivalidades transatlânticas entre um reino multisecular de propensão imperialista que procura “novos Brasis” em África e um novo país de dimensão continental que procura uma cultura própria numa América que fala castelhano, tentando desligar-se do peso colonial da cultura portuguesa.

Professor de História Moderna e Contemporânea na Universidade Toulouse Jean Jaurés, especialista em História Ibero-Americana e em História Cultural Brasileira do século XIX, Sébastien Rozeaux mergulha então no período entre 1822, ano da independência brasileira, e 1922, ano do centenário, para demonstrar ao leitor a construção (bem sucedida ou não?) da “identidade” luso-brasileira. Uma “comunidade de destino” que teve quase sempre como principal locomotiva um Portugal (ou a comunidade portuguesa no Brasil) em busca de uma grandiosidade imperial para sempre perdida, encontrando perante si um Brasil renitente, na demanda de uma consequente independência cultural, que, face a tal projeto transatlântico, balançou entre a indiferença e a contrariedade, embora, paradoxalmente, sempre se tenha mostrado muito mais aberto à literatura portuguesa do que Portugal à literatura brasileira. Os escritores portugueses ainda hoje sonham com o gigantesco “mercado brasileiro” como única forma de os arrancar a uma perpétua precariedade.

A perda do Brasil, essa joia do império português, transformou o século XIX lusitano numa longa e progressiva decadência, durante o qual nada poderia ter corrido pior. Às invasões napoleónicas – ao forçarem a transladação da corte de Lisboa para o Rio de Janeiro, tornaram-se a causa próxima da independência brasileira – sucedeu-se a Guerra Civil entre liberais e absolutistas e os frequentes levantamentos populares do género Patuleia. A paz trouxe um pesado endividamento Regenerador junto do aliado (e inimigo) inglês, cuja “proteção” culminou no Ultimato de 1890, consequência do mapa cor-de-rosa que visava unir Angola a Moçambique.

Enquanto Portugal se afundava, o Brasil imperial consolidava-se, criando uma cultura própria capaz de fazer sombra a uma elite portuguesa habituada à hegemonia cultural da antiga metrópole, isto apesar da existência de algumas mentes mais lúcidas: Eça de Queirós disse, em 1880, deixando os seus colegas escandalizados, que Portugal era desde o fim do século XVIII “uma espécie de colónia do Brasil”.

Assim, essa construção identitária luso-brasileira, embora tendo sido essencialmente construída através de palavras, discursos e intenções e não tanto através de atos consequentes, foi deixando a sua marca na paisagem política, afinal Portugal e Brasil estavam unidos pela História, a língua, a cultura e até a “raça”, ao ponto de, durante o autoritarismo fascizante dos respetivos “Estados Novos” (no Brasil entre 1937/46 e em Portugal entre 1926/74), se ter fomentado o devaneio lusotropicalista inventado por Gilberto Freyre.

“Préhistoire de la Lusophonie”, editado pela Le Poisson Volant, é então um livro interessantíssimo não apenas para o público francês, mas também para o público lusófono. Uma obra que contextualiza um património cultural e político essencial para as futuras gerações de todos os povos que falam a nossa língua (de acordo com as fontes, ela situa-se entre a quarta e a sexta mais falada no mundo) e que poderá ajudar a combater um certo eurocentrismo bacoco na abordagem à língua portuguesa, pois deixa claro que o facto de muitos portugueses se julgarem “donos” da língua, menorizando as outras vertentes e sotaques que enriquecem o nosso idioma comum, é fruto do puro e simples chauvinismo.

 

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